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segunda-feira, junho 03, 2019

Portugueses – Populistas ou adeptos da Democracia Directa?

A SIC/Expresso publicou há dois dias uma sondagem - «Os portugueses e o populismo» (levada a cabo pelo ICS/ISCTE), na qual quis saber até que ponto os portugueses são populistas. A SIC/Expresso definiu como Populista "alguém que considera que a sociedade está dividida apenas em dois campos, o povo, visto como puro, e a elite, vista como corrupta ou incapaz".

A SIC/Expresso, com esta sondagem, e atribuindo um sentido pejorativo ao termo Populista, pretendeu dar a entender que os portugueses se estavam a inclinar crescentemente para regimes de Extrema-Direita ou Extrema-Esquerda. No entanto, o que o teor das respostas à sondagem parece indicar é que os portugueses ambicionam cada vez mais uma Democracia Directa:



segunda-feira, dezembro 10, 2018

Maçonaria ou "Democracia Representativa"?



Texto de Gustavo Calandra

Contrariamente às histórias de fadas que a Maçonaria conta sobre si própria, apresentando a imagem de uma organização não-política, não-religiosa e filantrópica, que funciona em favor da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, a realidade é muito mais obscura e é precisamente por isso que a seita opera na sombra, como uma organização "discreta" (secreta), cujos chefes dos escalões mais altos se escondem da luz pública, escondendo também os objectivos da seita, tanto do público (o "profano") e também de seus próprios membros (os " irmãos "), que são gradualmente informados (ou não) a conta-gotas dos "segredos" à medida que sobem (ou não) na hierarquia da organização.

Entretanto, cada membro da Maçonaria, informado ou deliberadamente mantido na ignorância pelos seus "irmãos" superiores, é utilizado pela seita e obrigado a honrar juramentos de obediência, pressionado a usar (abusar) a sua posição e influência, privada ou pública (políticos, jornalistas, juízes, procuradores, policias, intelectuais, empresários, etc.) em favor dos objectivos da seita, na maioria das vezes sem sequer conhecer os objetivos finais desses objectivos. Esta situação mina claramente os princípios básicos do sistema democrático e republicano, que a Maçonaria promove, porque os pode facilmente manipular e controlar.

Depois de pregar sobre as virtudes e benefícios de um sistema baseado na soberania do povo, a Maçonaria usurpa sistematicamente ao povo essa soberania, impondo uma tirania encapotada através dos seus lacaios infiltrados nas estruturas de poder. Enquanto isto acontece na sombra, os povos desinformados são levados a acreditar que tudo o que é decidido pelos seus "representantes eleitos" deve ser obedecido por toda a gente (ou, então, as pessoas devem ser punidas), com o falso pretexto de que tudo emanou da "vontade de a maioria".

terça-feira, março 14, 2017

Pierre Lévy - A Internet vai acabar com os políticos e instituir a Democracia Directa



Pierre Lévy

UM "CHAT" COM PIERRE LÉVY

Eduardo Veras/Agência RBS - 23/05/2000

Texto em português do Brasil


Num futuro não muito distante, as fronteiras territoriais serão abolidas e ninguém mais vai precisar de líderes. A democracia estará disseminada pelo globo, e a humanidade viverá sob um único governo planetário. Tudo graças à rede mundial de computadores, a Internet. Pelo menos é o que espera o pensador francês Pierre Lévy, 43 anos, tido como o mais optimista dos filósofos europeus contemporâneos. Em sua quinta ou sexta visita ao Brasil (ele perdeu a conta), o autor de A Inteligência Colectiva realiza uma série de conferências sobre cibercultura. Nesta segunda-feira, pela manhã, em Porto Alegre, ele concedeu esta entrevista para a Agência RBS.


Agência RBS – O Sr. diz que a Internet criou um espaço democrático, em que mais gente tem acesso à informação e maior chance de se manifestar. Mas nem todo mundo tem acesso à Internet. Isso não acabaria aumentando a distância entre pobres e ricos, por exemplo?

