segunda-feira, março 28, 2005

Férias judiciais



Jorge Bacelar Gouveia é doutor em Direito Público pela Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (1999), sendo licenciado (1989) e mestre (1993) em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

Jorge Bacelar Gouveia escreveu um artigo de opinião no Diário de Notícias (24/03/2005). Comentamo-lo a bold-negrito:

Uma das medidas mais marcantes do Programa de Governo recentemente apreciado foi a da redução das férias judiciais de Verão para um mês (sendo agora de dois, de 15 de Julho e 15 de Setembro), medida que logo surpreendeu diversos sectores que a entenderam num contexto isolado. «O meu sector, confesso, foi um dos que não a soube contextualizar

Mas a bondade desta solução tem de ser vista em razão dos seus propósitos, partindo-se do pressuposto de que não terá sido certamente agora que nesta matéria se descobriu a pólvora então as férias eram exageradas e nunca ninguém nelas reparou «é bizarro, na realidade!», tendo o XVII Governo Constitucional tido o genial pensamento de ver a luz que os outros não enxergaram durante décadas? «Pessoalmente nunca enxerguei, e já lá vão quatro décadas e tal

Obviamente que não, porque as férias judiciais se inserem no estatuto global dos operadores judiciários, que ao entrarem nessas profissões sabiam das coisas boas e más com que iam contar «uma delas o excessivo tempo de inacção», sendo as férias com uma duração um pouco superior à da generalidade da função pública «o dobro, sensivelmente» uma dessas vantagens.

Mudar um dos direitos dessas profissões, reduzindo a sua amplitude, pode ser problemático não só em nome dos direitos adquiridos «muito justa e merecidamente», constitucionalmente relevantes, mas sobretudo porque a evolução global do Direito da Função Pública, nos últimos anos, acelerada no tempo dos Governos socialistas, tem sido a da função premial dos suplementos de férias para os funcionários não faltosos, que já vão muito para além dos antigos 22 dias úteis «embora bastante aquém dos 44».

Por outra parte, importa também referir que quem conhece os tribunais facilmente se apercebe de que esse tempo de férias é pouco gozado «aqui não me ocorre nenhum comentário decoroso», havendo juízes e funcionários de turno - que logicamente não podem estar em férias - e havendo muitos que aproveitam a calmaria das férias para reorganizar trabalho «leia-se viajar», para pôr processos em ordem «leia-se noitadas», para redigir sentenças mais exigentes do ponto de vista doutrinário «leia-se golfe e snowboard», para tanto tendo de estudar e de consultar bibliotecas «leia-se sun, sea and sex».

Apenas numa coisa a redução das férias não se apresenta injustificada «???» é que, sendo a justiça um serviço público «deve existir uma maior consciencialização desse facto», nenhuma razão existe para que se paralise num certo período de Verão para além dos processos urgentes, que correm durante as férias «agora que fala nisso...». Basta olhar os outros serviços públicos, as forças armadas, o policiamento ou as repartições de finanças, para perceber que isto é exacto «É verdade! Muito poucos terão reparado».

Evidentemente que a redução das férias judiciais é, no meio de argumentos contra e a favor, um problema bem menor «dir-se-ia quase microscópico», para além de tacticamente contraproducente por indispor os operadores judiciários «quem é que não se sentiria agastado, tacticamente falando?», na sua máxima extensão, já que essa alteração atinge outros grupos de profissionais e não apenas os magistrados e os funcionários judiciais os advogados e os seus escritórios, para além de outros serviços que lhe estão conexos. «Os conexos seriam, de longe, os mais incomodados!».

E corre-se ainda o risco bem mais dramático de não ser através da redução das férias judiciais que o crónico problema do atraso na aplicação da justiça possa eficazmente resolver-se «o resultado poderá mesmo ser catastrófico», mas apenas se dando à opinião pública a ideia de que há uns privilegiados que deixarão de ter as férias gordas que tinham «puro engano». Alguém de bom senso acredita que é por haver menos um mês de férias que os processos passarão a ter uma outra velocidade, afrontando os juízes ao reduzir-se-lhes um direito de décadas? «Eu não, mas a sensatez é-me intrínseca!»

O que importa é seriamente falar das medidas que verdadeiramente resolvam o problema dos atrasos e das ineficiências da justiça em Portugal, medidas que têm de ser sistémicas para combater uma crise profunda e cultural, muitas delas já devidamente identificadas. «É gratificante ouvir perorar de forma tão inteligente e objectiva!»

(...)

É nestas matérias - e noutras - que se mostra a maturidade de uma boa governação. Aguardamos «ansiosamente por 15 de Julho».

1 comentário:

Anónimo disse...

Provavelmente se tivessem 3 mesitos de férias até tornavam mais célere a Justiça. Viam os processos difíceis na calma de uma boa esplanada...