segunda-feira, julho 25, 2005

Duas pérolas do arquitecto Saraiva


António Saraiva, director do Expresso – 20 de Março de 2004

A PERGUNTA parece idiota.

Pois não foi a Al-Qaeda a autora dos grandes atentados da história recente, desde o 11 de Setembro em Nova Iorque ao 11 de Março em Madrid?

E, no entanto, essa Al-Qaeda de que toda a gente fala com a maior familiaridade ninguém sabe ao certo o que é.

Para começar, o suposto chefe - Bin Laden - não pode comandar coisa nenhuma.

Saltitando de gruta em gruta, algures entre o Afeganistão e o Paquistão, não tem condições para pastorear um rebanho de cabras quanto mais para liderar uma organização terrorista actuando à escala mundial.

O terrorismo exige comunicações fáceis e informação actualizada - e Bin Laden nem sequer pode usar um telemóvel pois seria rapidamente localizado, como aconteceu com Saddam.

Bin Laden é hoje um fantasma - não é um chefe terrorista.

Além disso, nada se sabe sobre a estrutura da organização.

As organizações clandestinas são como os polvos: têm uma cabeça - que centraliza as informações, planeia o trabalho e dá as ordens - e vários braços que não se relacionam entre si para que a localização de um deles pela polícia não conduza à descoberta dos outros.

A ETA, em Espanha, o IRA, na Irlanda, o Baader-Meinhof, na Alemanha, as Brigadas Vermelhas, em Itália, estão (ou estavam) estruturadas deste modo.

Ora ninguém sabe como a Al-Qaeda está organizada.

Não se sabe se tem ou não um comando central.

Não se sabe onde esse comando, a existir, está sedeado.

Não se sabe se os núcleos operacionais espalhados por vários países actuam às ordens desse comando central ou agem com grande autonomia.

Não se sabe se esses núcleos funcionam isolados ou em colaboração com organizações terroristas locais.

Com a Al-Qaeda, tudo passou a ser uma incógnita.

O desconhecimento do chefe, da organização e dos objectivos.

Tudo isso faz da Al-Qaeda uma entidade mítica, omnipresente porque actua em toda a parte, quase imaterial porque não se vê, mas ao mesmo tempo bem real, porque mata.



Uma semana depois, o mesmíssimo Saraiva:

Expresso – 27 de Março de 2004

O FACTO de George W. Bush ter assumido a liderança da luta contra o terrorismo deixou a esquerda numa situação difícil.

É claro que a seguir ao 11 de Setembro o mundo inteiro gritou «Somos todos americanos» - e, nessa altura, todos estariam a ser sinceros.

Mas as emoções passam.

Um mês depois, quando Bush decide invadir o Afeganistão sob o pretexto de que é um campo de treino de terroristas, já nem todos aprovam.

Parte da esquerda começa a sentir-se no fio da navalha: não quer aparecer associada ao fundamentalismo islâmico mas também não gosta de estar ao lado das tropas americanas.

Embora poucos condenem frontalmente a invasão, ouvem-se críticas em surdina.

Considera-se que a América não pode ser a «Polícia do mundo» e que os atentados contra as torres gémeas, pese embora a sua brutalidade, não justificam tudo.

Quando se coloca a hipótese de invadir o Iraque, a opinião pública já está abertamente dividida.

Há os que continuam a apoiar Bush - convencidos de que o combate ao terrorismo exige a destruição de regimes como o de Saddam Hussein e a alteração dos equilíbrios na região - e os que rejeitam veementemente a intervenção militar, decidida de forma unilateral e sem a cobertura da ONU.

E aqui é que bate o ponto.

A partir desta altura, os Estados Unidos passam a constituir a referência em relação à qual todos se situam.

De um lado fica a América de Bush e os seus acompanhantes - do outro aqueles que se opõem à política americana.

O mundo divide-se em dois.

E, por muito que custe escrever isto, os terroristas estão do lado dos que combatem Bush, sendo objectivamente seus aliados.

Não foi por acaso que certa esquerda chorou lágrimas de crocodilo pela morte de Sérgio Vieira de Melo: essa esquerda percebeu que a morte do diplomata era um libelo contra a política de Washington.