Pierre Lévy – Os que têm acesso à Internet estão conectados com a inteligência colectiva, todos os conhecimentos possíveis e todas as pessoas, todos os grupos de discussão. É algo vivo e muito democrático. Uma comunicação horizontal, não como a do jornal, do rádio ou da TV, que é vertical. Quem participa do movimento da cibercultura vive num universo cada vez mais democrático. Os que não participam estão obviamente excluídos. Isso é muito inquietante. A boa notícia é que há um aumento do número de conexões. A Internet é o sistema de comunicação que se reproduziu mais rapidamente em toda a história dos sistemas de comunicação. Há 10 anos, havia menos de 1% do planeta conectado. Hoje, em certos países, na Escandinávia, 80% da população está conectada. Em certos Estados norte-americanos, já se ultrapassou 50%.


Agência RBS – Em países pobres é bem diferente.

Lévy – Os dois países do mundo em que o aumento de conexões é mais forte são o Brasil e a China. Você não pode ser impaciente. Já é extraordinária a rapidez com que tudo isso vem ocorrendo. Antes de a Internet chegar a todo mundo, é preciso tempo. Se você pensar que o alfabeto foi inventado há 3 mil anos e somente depois de alguns séculos a maioria da humanidade passou a ler...


Agência RBS – O Sr. acha que vivemos um momento tão importante quanto o do advento da imprensa?

Lévy – Mais importante. Quando se inventou a imprensa, o resultado mais importante foi talvez a criação da comunidade científica, graças aos livros e revistas que traziam números correctos, desenhos correctos. Com a imprensa, a humanidade pôde acumular conhecimento. Os sábios puderam se comunicar uns com os outros. O problema da memória foi resolvido. Os homens puderam se concentrar sobre a observação e a experimentação. Hoje, a participação activa não está mais limitada a um pequeno grupo, a comunidade científica. Todas as pessoas podem participar dessa inteligência colectiva. É uma escala maior. O resultado provavelmente em uma dezena de anos será o fim das fronteiras nacionais, um governo planetário, uma nova forma de democracia, com participação mais directa.


Agência RBS – Não haveria mais os líderes, as pessoas que comandam?

LévyNo futuro, todo mundo vai comandar. Vão acabar as pessoas que comandam.


Agência RBS – É uma utopia.

Lévy – Sim. É uma utopia. Se você houvesse dito no início do século 18 que em dois séculos haveria o sufrágio universal na maioria dos países do mundo, diriam que você estava louco. A cada salto no sistema de comunicação, na inteligência colectiva da humanidade, se tem mais liberdade.


Agência RBS – O Sr. acredita que o advento da Web chega a afectar a construção do pensamento do homem contemporâneo?

Lévy – Isso já começou. As pessoas hoje não aprendem a contar como contavam antes da calculadora. O uso que se faz da memória é completamente diferente. Temos todas as informações disponíveis na Internet. Não precisamos mais saber as coisas de cor. Os instrumentos de percepção se tornaram colectivos. Do Canadá, posso saber o que se passa em Porto Alegre. Posso olhar por tudo, pelo interior do corpo humano, imagens médicas etc. Isso transforma totalmente nossa percepção do mundo.


Agência RBS – Isso muda a vida até de quem não tem acesso à Internet?

Lévy – Sim. Se muda todo o funcionamento da sociedade, muda também a sociedade para aquele que não está conectado.


Agência RBS – Como o Sr. vê o que poderíamos chamar de mau uso que se faz da Internet? A pornografia infantil, por exemplo.

