domingo, fevereiro 06, 2005

Darwinismo parlamentar

A Assembleia da República não reflecte, actualmente, a estratificação económica e social do nosso país. Essa rica diversidade de rendimentos é brutalmente aplanada nas bancadas dum parlamento abstruso. É o absurdo do igualitarismo no seu pior: um homem – um voto.

É consensual que vivemos, hoje, numa economia de mercado, uma cornucópia de fusões, take overs, especulações financeiras e falências fraudulentas. Uma sociedade colorida, constituída essencialmente por ricos, remediados, pobres e sem-abrigo. Uma sociedade onde quem tem unhas é que toca viola. Donde, consoante o virtuosismo assim a remuneração. Evidentemente que é necessário garantir um mínimo de condições a toda a gente (embalagens de cartão para dormir e restos de frango para jantar). Não há necessidade de fundamentalismos. Para já, pelos menos.

Ora, temos a felicidade de ter, como compatriotas, alguns executantes (de viola) de rara destreza. Contudo, estes encontram-se, como é fácil de ver, injustamente subrepresentados no plano político. Será lícito que um homem que ganha, por exemplo, dez mil contos por mês, ou seja que supostamente criou riqueza correspondente àquele montante, tenha um voto de peso igual ao de um pária que ganha cinquenta contos por mês, e, portanto, que pouco ou nenhum valor acrescenta à sociedade (embora se queixe de “trabalhar” 14 horas por dia)? É evidente que não. É uma gritante injustiça que fere a consciência de todos nós.

Tomemos, a título de exemplo, o caso de Belmiro de Azevedo, um reconhecido virtuoso (da tal viola). O Eng.º. possui uma fortuna avaliada em 220 milhões de contos que amealhou ao longo de quarenta anos, fruto de extenuante labor e muito suor (obviamente dele). Esta quantia equivale a uma remuneração anual de 5 milhões e meio ou, se preferirem, a 500 mil contos por mês. Ora bem, com o salário médio nacional a rondar os 100 contos, o peso político do Eng.º. deveria corresponder a 5 mil votos. Criar-se-ia, assim, uma proporcionalidade rendimento - peso parlamentar. Salvaguardava-se a moralidade da coisa.

Tendo em consideração que o número total de votos em Portugal é de 5 milhões, ao Eng.º. corresponderia 0.1% da Assembleia da República, o que, grosso modo, equivaleria a 1/4 de um deputado de tamanho médio (sete nonos no caso de Marques Mendes). Se à fortuna do Eng.º somássemos as dos outros dezanove homens mais ricos de Portugal (Amorins, Mellos, Berardos e quejandos) obteríamos um peso político correspondente a 4 deputados (ligeiramente mais no caso de Marques Mendes). Parece pouco, mas sempre são mais do que os que o Bloco de Esquerda dispõe - não é assim amigo Louçã?

Como 90% de toda a riqueza nacional está nas mãos de 5% da população, deduzimos, com elegante inevitabilidade, que esses «fabulous five per cent» dominariam 90% dos assentos parlamentares com todas as vantagens que esse facto traria sob a forma de isenções fiscais, apoios ao investimento a fundo perdido e flexibilização do mercado laboral. Representaria depositar o poder nas mãos daqueles que investem, deslocalizam, especulam e pagam impostos (em paraísos fiscais). As forças vivas portanto. Por outro lado, seria punir, a chicote, todo um exército de madraços, preguiçosos e calaceiros que infestam este nosso cantinho à beira mar. Nada mais justo. Nada mais laissez-faire.

Há pessoas, menos informadas decerto, que afirmam que é de facto isso que já está a acontecer. Oxalá assim fosse!

1 comentário:

Anónimo disse...

best regards, nice info »