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terça-feira, novembro 13, 2012

Aristides de Sousa Mendes - um Oskar Schindler à portuguesa ou a fabricação de um mito...


Aristides de Sousa Mendes


Aristides condicionava a emissão de vistos
e passaportes ao pagamento de verbas



Em carta a Maria Barroso, presidente da «Fundação Aristides de Sousa Mendes»,
Embaixador desmistifica a «lenda» de Aristides de Sousa Mendes


* Desapareceram misteriosamente dos arquivos do MNE (Ministério dos Negócio Estrangeiros) várias peças dos processos que incriminavam Sousa Mendes.

* Aristides de Sousa Mendes acumulou numerosos processos disciplinares desde o longínquo ano de 1917, na República, até 1940.

* Aristides de Sousa Mendes, como foi denunciado pelos serviços da Embaixada Britânica, cobrava dinheiro pela emissão de vistos e passaportes.


Terceiro classificado por votação dos telespectadores no concurso promovido pela RTP «Os Grandes Portugueses», e surgindo agora em filme, a figura de Aristides de Sousa Mendes, cônsul de Portugal em Bordéus no período da II Grande Guerra, continua envolta em muitos mistérios e alguma polémica.


Para uns, Sousa Mendes é recordado como «um homem bom e justo» que, em Junho de 1940, contrariando as ordens do Governo de Lisboa, emitiu vistos e passaportes e, nalguns casos, chegou mesmo a atribuir falsamente a identidade portuguesa a milhares de foragidos, sobretudo judeus, que pretendiam, a todo o custo, alcançar lugares tidos por seguros. Como Portugal, que Salazar conseguiu manter neutral no conflito. Para outros, o cônsul está longe de justificar o papel de «herói» que muitos lhe atribuem e, aqui e ali, tentam repor a verdade àquilo a que chamam a «falsificação da História» e, através de factos, muitos deles documentados, desmistificam a «lenda» Sousa Mendes. Bastará uma pesquisa atenta no arquivo do MNE ao processo do antigo cônsul - apesar de muitas peças do seu "dossier" terem misteriosamente desaparecido, sem que até hoje ninguém tenha procurado investigar quem foi o autor (ou autores) do "desvio" para que algumas «verdades» deixem de o ser.



O irmão gémeo de Aristides - César Sousa Mendes

Ao contrário do seu irmão gémeo César, que também fez carreira na diplomacia tendo alcançado o posto de Ministro Plenipotenciário de 2.ª classe, Aristides arrastou-se entre postos consulares de pequeno relevo, foi acumulando processos e mais processos disciplinares desde o longínquo ano de 1917, na I República, até 1940, tendo acabado por passar à disponibilidade a aguardar aposentação, mas continuando a auferir a totalidade do vencimento correspondente à sua categoria (1.595$30). O que desde logo «mata» a tese dos que teimam em acusar Salazar de ter «perseguido» o cônsul e de o ter «obrigado» a «morrer na miséria». Pelo contrário, o então Presidente do Conselho mostrou-se benevolente com Aristides em muitas alturas, nomeadamente quando, contrariando o parecer do Conselho Disciplinar do MNE que, na sequência de mais um processo disciplinar, propôs a pena de descida de categoria do cônsul, apenas determinou a sua inactividade por um ano, com vencimento de categoria reduzido a metade, mas recebendo a totalidade do salário correspondente ao exercício.

Outra verdade que tem sido ocultada pelos defensores de Aristides Sousa Mendes: o cônsul condicionava a emissão de vistos e passaportes ao pagamento de verbas e à obrigatoriedade de contribuição para um estranho «fundo de caridade» por si próprio instituído e gerido, situação que viria a ser denunciada junto do MNE quer pelos serviços da embaixada britânica quer por muitos dos que beneficiaram das «facilidades» de Mendes.



A casa de Sousa Mendes em Cabanas do Viriato

Também esclarecedora para a verdade sobre Sousa Mendes é a carta que o Embaixador Carlos Fernandes (*) dirigiu, em Maio de 2004, a Maria Barroso Soares, presidente da entretanto criada «Fundação Aristides de Sousa Mendes», quando esta pretendeu promover uma homenagem nacional, custeada com dinheiros públicos, ao antigo cônsul.