Lévy – A Internet é uma espécie de projecção de tudo que há no espírito humano. No espírito humano, o sexo ocupa uma parte muito grande. É algo biológico. Se não fôssemos obcecados por sexo, não nos reproduziríamos. Temos uma certa agressividade. Se não tivéssemos, a espécie humana teria desaparecido. Essa agressividade nos serviu muito na época pré-histórica. Hoje, é preciso sublimar essa agressividade, assim como se faz com a sexualidade. Podemos sublimar a sexualidade no amor, por exemplo. Mas digamos que o instinto bruto permanece. Os comportamentos agressivos acabam se manifestando. O ciúme, os maus sentimentos que existem no espírito humano também vão aparecer na Internet. É um espaço de pensamento e comunicação em que não há censura. O que é interessante é que há menos hipocrisia.
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segunda-feira, outubro 05, 2015

Resultados das Eleições Legislativas 2015: há cerca de dois milhões de retardados em Portugal a votar contra si próprios...


O objectivo supremo da propaganda é conseguir que milhões de pessoas forjem entusiasticamente as grilhetas da sua própria servidão [Emil Maier-Dorn].


Na imagem, uma das milhões de vítimas da «AUSTERIDADE»



Os dados publicados pelo INE, demonstram como a pobreza e a desigualdade se agravaram nos últimos quatro anos em consequência da política seguida pela Coligação PSD + CDS. Segundo os últimos dados apurados, Portugal está mais pobre em resultado da «Austeridade», responsável pela destruição de emprego e do aumento da precariedade no trabalho, pela diminuição do nível de vida por cortes e pela diminuição nos salários, nas pensões e outras prestações da segurança social, e ainda ao agravamento dos impostos sobre os rendimentos do trabalho e pensões, degradação na educação, degradação nos cuidados de saúde, etc., etc., etc.

Sabe-se que o total de votos na coligação PSD + cds foi de dois milhões, sessenta mil, cento e oitenta e seis pessoas (2.060.186), cerca de 738 mil pessoas a menos do que nas últimas eleições de há quatro anos (2011) e que se devem ter distribuído pela Abstenção, pelo PS, pelo Bloco de Esquerda, etc..

Politólogos calculam que o total pessoas que beneficiaram de conexões com a Coligação PSD + cds: financeiros recapitalizados, industriais e empresários com negociatas por baixo da mesa, tipos engajados nos partidos da Coligação e gente cujos empregos dependeram de uma cunha da Coligação - rondaria os cerca de sessenta mil, cento e oitenta e seis pessoas (60.186).

E quem tem queda para a matemática facilmente chegará à conclusão que 2.060.186 menos 60.186 dará aproximadamente dois milhões de pessoas (2.000.000).

Donde facilmente se concluiu que estes dois milhões de pessoas que agora votaram na Coligação foram prejudicados por ela (a Coligação): com a «Austeridade» muitos ficaram desempregados, outros precarizados, outros sofreram cortes e diminuições nos seus salários, pensões e outras prestações da segurança social, sofreram agravamento de impostos e diminuição do nível de vida.

Ora, cidadãos que viram as suas condições de vida diminuir desta forma devido à política de «Austeridade» levada a cabo por indivíduos a quem toda a gente (da esquerda à direita) chamava abertamente mentirosos e gatunos e, mesmo assim, voltaram a votar neles, são pessoas que apresentam sintomas de atraso mental em graus variáveis - demonstram pouca capacidade de julgamento, falta de prevenção e demasiada credulidade entre outras coisas...



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Por outro lado, A coligação Portugal à Frente - PàF está convencida que ganhou as eleições legislativas com 36,8 por cento dos votos (embora sem maioria absoluta). Pois a PàF está enganada. Nestas eleições teve apenas 22% dos votos e a Abstenção 45%.



Acontece que, quem se abstém está também a dar uma opinião. E essa opinião sugere que essa pessoa já deixou de acreditar na fantochada da «democracia representativa» apinhada de vendidos, vigaristas, bandidos e mentirosos.

Quem se recusa a entregar os seus destinos a «representantes eleitos» talvez queira fazer parte integrante do processo de decisão. Talvez queira uma Democracia Directa.

