quarta-feira, abril 09, 2008

O novo paradigma do «faça-você-mesmo» nas palavras de Ricardo Araújo Pereira



Ricardo Araújo Pereira in Boca do Inferno/Visão

IKEA: enlouqueça você mesmo

Os problemas dos clientes do IKEA começam no nome da loja. Diz-se «Iqueia» ou «I quê à»? E é «o» IKEA ou «a» IKEA»? São ambiguidades que me deixam indisposto. Não saber a pronúncia correcta do nome da loja em que me encontro inquieta-me. E desconhecer o género a que pertence gera em mim uma insegurança que me inferioriza perante os funcionários. Receio que eles percebam, pelo meu comportamento, que julgo estar no «I quê à», quando, para eles, é evidente que estou na «Iqueia».

As dificuldades, porém, não são apenas semânticas mas também conceptuais. Toda a gente está convencida de que o IKEA vende móveis baratos, o que não é exactamente verdadeiro. O IKEA vende pilhas de tábuas e molhos de parafusos que, se tudo correr bem e Deus ajudar, depois de algum esforço hão-de transformar-se em móveis baratos. É uma espécie de Lego para adultos. Não digo que os móveis do IKEA não sejam baratos. O que digo é que não são móveis.

Na altura em que os compramos, são um puzzle. A questão, portanto, é saber se o IKEA vende móveis baratos ou puzzles caros. Há dias, comprei no IKEA um móvel chamado Besta. Achei que combinava bem com a minha personalidade. Todo o material de que eu precisava e que tinha de levar até à caixa de pagamento pesava seiscentos quilos. Percebi melhor o nome do móvel. É preciso vir ao IKEA com uma besta de carga para carregar a tralha toda até à registadora. Este é um dos meus conselhos aos clientes do IKEA: não vá para lá sem duas ou três mulas. Eu alombei com a meia tonelada. O que poupei nos móveis, gastei no ortopedista. Neste momento, tenho doze estantes e três hérnias.

É claro que há aspectos positivos: as tábuas já vêm cortadas, o que é melhor do que nada. O IKEA não obriga os clientes a irem para a floresta cortar as árvores, embora por vezes se sinta que não faltará muito para que isso aconteça. Num futuro próximo, é possível que, ao comprar um móvel, o cliente receba um machado, um serrote e um mapa de determinado bosque na Suécia onde o IKEA tem dois ou três carvalhos debaixo de olho que considera terem potencial para se transformarem numa mesa-de-cabeceira engraçada.

Por outro lado, há problemas de solução difícil. Os móveis que comprei chegaram a casa em duas vezes. A equipa que trouxe a primeira parte já não estava lá para montar a segunda, e a equipa que trouxe a segunda recusou-se a mexer no trabalho que tinha sido iniciado pela primeira. Resultado: o cliente pagou dois transportes e duas montagens eficou com um móvel incompleto. Se fosse um cliente qualquer, eu não me importaria. Mas como sou eu, aborrece-me um bocadinho. Numa loja que vende tudo às peças (que, por acaso, até encaixam bem umas nas outras) acaba por ser irónico que o serviço de transporte não encaixe bem no serviço de montagem. Idiossincrasias do comércio moderno.

Que fazer, então? Cada cliente terá o seu modo de reagir. O meu é este: para a próxima, pago com um cheque todo cortado aos bocadinhos e junto um rolo de fita gomada e um livro de instruções. Entrego metade dos confetti num dia e a outra metade no outro. E os suecos que montem tudo, se quiserem receber.


Comentário:

A produção das empresas está a ser crescentemente automatizada a montante e a «ser empurrada» para o cliente a jusante. Mais uma vez, uma empresa (neste caso o IKEA) automatizou procedimentos e transferiu determinadas tarefas para o cliente . De novo surge o paradigma do «faça-você-mesmo numa nova base tecnológica».

À medida que este processo se for consolidando - automatização + faça-você-mesmo, a fábrica terá cada vez menos razões para ser propriedade privada. Porque não existirão trabalhadores com salários. Porque sem salários não haverá poder de compra. Porque sem poder de compra não há vendas. Porque sem vendas não há lucros. Porque sem lucros não há empresas privadas. Quanto mais automatizada for uma empresa, seja o que for que produza, mais motivos haverá para que pertença ao grupo, à sociedade.