Embaixador Carlos Augusto Fernandes, licenciado em Direito, com distinção, pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Entrou no MNE em Abril de 1948 como adido de Legação. Foi cônsul de Portugal em Nova Iorque e Encarregado de Negócios no Paquistão, Montevideu (Uruguai) e Venezuela. Foi Conselheiro da Legação Portuguesa na NATO (Paris), Director Económico do MNE, Director dos Serviços Jurídicos e Tratados do MNE e Embaixador de Portugal no México, Holanda e Turquia.


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O Semanário DIABO (3 de Abril de 2007) teve acesso à referida missiva, bem como a algumas «notas soltas» que o embaixador lhe juntou, que aqui publicamos na íntegra.

Lisboa, 5/5/04
Senhora Dra. Maria Barroso Soares,

Um antigo embaixador de Israel em Portugal, que foi «instrumental»» na mitificação de Aristides Sousa Mendes, publicou há dois dias no Diário de Notícias, a propósito do aniversário daquele antigo cônsul, um artigo de elogio a Sousa Mendes, reincidindo em duas mentiras que foram fundamentais para aquela mitificação:

a) que foi expulso da carreira diplomática;

b) que morreu na miséria (depreendendo-se que por ter sido expulso da carreira diplomática e sem vencimento).

Ora, tanto quanto eu pude averiguar, primeiro, Sousa Mendes nunca foi da carreira diplomática, pertencendo sempre à carreira consular, que era diferente, e, em princípio, mais rendosa; depois, nunca dela foi expulso: como conclusão de um 5.º processo disciplinar, foi colocado na inactividade por um ano, com metade do vencimento de categorias e, depois desse tempo, aguardando aposentação com o vencimento da sua categoria (1.595$30 por mês) até morrer, sem nunca ter sido aposentado, situação mais favorável do que a aposentação.

Portanto, se morreu na miséria, ou pelo menos com grandes dificuldades financeiras, isso deve-se a outros factores que não à não recepção do seu vencimento normal em Lisboa. Demais, A. Sousa Mendes viveu sempre com grandes dificuldades financeiras. É óbvio que, quem tenha 14 filhos da mulher, uma amante e uma filha da amante não sairá nunca de grandes dificuldades financeiras, salvo se tiver outros rendimentos significativos, além do vencimento de cônsul.


Aristides de Sousa Mendes e parte da sua prole

Vi pelo artigo acima referido que a Sr.ª Dr.ª. M. Barroso é presidente da Fundação A. S. Mendes, e só por isso lhe escrevo esta carta e lhe remeto os elementos de informação anexos.

Eu escrevi sobre Sousa Mendes, de forma simpática, num livro publicado há dois anos (Recordando o caso Delgado e outros casos, Universitária Editora, Lisboa, 2002) de págs. 27 a 30, porque o conheci e tive ocasião de ajudar dois dos seus filhos, um em Lisboa e outro depois em Nova Iorque quando lá era cônsul.

Nada me move contra A. Sousa Mendes, antes o contrário, mas não posso pactuar com a mentira descarada e generalizada. Salazar é atacável por várias razões, mas não por ter «perseguido» A. Sousa Mendes, que, aliás, teve problemas disciplinares em todos os regimes de 1917 a 1940.

Quando fui director dos Serviços Jurídicos e de Tratados do MNE tive de estudar o último processo disciplinar de A. Sousa Mendes, de cuja pasta retiraram já muitas peças.

Por outro lado, o meu amigo Prof. Doutor Joaquim Pinto, sem eu saber, fez um estudo bastante completo sobre A. Sousa Mendes, e com notável imparcialidade.

Eu não pretendo vir a público atacar ou defender A. Sousa Mendes, e, por isso, nem penso rectificar o artigo do embaixador de Israel, mas em abono da verdade, e para seu conhecimento, entendo ser meu dever remeter-lhe cópia do estudo e notas em anexo, de que poderá fazer o uso que entender.

Com respeitosos cumprimentos,


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Algumas Notas sobre Aristides Sousa Mendes

Num «memorandum» da Embaixada Britânica, datado de 20/6/40, diz-se: «O cônsul de Portugal em Bordéus protela para fora das horas de expediente todos os pedidos de vistos, e cobra por eles taxas extraordinárias. Pelo menos num caso foi ainda o interessado convidado a contribuir para um fundo português de caridade antes de ser-lhe concedido visto».


Processo

Despacho de Salazar preparado pelo Secretário Geral:

«Atendendo a que às infracções cometidas, não tendo em consideração a reincidência, cabe a pena do n.º 8 do artigo 6.º do Regulamento Disciplinar;

Atendendo a que do relatório consta “e o Conselho reconhece a incapacidade profissional do arguido para dirigir consulados, especialmente os da sua categoria”;

Condena o cônsul de 1.ª classe, Aristides Sousa Mendes, na pena de um ano de inactividade com direito a metade do vencimento de categoria, devendo em seguida ser aposentado.