Não foi por acaso que certa esquerda acreditou desde o princípio que os atentados em Espanha não eram obra da ETA mas da Al-Qaeda: essa esquerda percebeu que os 200 mortos de Madrid poderiam ser outros tantos pesos na consciência dos americanos e dos seus aliados.

E, além disso, constituiriam um aviso sério para os que teimavam em apoiar George W. Bush: «Vejam lá o resultado que dá apoiar os americanos».

Quando Mário Soares diz que é preciso entender os terroristas e negociar com eles não o faz por acaso - fá-lo porque é esse o corolário natural das posições anti-americanas.

Se Soares não quer estar ao lado de Bush, se rejeita a política de Bush de dar caça aos terroristas - então a única alternativa é procurar percebê-los e tentar negociar com eles.

Soares, aqui - apesar das críticas que ouviu -, não está isolado.

Há muito tempo que o Bloco de Esquerda, por exemplo, percebeu que não lhe convém condenar liminarmente o terrorismo.

Sendo o terrorismo uma ameaça aos poderes instalados no Ocidente capitalista, não convém a certa esquerda combatê-lo - mas antes dizer que é preciso compreendê-lo, perceber as suas raízes, estudar as condições concretas em que surge.

No fundo, também foi isso o que Mário Soares quis dizer: não procuremos combater os terroristas cega e estupidamente, como faz Bush, procuremos combatê-los com as armas da inteligência e da democracia, compreendendo-os e mesmo negociando com eles.

É esta a situação.

Ao contrário do que muitos pensam, a divisão não é hoje entre o mundo civilizado e o terrorismo.

A partir do momento em que George W. Bush empunhou o facho da luta antiterrorista, a luta é entre Bush e os terroristas.

Ora aqueles que não querem seguir Bush o que hão-de fazer?

Recusando participar na cruzada «yankee» resta-lhes dizer que não é possível combater o terrorismo sem perceber aquilo que o motiva.

E sem dialogar com os terroristas.

Foi aquilo que Soares disse.




Comentário:

O pateta do Soares!

Desejar dialogar com Bin Laden, que nas palavras de Saraiva, não pode comandar coisa nenhuma. Que não tem condições para pastorear um rebanho de cabras, quanto mais para liderar uma organização terrorista actuando à escala mundial. Que nem sequer pode usar um telemóvel pois seria rapidamente localizado. Que é hoje um fantasma e não um chefe terrorista.

E querer perceber a Al-Qaeda, de cuja estrutura, como afirma Saraiva, nada se sabe. Que não se conhece como está organizada. Que não se sabe se tem ou não um comando central. Que não se sabe onde esse comando, a existir, está sedeado. Da qual não se conhece o chefe, a organização e os objectivos. Que é uma entidade mítica, omnipresente porque actua em toda a parte, e quase imaterial porque não se vê.

Como quer Soares dialogar com um ente do qual nada se sabe?

Com uma entidade mítica, não se dialoga, ataca-se! Invade-se o Afeganistão sob o pretexto de que é um campo de treino de terroristas. Invade-se o Iraque, de forma unilateral e sem a cobertura da ONU, e bombardeia-se, arrasa-se!

Contra o imaterial não há conversa! Há o assalto, há o ataque, há a arremetida!

Foi aquilo que Saraiva disse.

1 comentário:

Biranta disse...

Não era mau que alguém "negociasse" com a Al-Qaeda e Bin Laden. Ao menos o raio do homem e a fantasmagórica organização tinham de aparecer... e talvez pudéssemos ter "grandes surpresas"... para além de se esclarecerem as fábulas e enfabulações construídas acerca de... Soares é uma múmia mas, como toda a gente, de vez em quando acerta. Não é de propósito que ele acerta mas, neste caso, se calhar, era capaz de não ser má ideia...
Leio o que escrevi e fico a pensar: e se existir (ainda), de facto o tal Bin Laden, como o descrevem os que dizem tê-lo conhecido (que não tem nada a ver com o que se pretende que ele represente)? Situação mais absurda para ele e para nós...
Enfim... tal como Saddam, se de facto foi (ou ainda é) agente instigado pela CIA... tem, da nossa parte, o que merece. É que me chateia a hipótese de poder cometer injustiça seja com quem for...