Este novo paradigma será do tipo «faça-você-mesmo numa nova base tecnológica». A cada indivíduo será atribuído um determinado crédito, que lhe permitirá servir-se da produção tecnológica dentro desses parâmetros.

Vamos permanecer agarrados a um passado de trabalho-emprego que cada vez existe menos? Vamos acelerar a mudança ou continuar a apostar no desastre que se agrava diariamente?

É a tecnologia que está a substituir o homem no trabalho. É por isso que o velho paradigma do trabalho-emprego está moribundo. Cabe-nos a nós, com o auxílio da tecnologia, criar um mundo mais justo, mais redistributivo e mais humano.
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17 comentários:

  1. "...criar um mundo mais justo, mais redistributivo e mais humano."

    Esqueçam lá isso, não se preocupem com o trabalho, a maior parte de nós vai morrer em breve.
    As abelhas e outros insectos polinizadores estão a desaparecer.

    Se todos os insectos polinizadores desaparecerem, quaisqueres sobreviventes só poderão comprar comida
    comida às corporações que fizerem polinização artificial.

    www.kimatv.com/news/local/17371779.html
    www.globalchange.com/monarch.htm
    www.whatreallyhappened.com

    "Einstein's theory-- it's been, oh, a couple years ago-- was that within about four years, there would be no more food to sustain life anywhere on the planet, to pollinate orchards, pollinate everything out there," said Daniel McLaury, a migratory beekeeper from Montana.

    Bees may be the fuzzy, buzzing creatures humans try to avoid, but without them, there would be nothing to pollinate our fruit, the plants livestock eat, the cane to make sugar, even coffee.

    "Without the bees, there is no life, there is no food to eat," said McLaury. "So we're going to get real hungry really soon without bees."

    Bees that are not exposed to genetically altered plants seem to avoid Colony Collapse Disorder. But as beekeepers are hired to transport their hives from farm to farm to farm, exposure to genetically modified crops becomes inevitable.

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  2. Os restaurantes do futuro, vão ser como este, sem empregados de mesa:

    "Fast food, German-style"
    http://news.bbc.co.uk/2/hi/europe/7335351.stm

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  3. É sem duvida alarmante!
    E quem vai comprar o quê?... concordo com o que dizes amigo Diogo.

    Estejas bem.
    Beijos

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  4. a análise está a melhorar Diogo. O problema da automatização é trazido para dentro das fábricas - e aí, quem é que tem condições de democratizar a produção? hellas, as comissões de trabalhadores!, que em vez de reportar ao tradicional Patrão reportam a uma administração onde estão representados eles mesmos, as forças sociais locais e os orgãos de gestão autárquica da região - todos com direito ao voto em assembleias deliberativas sobre quais os caminhos a seguir e a estratégia de resolução dos problemas; isto é, seremos todos accionistas, mas o que receberemos não são remunerações na forma monetária mas na forma em beneficios sociais.
    É o regresso à economia primitiva estudada por Engels, mas com um up-grade tecnológico de meia dúzia de séculos

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  5. Só é pena é os humoristas esquecerem-se das coisas que realmente importam.

    Que interessa se o móvel é difícil ou fácil de montar?

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  6. Caro Anónimo do "Fast food, German-style"

    O exemplo do link que deixou está engraçado (os empregados de mesa desparecem, mas o Chef cozinheiro mantém-se). Penso que a montanha russa que montaram dentro do restaurante é mais para divertir o cliente do que para efectuar o serviço.


    Ashera,

    O avanço tecnológico exponencial em todos os domínios vai afastar o homem da produção em todos os campos. Vai também afastar o trabalhador, o gerente, o proprietário e o accionista. A vida será para ser desfrutada de facto e não a executar tarefas enfadonhas e extenuantes, muitas horas por dia, durante uma vida inteira.


    Xatoo,

    À medida que a automatização é trazido para dentro das fábricas, o trabalhador vai saindo. O movimento de controlo dos meios de produção tem de partir de fora da empresa. Tem de partir da sociedade civil como um todo.