Lisboa, 30 de Outubro de 1940
Salazar».


Imputadas Faltas (Desde Novembro de 1939 a fins de Junho de 1940):

a) desobediência

b) falsificação de escrita

c) abandono do lugar

d) concessão (imputação do Embaixador Britânico, de 20/6/40)

e) vistos a austríacos, espanhóis, luxemburgueses e polacos Atribuiu falsamente a nacionalidade portuguesa ao casal Miny, em 30/5/40.

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Em 18 e 19/6/40, vai a Bayone impondo ao cônsul ali a concessão de vistos, quer de trânsito quer de residência, independentemente de consulta.

Como o cônsul Faria Machado objectasse, afirmou-lhe, falsamente, que recebera instruções nesse sentido e que fora a Bayone expressamente para lhas comunicar.

******

Já assim procedera em Novembro de 1939, quando ainda não havia êxodo de França, o qual só começou em Maio/Junho de 1940.

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Não propôs à Secretaria de Estado mudanças das instruções com que depois disse não concordar, nem mudança de posto.

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Justificou a falsificação da identidade dos Miny com o humanitarismo.

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Era já o 4.º processo disciplinar de Aristides (1935, por declarações públicas; de novo em 1935, por irregularidades na contabilidade consular; em 1938, ausentou-se do seu posto na Bélgica e veio a Portugal sem autorização quer da Legação em Bruxelas quer de Lisboa; e ainda outro que foi instruído pelo Dr. Francisco António Correia).

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De 1937 a 1939, consta uma extensa lista de repreensões e censuras. Já em 1917 fora repreendido por se ausentar de Zanzibar.

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O Conselho Disciplinar do MNE propôs a pena de regresso à categoria anterior (cônsul de 2.ª classe), prevista no nº 9.º do artigo 6.º do Regulamento Disciplinar dos F. Civis.

O S. Geral (Teixeira de Sampaio) entendeu diferente. Salazar, dentro dos seus poderes, despachou a proposta do S. Geral (muito mais benigna).

Isto fez que Sousa Mendes morresse aguardando aposentação, recebendo, depois do ano de inactividade, o seu vencimento por inteiro, como se verifica da declaração que apresentou à Ordem dos Advogados em 25 de Abril de 1946 (1.595$30 por mês) num requerimento que então lhe dirigiu.


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Portugal, os Cônsules, e os Refugiados Judeus (1938-1941)

Texto de Avraham Milgram

(Tradução minha)





(...) Uma curta análise das listas e vistos passados por Aristides de Sousa Mendes aos Judeus e não-Judeus em Maio e Junho de 1040, mostra – sem diminuir a grandeza da sua atitude – que o número de vistos concedidos pelo cônsul era menor do que os que são mencionados pela literatura, levantando uma série de questões relativas a Portugal e à entrada de refugiados Judeus.

Foi provavelmente Harry Ezratty o primeiro a mencionar, num artigo publicado em 1964, que Aristides de Sousa Mendes tinha salvo 30,000 refugiados, dos quais 10,000 judeus, um número que desde então tem sido repetido automaticamente por jornalistas e académicos. Ou seja, Ezratty, imprudentemente, pegou no número total de judeus que passaram por Portugal e atribuiu-o ao trabalho de Aristides de Sousa Mendes. De acordo com a lista dos vistos emitidos no consulado de Bordéus, Aristides de Sousa Mendes passou 2,862 vistos entre 1 de Janeiro e 22 de Junho de 1940. A maioria, ou seja, 1,575 vistos, foram passados entre 11 e 22 de Junho, nos últimos dias da sua carreira consular em Bordéus. Nunca saberemos exactamente quantos vistos terá passado nos sub-postos de Bayonnne e na cidade de Hendaye, lugares por onde ele passou ao ser chamado a Lisboa por insubordinação; nestes lugares Aristides passou vistos sem o selo consular e apenas escritos à mão, e portanto não foram registados em lado nenhum.