E porque não? A evolução dos computadores e das telecomunicações já o permitem. Porque diabo há-de alguém de entregar uma decisão que o afecta - a nível de prédio, de bairro, de localidade, de freguesia, de concelho, de distrito, de país, da Europa - seja qual for o tema em debate, a indivíduos que não conhece e que não sabe quem estará por trás dele?




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Um jornalista dá uma fortíssima machadada na «democracia representativa»:


Fernando Madrinha - Jornal Expresso de 1/9/2007:

[...] "Não obstante, os bancos continuarão a engordar escandalosamente porque, afinal, todo o país, pessoas e empresas, trabalham para eles. [...] os poderes do Estado cedem cada vez mais espaço a poderes ocultos ou, em qualquer caso, não sujeitos ao escrutínio eleitoral. E dizem-nos que o poder do dinheiro concentrado nas mãos de uns poucos é cada vez mais absoluto e opressor. A ponto de os próprios partidos políticos e os governos que deles emergem se tornarem suspeitos de agir, não em obediência ao interesse comum, mas a soldo de quem lhes paga as campanhas eleitorais." [...]

terça-feira, agosto 04, 2015

Os «Representantes Eleitos», ou melhor, os lacaios do Grande Dinheiro...


Chris Gupta: "A constituição de uma «Democracia Representativa» consiste na fundação e financiamento pela elite do poder de dois partidos políticos que surgem aos olhos do eleitorado como antagónicos, mas que, de facto, constituem um partido único. O objectivo é fornecer aos eleitores a ilusão de liberdade de escolha política e serenar possíveis sentimentos de revolta..."


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Paulo Morais - Professor Universitário



Par(a)lamentar - Dezenas de deputados, ligados a grupos económicos, usam a cadeira do Parlamento para beneficiar de informação privilegiada.

A legislatura chega ao fim. Na próxima semana, terá lugar no Parlamento a última sessão do Plenário. Os deputados que agora cessam funções não deixam saudades. Não dignificaram o mandato, esqueceram a sua função, a de legislar em função dos interesses do povo. São politicamente irrelevantes, estão submissos aos interesses económicos.

Não serviram a Nação que os elegeu. Várias dezenas de deputados estão ligados aos principais grupos económicos. Deste modo, usam a cadeira do Parlamento para beneficiar de informação privilegiada. Neste período, a promiscuidade foi regra, com vários casos de deputados em total conflito de interesses. Exemplos: Miguel Frasquilho integrava o BESI (do grupo BES), que assessorava os interesses chineses na aquisição de capital da EDP e, simultaneamente, fazia parte da comissão parlamentar que fiscalizava o processo; Paulo Mota Pinto representa os interesses da família de José Eduardo dos Santos e, ao mesmo tempo, tutela os serviços de informação, as Secretas! E por aí adiante.



O problema é que 90% dos políticos estão a deixar ficar mal vistos os outros 10%...


Envolvidos em tantos negócios, os deputados de maior peso político parecem depois não ter tempo para legislar; razão pela qual as Leis de maior importância económica são elaboradas nas grandes sociedades de advogados. Estas firmas dominam a produção legislativa, substituem-se ao Parlamento. Além do mais, faturam milhões em pareceres a explicar essas mesmas leis. Os deputados nem sequer exercem o mandato com dignidade. Aceitam a disciplina partidária de forma acrítica. Os da maioria aprovam tudo o que o Governo lhes ordena; os das restantes bancadas são correias de transmissão das direções partidárias. Com este comportamento, os deputados violam até a Constituição, que determina, no seu artigo 155º, que "os deputados exercem livremente o seu mandato". 

Com este balanço lamentável, é com alívio que vemos a saída destes deputados. Venham outros, que respeitem o serviço público e a democracia. Precisamos urgentemente de um Parlamento que não envergonhe o País. 


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Comentário:

É cada vez mais sabido pelos povos de todo o mundo que os deputados parlamentares (com excepção de alguns que não pertencem aos Centrões), não passam de palhaços oportunistas a soldo do Poder Financeiro.