    Mário da Silva,

    As preocupações ambientais estão em comunhão com as preocupações sociais.

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  7. Mais um ineressante post

    A automatização elimina os empregos rotineiros mas aumenta os outros. Conceber, realizar, programar autómatos dá um trabalhão.

    Em resposta ao anónimo das abelhas, a polinização não é feita pelas abelhas mas pelo vento. Felizmente tenho um sogro que agora se dedica À agricultura e me ensina essas coisas. Pode, portanto, estar descansado.

    O que deixa as abelhas à rasca - diz-me ele - são os insecticidas. Há muito que as abelhas têm grandes problemas, não é de agora.

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  8. Um detalhe interessante do restaurante automático: o cliente pode saber coisas da comida que encomendou, por exemplo, saber que o bife é de gado local... muito a propósito do meu ultimo post...

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  9. Alf: «A automatização elimina os empregos rotineiros mas aumenta os outros. Conceber, realizar, programar autómatos dá um trabalhão.»


    Acontece que por cada novo emprego que a automatização cria, muitos outros são eliminados. Com a evolução tecnológica este gap vai continuar a aumentar até todos os empregos terem desaparecido. Porque a tecnologia também pode conceber, realizar e programar.

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  10. pois pode - a tecnologia pode tudo - até pode fazer-nos desaparecer do mapa.
    Por isso é que o professor Boaventura Sousa Santos propõe limites para a Ciência

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  11. Não faz qualquer sentido propor limites para a Ciência ou a Tecnologia. São conhecimento e capacidade de usar a natureza. Obviamente que, se mal utilizadas, um dia podemos rebentar com isto tudo. Mas isso já é possível hoje. E o mundo está uma merda.

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  12. Nunca me seduziu tal espaço
    onde apenas foi uma vez
    com tanta gente um embaraço
    porque só compro português

    Mas muito sinceramente
    já tenho ajudado a montar
    os tais móveis que muita gente
    julga que está bem a comprar

    Erro de quem assim pensa
    ter feito uma boa opção
    pois nem os móveis da despensa
    são de boa construção

    Não é pois por acaso
    que as lojas da Moviflor
    com os seus preços arrasam
    o IKEA, sim senhor

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  13. Diogo
    o Enstein tentou até ao fim engendrar uma teoria que unificasse as quatro forças da Natureza e as reunisse numa única força que explicaria tudo a todos os níveis. Morreu frustado porque não o conseguiu, claro; nem nunca ninguém o vai conseguir alguma vez.
    Quais são os limites para a compreensão do infinitamente pequeno? e do infinitamente grande? é claro que são conceitos para os quais não existem definições concretas, porque a capacidade de os entender é limitada pelas nossas capacidades fisicas e intelectuais.
    Assim sendo é melhor o Homem concentrar-se na sua dimensão e agir em seu proveito, em vez de tentar exorcisar esoterismos pseudo-tecnológicos.
    É neste sentido que BSS propõe limites para a Ciência p/e quando diz: "de um conhecimento prudente para uma vida decente"
    Parece-me que faz sentido. A alternativa é prosseguir na senda do Oppenheimer e dos "projects manhattan" para equipar o Complexo Industrial Militar. Aliás, é daqui que, como se sabe, têm partido todas as inovações tecnológicas - a internet é uma delas, que dentro em breve vai servir para controlarem a 100% a vida das pessoas (já o fazem no Fisco, no resto está em marcha)

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  14. Já tivemos a Revolução Agrícola, tivemos a Revolução Industrial e vamos ter, julgo, num futuro muito próximo a Revolução do Terciário.
    Estamos na fase da pré-Revolução, está prestes a rebentar. Depois as consequências ninguém hoje ainda consegue prever. Fazem-se apenas uns "desenhos" mas mais nada do que isso.
    Analistas, profetas, visionários sempre os houve e haverá...

    Um abraço,
    Zorze

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  15. No ponto, embora passando os dois,

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  16. Caro Diogo,

    Obrigado pela visita e pelo comentário.

    Entretanto, já comentei o seu comentário.

    Até mais.

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