Por forma a ter uma ideia do exagero no número de judeus que na realidade entraram em Portugal por um lado, e do número de judeus que se acredita terem entrado graças a Sousa Mendes por outro, basta citar que, no relatório do HICEM (organização judaica que ajudava os judeus a emigrar), 1,548 Judeus que vieram para Portugal como refugiados sem vistos para outros países, saíram de navio de Lisboa na segunda metade do ano 1940, e 4,908 Judeus, com a ajuda do HICEM, partiram durante 1941. A este número, devemos acrescentar aproximadamente 2,000 Judeus que vieram directamente de Itália, Alemanha, e de outros países anexados por alemães e possuidores de vistos americanos.



Os «30 mil refugiados» salvos por Aristides de Sousa Mendes

No total, em dezoito meses, de Julho de 1940 Dezembro de 1941, o HICEM tomou conta do transporte por navio de 8,346 Judeus que deixaram Lisboa para países de além-mar. Tudo indica que temos de acrescentar a estes números os Judeus que transitaram e deixaram Portugal pelos seus próprios meios. Mesmo assim, a discrepância entre a realidade e o número de vistos passados por Aristides de Sousa Mendes é grande. (...)


As contribuições para instituições de caridade (de Aristides)

(...) Outro episódio que irritou o MNE (Ministério dos Negócios Estrangeiros), e que finalmente levou Sousa Mendes a ser chamado de volta ao consulado geral, tem a sua origem num memorando enviado pela embaixada britânica em Lisboa ao MNE, queixando-se do comportamento do Cônsul português em Bordéus que pedia taxas extras aos cidadãos britânicos que pediam vistos: O Cônsul Português de Bordéus tem estado a adiar para depois das horas de serviço todos os pedidos de vistos e tem cobrado uma taxa especial; em pelos menos um caso, ao requerente foi também pedido que contribuísse para um fundo de caridade português antes do visto ser concedido. Memorando da Embaixada Britânica em Lisboa de 20 de Junho de 1940, AMNE RC M 779.

Em 1923, enquanto colocado em São Francisco (EUA), Aristides de Sousa Mendes teve um conflito com a comunidade portuguesa local sobre uma contribuição por ele pedida para uma instituição de caridade que os luso-americanos recusaram. O caso, que não chegou a ser reportado ao MNE, chegou à imprensa sob a forma de insultos e o MNE considerou-o um sério erro. (Afonso Rui, Injustiça, pp. 22-26).

Em Bordéus, não foi, portanto, a primeira vez que Aristides de Sousa Mendes se empenhou numa causa caritativa. (...)



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José Hermano Saraiva in Álbum de Memórias

[Leite Pinto] fala, a propósito, na operação de salvamento dos refugiados republicanos espanhóis e dos judeus que, no início da Segunda Guerra Mundial, se acumulavam na fronteira de Irún, na ânsia de salvar as vidas. Vieram embarcados nos vagões da Companhia dos Caminhos de Ferro da Beira Alta, que iam até Irún carregados de volfrâmio, e voltavam a Vilar Formoso carregados de fugitivos. A operação foi mantida rigorosamente secreta porque as autoridades espanholas não consentiriam. Segundo um protocolo firmado pelas autoridades ferroviárias dos dois países, os vagões deviam circular selados, quer à ida quer à vinda. Um dos que assim salvaram a vida foi o Barão de Rothschild. O embaixador Teixeira de Sampaio confirmou-me, mais tarde, esses factos.

O salvamento de 30.000 refugiados deu-se ao mesmo tempo que o cônsul de Portugal em Bordéus, em cumplicidade com dois funcionários da PIDE, falsificava algumas centenas de vistos, que vendia por bom preço a emigrantes com dinheiro. Um dos que utilizaram esta via supôs que todos os outros vieram do mesmo modo – e assim nasceu a versão, hoje oficialmente consagrada, de que a operação de salvamento se deve ao cônsul de Bordéus, Aristides de Sousa Mendes. Este, homem muito afecto ao Estado Novo, nem sequer foi demitido, mas sim colocado na situação de aguardar aposentação. Os seus cúmplices da PIDE foram julgados, condenados e demitidos.

quinta-feira, março 29, 2012

Simplificação da Ortografia - O confronto brutal entre Miguel Siguán e Maria Clara Assunção

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Miguel Siguán versus Maria Clara Assunção

Miguel Siguán y Soler (Barcelona, 2 de maio de 1918 - 8 de maio de 2010) foi um psicólogo, linguista e escritor catalão. Com 16 anos ingressa na Faculdade de Filosofia e Letras de Barcelona. Depois da Guerra Civil conhecerá Piaget em França e entrará em contacto com a Psicologia Industrial em Londres nos principios dos anos 1950. De regreso à sua cidade natal ocupa a cátedra de Psicología da Universidade de Barcelona, de que será nomeado posteriormente vice-reitor. Foi também vice-presidente do Centre Mundial d'Information sur l'Education Bilingüe e da International Society of Applied Psycholinguistics.