Só a Democracia Directa, que a tecnologia já permite, nos permitirá livrar destas sanguessugas «democraticamente eleitas»…

quarta-feira, julho 15, 2015

A inexorável caminhada para a Democracia Directa e o consequente fim dos «Representantes Eleitos»



Opinião

Francisco Teixeira

Professor do ensino secundário, doutorado em Filosofia e especializado em organizações educativas e administração educacional

Jornal Público - 24/02/2014



Democracia directa e representação

De repente, a “participação direta” dos cidadãos na vida política é apresentada como o “ideal tipo” de corrupção democrática. A coisa é absurda a vários títulos porque a democracia começou como “democracia direta”, numa Atenas em que, todos os meses, os cidadãos adultos se juntavam na àgora para deliberar sobre todos os assuntos, assim instituindo o “domínio pelo povo”, i.e., a “demokrateia”.



Democracia Directa na Grécia Antiga


Aos atenienses repugnava-lhes a ideia de serem governados por terceiros e, por isso, a participação direta na governação era condição mínima de honorabilidade. Diz Péricles: “Nós não consideramos o cidadão que não participa das questões públicas uma pessoa sem ambições mas sim um inútil.”

Bem entendido, a Atenas de Péricles não teria mais que trinta mil cidadãos e as suas assembleias eram dominadas por uns poucos que verdadeiramente se conseguiam fazer ouvir pela sua clareza, bom senso e erudição, ainda que todos pudessem ser selecionados, por sorteio ou eleição, para a ocupação de cargos governativos, com prazo excecionalmente curto, com elevadíssima rotatividade e mediocremente pagos. E claro que a Pólis ateniense tem muito pouco a ver com as cidades e as comunidades políticas de hoje. O tamanho estabelece a diferença essencial. Mas também a copresença do mundo a todos os pontos do mundo, num único tempo presente, introduz no espaço político contemporâneo uma qualidade incomensurável com aqueles tempos.



A Pólis ateniense tem muito pouco a ver com as cidades e as comunidades políticas de hoje


Por sua vez, a democracia direta de Atenas não era incompatível com a razão e a deliberação públicas, já que, como lembra Péricles, “nós, Atenienses, somos capazes de opinar sobre todos os temas, e, ao invés de encararmos as discussões como um obstáculo para a ação, consideramo-las como o preliminar indispensável para qualquer ação prudente e sábia”. A retórica, ou a deliberação pública, era essencial à cidadania ateniense, sendo-lhe verdadeiramente constitutiva, ao contrário, por exemplo, da cidadania espartana, onde as deliberações eram tomadas não pelo fulgor da palavra e do voto mas (literalmente) do grito mais poderoso. Um comunitarismo cívico profundo e uma prática retórica persistentes estabeleciam a principal mediação racional-política da governação ateniense.

Sem dúvida, a razão pública necessita de estruturas de mediação, de reconhecimento, valor e sentido, para que possa ocorrer. Mas a identificação da democracia direta com a ausência de mediações racionais constitui, simplesmente, um erro de análise, e tanto mais profundo quanto mais restrito é o âmbito deliberativo em questão. E acontece, ainda, que nem todas a mediações são boas. Por exemplo, a mediação corporativa das decisões políticas é uma má mediação. Como é má uma mediação oligárquica ou partidocrática. Para além disso, a mediação é tanto pior quanto o universo político em questão é reduzido. Por exemplo, não há nenhuma razão democrática para que uma escola, com um universo de umas escassas centenas de decisores (ou nem isso), não possa ser governada de modo direto, mediada retoricamente pela razão e deliberação públicas, comummente aceites e enraizadas, ao invés de por um número limitadíssimo de representantes que se instituem como poderes fácticos inamovíveis e definitivos.