Obras de Miguel Siguán: Metodologia per a l'estudi del llenguatge infantil (1985), Estudios sobre psicolingüística (1985), Bilingualism and Education (1986), España plurilingüe (1992), L'Europa de les llengües (1996), Bilingüisme i educació (1998), La escuela y los inmigrantes (1998), Bilingüismo y lenguas en contacto (2001), etc.

VERSUS

Maria Clara Assunção - do blogue «A bibliotecária de Jacinto»


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A seguir, um excelente excerto do livro «A EUROPA DAS LÍNGUAS», de Miguel Siguan, que nos mostra as incongruências ortográficas das principais línguas europeias:

A par das diferenças nos sinais do alfabeto, o segundo tipo de diferenças que encontramos nos sistemas de escrita das línguas europeias são as diferenças nas regras de transcrição fonética, ou seja, o que em geral conhecemos como as regras de ortografia. Dadas as diferenças que há entre os repertórios de sons utilizados por cada língua é evidente que as regras de transcrição não podem ser as mesmas em todas as línguas da Europa. Mas a verdade é que as diferenças nas regras ortográficas vão muito mais além do que seria necessário pelas diferenças entre os sons das diferentes línguas. Menos justificação há ainda para as regras, no interior da mesma língua, não serem nem sistemáticas nem coerentes.

Um primeiro tipo de incoerência é que numa mesma língua um mesmo som ou fonema se represente com grafias diferentes segundo os casos. Assim, em alemão o fonema [f] pode ser representado por um «f» (form), por um «v» (vorn) ou por um «ph» (phosfor), sem que haja alguma regra que regule estes diferentes usos. Em francês, o fonema [є], «[e aberto») pode representar-se de catorze maneiras diferentes sem que tão-pouco haja alguma regra que justifique por que é que num casos se utiliza uma em vez de outra. Eis aqui alguns exemplos: «e» (fer), «è» (mère), «ê» (fête), «ë» (Noël), «ei» (peine), «ep» (sept), «e» (internet)... Ainda, em francês, o fonema [k] pode ser representado de nove maneiras diferentes: «k» (klaxon), «c» (corps), «q» (coq), «qu»(quand), «cc» (accord)...

Os exemplos em inglês não são menos frequentes. Assim, o fonema [i] pode ser representado de dez maneiras diferentes: «ea» (sea), «ee» (bee), «ie» (field), «ei» (ceiling), «eo» (people)...

A incongruência é ainda maior quando com uma mesma letra ou combinação de letras se representam sons diferentes. Assim, em inglês a letra «a» representa segundo. os casos, seis fonemas diferentes: (account), (arm), [ei] (lake), [a] (ask), [o] (fall), [e] (many), [i] (language), e pode ser muda como o segundo «a» de (arrival). O grafema ou combinação de letras «ai» pode representar quatro sons diferentes segundo os casos, por exemplo: (wait), (aisle), (said), (plaid). E o grafema «au», outros quatro: (claw), (laugh), (gauge), (mauve).

A primeira consequência destas incongruências é que frequentemente quando ouvimos uma palavra não temos a certeza de como se escreve correctamente e, por outro lado, quando vemos uma palavra escrita nem sempre sabemos como se pronuncia. Esta ambivalência pode chegar ao ponto de duas palavras que se escrevem exactamente da mesma forma se pronunciarem de maneira diferente segundo o significado e, pelo contrário, palavras que se pronunciam da mesma forma terem grafias diferentes também segundo aquilo que significam. Exemplos do primeiro caso de homografia com heterofonia, em inglês, são: (read), que se pode pronunciar [rid] ou [red], e (bow), que se pode pronunciar [bou] ou [bau]. E em francês a palavra (portions), onde a letra «t» se lê [t] ou [s] segundo o significado que se dá à palavra. Quanto ao segundo caso, homofonia com poligrafia, limitar-me-ei a um exemplo simples: a ortografia francesa distingue cuidadosamente em muitos casos de adjectivos entre masculino e feminino: (vrai-vraie), (égal-égale), (aigu-aigue), (cher-chère)... quando na linguagem oral não se dá pela diferença.

Não é necessário insistir tanto no ponto a que estas incoerências do sistema ortográfico dificultam a aquisição da língua escrita (quanto tempo e quanta energia se têm de dedicar a uma tarefa que começa na primeira infância e nunca se pode considerar terminada). Como no ponto a que a distinção social, muitas vezes gratuita e injusta, se estabelece entre aqueles que escrevem sem erros de ortografia e os que os cometem. Acrescentemos as dificuldades que uma ortografia irracional acrescenta à tarefa de aprender línguas estrangeiras, algo que hoje pretendemos estender a toda a população. Todas estas considerações são tão evidentes, que é natural que em todas as línguas se tenham feito e se continuem a fazer propostas para racionalizar a ortografia. Que esperanças há de que estas reformas se levem a cabo?

A ortografia francesa foi fixada no séc. XVIII pela Academia da Língua com critérios arqueológicos e arcaizantes que já no seu tempo se aproximavam do pedantismo - «esta companhia declara que deseja seguir a ortografia antiga que distingue os "homens de letras" dos ignorantes e das mulheres simples...» - e que desde então se tem mantido inalterada apesar das frequentes denúncias. «Esta ortografia criminosa, uma das fabricações mais grotescas do mundo» (Paul Valéry, Varieté III, 1936).

Têm sido frequentes também as propostas de reforma, mas ao contrário da Academia Espanhola, que por duas vezes ao longo da sua história modificou as normas ortográficas em nome de uma maior racionalidade, a Academia Francesa não aceitou nunca nenhuma. Nos últimos anos, as vozes a favor de uma reforma têm-se feito ouvir mais. O conhecido linguista Martinet, consciente das dificuldades que apresenta a ortografia para a aquisição da língua escrita, propôs há algum tempo (1977) um sistema estritamente fonético, o «alfonic», que se utilizaria para ensinar a ler e a escrever antes de, numa etapa posterior, se dar o salto para a ortografia «oficial», embora seja evidente que assim só se complica o problema. Numa perspectiva mais radical, Chervel e Blanche Benveniste (1978) propuseram substituir a ortografia francesa por um sistema de transcrição exclusivamente fonético. Mais recentemente ainda, a Academia da Língua, em resposta às fortes pressões recebidas, negou-se a tomar em consideração qualquer das propostas, mesmo as mais suaves.

A par do francês, o inglês é outro caso. O sistema ortográfico inglês é provavelmente o mais incoerente de todos os sistemas ortográficos que utilizam o alfabeto latino, isso porque manteve intacta a grafia correspondente ao inglês falado no séc. XVI ou mesmo, segundo certos autores, ao inglês medieval, apesar das mudanças fonéticas ocorridas desde então. No caso do inglês, o conservadorismo da ortografia contrasta com a notável flexibilidade da língua em todos os aspectos, do vocabulário à sintaxe, e deve ser atribuído, como em França, ao respeito reverencial de que sempre desfrutou a língua escrita transmitida academicamente e privilégio de uma minoria, no fundo a mesma motivação que faz com que se mantenha na China a escrita tradicional.

Não é que tenham faltado críticas ou propostas para a modificar. No século passado, Pitman, o inventor da estenografia, dedicou muito do dinheiro que tinha ganho com a sua invenção a promover uma ortografia simplificada do inglês. E, já no séc. XX, é conhecida a cruzada que Bernard Shaw levou a cabo na mesma direcção e à qual deixou em testamento a maior parte da sua fortuna. A «Simplified Spelling Society», dedicada ao mesmo objectivo, contou entre os seus membros com ilustres linguistas e um neto de Pitman divulgou um método fonético para as escolas semelhante ao que Martinet propôs em França. Tudo em vão. Paradoxalmente, o facto de a ortografia inglesa não depender de uma autoridade com poder decisório como aquele que a Academia Francesa constitui, apoiando-se só no peso da tradição, faz com que a reforma seja ainda mais difícil.

Referi-me ao francês e ao inglês porque são os exemplos mais patentes de incoerência ortográfica. Vendryes (1921), um conhecido linguista, dizia: «A ortografia do alemão é regular, a do espanhol bastante boa, mas a do francês e do inglês são abomináveis». Na verdade, também a ortografia do alemão e do espanhol apresentam incongruências, apesar de tudo. Quase todas as línguas escritas as apresentam. Para encontrar exemplos de escritas completamente racionais. sem contar com o esperanto, temos de pensar nalgumas línguas siberianas que nunca tinham tido um uso escrito quando linguistas soviéticos as codificaram nos anos trinta. Porque mesmo línguas que nunca tinham tido um uso académico ou oficial e que, no século passado ou mesmo mais recentemente, foram codificadas, quando lhes foi atribuída uma norma escrita não foram seguidos totalmente os critérios da racionalidade. Às vezes, o exemplo da língua mais forte fez com que se adoptassem as suas soluções na transcrição fonética. É o que acontece hoje quando se propõem normas escritas para línguas autóctones da América em países onde o espanhol é, desde há séculos, a língua dominante. Embora noutros casos aconteça o contrário.