A Corrupção Parlamentar é uma constante em todo o lado


A magna questão parece ser, então, a de saber se as democracias constitucionais contemporâneas, profundamente complexas e comunicacionalmente evanescentes, podem ser governadas por métodos de decisão direta dos cidadãos. Deve lembrar-se que isso já é feito, em parte, em algumas das maiores dessas democracias, de modo parcial mas intenso. Enquanto votavam nas últimas eleições presidenciais, os americanos, por exemplo, votaram, simultaneamente, em cerca de 150 referendos locais ou estaduais, sobre os mais diversos assuntos, desde o casamento entre pessoas do mesmo sexo a questões orçamentais ou à legalização da marijuana.

Escusado será dizer que um exclusivo de decisão política direta nos estados constitucionais contemporâneos é praticamente impossível e indesejável (neste ponto discordo de Francisco Teixeira). A representação enquanto estruturante de mediação da vontade e da soberania popular ainda é o melhor modelo de governação, porque é o que melhor lida com o tamanho e a complexidade das suas exigências. No entanto, só uma incompreensível cegueira obscurecerá a crise do atual modelo de representação política, que se instancia, desde logo, na falsificação generalizada do mandato popular, por virtude da cupidez política e da emergência de poderes fácticos antidemocráticos capazes de subverter a própria natureza da representação. E só a cegueira não deixa perceber que a modelação da representação pela decisão direta pode dar mais força à própria representação e, claro, à democracia.



Os fantoches de "Esquerda" e "Direita" que o Grande Dinheiro nos dá a escolher através de «Eleições» - uma comédia que consiste em levar as pessoas a colocar um papelito com uma cruzita num caixote, de tempos a tempos, para escolher exactamente a mesma coisa.


Mas, indo mais fundo, quero sugerir aqui que a rejeição da democracia direta constitui (onde ela pode efetivamente ser instanciada, através de um mínimo de mediação racional e deliberativa), como no século XIX, um reflexo da desconfiança efetiva na democracia enquanto soberania do povo e sua presença ao centro da decisão e da ação políticas. A emergência de novas soberanias não democráticas, particularmente a soberania dos mercados e das grandes indústrias de intermediação financeira, parece estar a enfraquecer, em algumas elites políticas e sociais (e até em alguns setores populares), a força moral da democracia.

Por exemplo, embora seja claro, no nosso ordenamento constitucional, que “a soberania, una e indivisível, reside no povo, que a exerce segundo as formas previstas na Constituição” (fazendo com que a representação constitua a forma da soberania e não a própria soberania), há quem defenda que o que é necessário, cada vez mais, à nossa democracia, é que a forma da soberania se afaste da sua fonte material, depurando a mediação representativa até um nível, quiçá, monárquico/majestático, transformando “misticamente” o representante na fonte majestática da própria soberania, ao modo inglês, para quem a soberania reside não no povo, mas no parlamento e no rei.



Há ainda quem anseie por figuras providenciais e impolutas para substituir os «representantes corruptos»


Acontece que, na nossa constituição, para além da representação também se preconiza o aprofundamento da democracia participativa (artigo 2) ou a participação direta e ativa dos cidadãos, “dos homens e das mulheres”, na vida política (artigos 48 e 109), “condição e instrumento fundamental de consolidação do sistema democrático”. Mas mais: ao consagrar o direito de resistência, a CRP faz um apelo aos cidadãos para que defendam, directamente, o país de ofensas aos “seus direitos, liberdades e garantias” (artigo 21.º).



Artigo 21.º

Direito de resistência

Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública.


Temos, então, que a ideia segundo a qual as eleições legislativas refulgiriam como o momento único e definitivo da legitimidade do poder parlamentar e governamental não tem sustentação democrática/constitucional. A participação direta dos cidadãos é outro importante instrumento de expressão da vontade popular.