Do que foi dito até aqui se conclui que se as reformas ortográficas das línguas europeias são necessárias e urgentes, a probabilidade de que se introduzam a curto prazo são pequenas. Acerca do sentido destas reformas falta ainda fazer uma observação, aquela que mais tem a ver com o espírito deste livro.

Até meados do séc. xx, as propostas de reforma ortográfica fizeram-se no seio de uma determinada língua e pensando só nos seus habitantes nativos e nos alunos que tinham de a aprender. Actualmente, dada a necessidade crescente de aprender línguas estrangeiras e o peso crescente dos sistemas informáticos, não só convém que o sistema ortográfico de cada língua seja o mais simples e racional possível, como também que os sistemas das diferentes línguas sejam coerentes e não contraditórios entre si. Ou seja, convém que uma mesma letra ou uma mesma combinação de letras não signifique sons totalmente diferentes segundo a língua considerada, e ao contrário, que um som igual ou parecido não seja representado de formas completamente diferentes em diferentes línguas. Todavia, é um facto que este objectivo não é fácil de alcançar.
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sexta-feira, outubro 03, 2008

O processo de «beatificação» de Aristides de Sousa Mendes

Aristides de Sousa Mendes


Aristides de Sousa Mendes é, na opinião de muitos, uma figura controversa. Não apenas com base em testemunhos ligados, ou não, ao Estado Novo, mas igualmente em opiniões de historiadores como Avraham Milgram do Yad Vashem – SHOA Resource Center, ou até, em ocorrências, como o memorando enviado pela embaixada britânica em Lisboa ao MNE queixando-se do comportamento do Cônsul português em Bordéus, que pedia taxas extras aos cidadãos britânicos que pediam vistos.

Não tenho uma opinião definitiva sobre Sousa Mendes. Parece-me, contudo, demasiado forçado a tentativa de glorificação de Sousa Mendes a que alguns se propuseram, sem, antes, terem tido a preocupação de proceder a uma investigação exaustiva sobre algumas suspeitas que recaiem, há muito, sobre o antigo cônsul português.

A «canonização» de Sousa Mendes surge, crescentemente associada ao recente «Memorial às Vítimas da Intolerância», em homenagem aos cristãos-novos que em 1506 foram chacinados em Lisboa mas também a todos os que ao longo dos séculos sofreram devido à intolerância.

Esta chacina dos cristãos-novos em 1506 em Lisboa, está, no entanto, muito longe de constituir um facto histórico provado. Dos pouquíssimos historiadores que se lhe referem, uns não estiveram presentes na altura dos acontecimentos, outros viveram muito depois deles e outros não têm qualquer credibilidade.

Em resumo, um herói polémico somado a uma chacina duvidosa.

Esperemos que não se esteja a querer implantar uma «Memória» artificial, através das escolas, nas novas gerações do País.
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segunda-feira, setembro 15, 2008

Aristides de Sousa Mendes - Quando o Memorando atraiçoa a "Memória"

Aristides de Sousa Mendes

Para uns, Sousa Mendes é recordado como um «homem bom e justo» que, em Junho de 1940, contrariando as ordens do Governo de Lisboa, emitiu vistos e passaportes e, nalguns casos, chegou mesmo a atribuir falsamente a identidade portuguesa a milhares de foragidos, sobretudo judeus, que pretendiam a todo o custo alcançar os lugares tidos por seguros, como Portugal, que Salazar conseguiu manter neutral no conflito.

Para outros, o cônsul está longe de justificar o papel de «herói» que muitos lhe atribuem e, aqui e ali, tentam repor a verdade àquilo a que chamam «falsificação da História» e, através de factos, muitos deles documentados, desmistificam a «lenda» Sousa Mendes.



Portugal, os Cônsules, e os Refugiados Judeus (1938-1941)

Texto de Avraham Milgram

(Tradução minha)


No site Yad Vashem – SHOA Resource Center


(...) Uma curta análise das listas e vistos passados por Aristides de Sousa Mendes aos Judeus e não-Judeus em Maio e Junho de 1040, mostra – sem diminuir a grandeza da sua atitude – que o número de vistos concedidos pelo cônsul era menor do que os que são mencionados pela literatura, levantando uma série de questões relativas a Portugal e à entrada de refugiados Judeus.

Foi provavelmente Harry Ezratty o primeiro a mencionar, num artigo publicado em 1964, que Aristides de Sousa Mendes tinha salvo 30,000 refugiados, dos quais 10,000 judeus, um número que desde então tem sido repetido automaticamente por jornalistas e académicos. Ou seja, Ezratty, imprudentemente, pegou no número total de judeus que passaram por Portugal e atribuiu-o ao trabalho de Aristides de Sousa Mendes. De acordo com a lista dos vistos emitidos no consulado de Bordéus, Aristides de Sousa Mendes passou 2,862 vistos entre 1 de Janeiro e 22 de Junho de 1940. A maioria, ou seja, 1,575 vistos, foram passados entre 11 e 22 de Junho, nos últimos dias da sua carreira consular em Bordéus. Nunca saberemos exactamente quantos vistos terá passado nos sub-postos de Bayonnne e na cidade de Hendaye, lugares por onde ele passou ao ser chamado a Lisboa por insubordinação; nestes lugares Aristides passou vistos sem o selo consular e apenas escritos à mão, e portanto não foram registrados em lado nenhum.

Por forma a ter uma ideia do exagero no número de judeus que na realidade entraram em Portugal por um lado, e do número de judeus que se acredita terem entrado graças a Sousa Mendes por outro, basta citar que, no relatório do HICEM (organização judaica que ajudava os judeus a emigrar), 1,548 Judeus que vieram para Portugal como refugiados sem vistos para outros países, saíram de navio de Lisboa na segunda metade do ano 1940, e 4,908 Judeus, com a ajuda do HICEM, partiram durante 1941. A este número, devemos acrescentar aproximadamente 2,000 Judeus que vieram directamente de Itália, Alemanha, e de outros países anexados por alemães e possuidores de vistos americanos.

No total, em dezoito meses, de Julho de 1940 Dezembro de 1941, o HICEM tomou conta do transporte por navio de 8,346 Judeus que deixaram Lisboa para países de além-mar. Tudo indica que temos de acrescentar a estes números os Judeus que transitaram e deixaram Portugal pelos seus próprios meios. Mesmo assim, a discrepância entre a realidade e o número de vistos passados por Aristides de Sousa Mendes é grande. De qualquer forma, devemos concluir que a maioria dos Judeus que, no Verão de 1940, conseguiram atravessar os Pirinéus e a Espanha e chegar à fronteira portuguesa, o fizeram graças a Aristides de Sousa Mendes. (...)


As contribuições para instituições de caridade (de Aristides)

(...) Outro episódio que irritou o MNE (Ministério dos Negócios Estrangeiros), e que finalmente levou Sousa Mendes a ser chamado de volta ao consulado geral, tem a sua origem num memorando enviado pela embaixada britânica em Lisboa ao MNE, queixando-se do comportamento do Cônsul português em Bordéus que pedia taxas extras aos cidadãos britânicos que pediam vistos: O Cônsul Português de Bordéus tem estado a adiar para depois das horas de serviço todos os pedidos de vistos e tem cobrado uma taxa especial; em pelos menos um caso, ao requerente foi também pedido que contribuísse para um fundo de caridade português antes do visto ser concedido. Memorando da Embaixada Britânica em Lisboa de 20 de Junho de 1940, AMNE RC M 779.

Em 1923, enquanto colocado em São Francisco, Aristides de Sousa Mendes teve um conflito com a comunidade portuguesa local sobre uma contribuição para uma instituição de caridade que os luso-americanos recusaram. O caso, que não chegou a ser reportado ao MNE, chegou à imprensa sob a forma de insultos e o MNE considerou-o um sério erro. (Afonso Rui, Injustiça, pp. 22-26).

Em Bordéus, não foi, portanto, a primeira vez que Aristides de Sousa Mendes se empenhou numa causa caritativa. (...)


Este texto de Avraham Milgram, no site Yad Vashem, confirma em muitos pontos o artigo sobre Aristides de Sousa Mendes, publicado no jornal "O Diabo", no dia 27 de Julho de 2004 (página 20): Embaixador desmistifica «lenda» Sousa Mendes ou aqui - «Voltando à lenda do Sousa Mendes»:

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