Por outro lado, a legitimidade do parlamento depende, antes de tudo o mais, da realização de eleições livres e justas, capaz de aferir da intencionalidade formal da vontade, ou soberania, popular. Mas não fica por aí. O parlamento tem de exercer uma conexão racional e materialmente verdadeira entre as suas condições de elegibilidade, entre o contrato que foi sufragado maioritariamente, e a sua execução. Um parlamento que executasse o contrário do programa, do contrato, com base no qual foi eleito seria, é, um parlamento fraudulento. Bem entendido, o parlamentar-representante-delegado não é eleito em nome dos interesses particulares dos seus eleitores, mas em nome de certa ideia de bem-comum. No entanto, esta ideia de bem-comum não pode ser completamente desligada, “desvinculada”, das “concepções políticas e ético-sociais dominantes”, obrigando o cumprimento daquilo que se pode chamar um “princípio da coerência”, pelo qual se “exige que os deputados e partidos se mantenham, quanto às suas decisões, dentro das linhas gerais do programa político com que se apresentaram na campanha eleitoral. Destes vínculos resultam questões acerca de condutas parlamentares legítimas, e isto não só em relação aos deputados individualmente mas também aos partidos que actuam no seio do parlamento” (ZIPPELIUS, Reinhold, 1997, Teoria Geral do Estado, Ed. FCG, pp. 270-271).



Uma fracção das mentiras de Passos Coelho (antes de ser eleito)


Claro que é habitual, e quase sempre falso, que os políticos indiquem como justificação para as mudanças programáticas sufragadas pelos eleitores a alteração superveniente das circunstâncias. De facto, há que atender a um certo nível de flexibilidade na ação política concreta, que sempre poderá ser avaliada eleitoralmente pelos cidadãos. Mas isso é, em quantidade e qualidade, bem diferente de uma inversão completa do modelo, ou do contrato, com base no qual se receberam os sufrágios. O problema, nesses casos, é quando se substitui um mínimo de deliberação racional por uma completa inversão de valores e, até, ontologias políticas. Quando o mundo se vira de avesso, a mentira se torna verdade e o branco se torna preto.

Ora, um incremento da democracia direta no nosso ordenamento legislativo poderia obstar, em muito, a estas recorrentes falsificações da vontade soberana do povo (pelas quais se procede a sucessivas ruturas, no seu sentido material, da legitimidade democrática), que não podendo ser resolvidas por via da delegação-representação (entretanto usada para fins inversos àqueles para os quais foi constituída), o poderiam ser através da participação direta e ativa dos cidadãos.



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Acontece que, hoje em dia, com a evolução exponencial da Informatização e das Telecomunicações - Internet, já é possível contactarmos directamente todos com todos (como acontecia na Grécia Antiga). Qualquer pessoa pode divulgar as suas opiniões e as decisões políticas tomadas serão resultado de consensos entre os cidadãos sobre essas opiniões. Estes consensos podem funcionar a nível de rua, de bairro, de cidade, de distrito, de país ou a nível internacional.

Os embrionários orçamentos participativos que já se praticam em várias câmaras municipais são um bom começo. Mas estes processos têm rapidamente de ganhar muito mais peso político e serem muito mais abrangentes.

Nenhuma pessoa, nenhum povo, nenhuma nação, precisa de ser «representado» por fantoches corruptos.



Um «Representante Eleito»


quinta-feira, março 05, 2015

O fim da fraude que dá pelo pomposo nome de «Democracia Representativa»


Desenho de Quino:



Uma Democracia Directa é qualquer forma de organização na qual todos os cidadãos podem participar diretamente no processo de tomada de decisões. As primeiras democracias da antiguidade foram democracias directas. O exemplo mais marcante das primeiras democracias directas é a de Atenas (e de outras cidades gregas), nas quais o povo se reunia nas praças e ali tomava decisões políticas. Na Grécia antiga o "povo" era composto por pessoas com título de cidadão ateniense.


Num sistema de democracia indireta (ou democracia representativa), os cidadãos elegem representantes, os quais serão responsáveis pela tomada de decisões em seu nome. Este é o processo mais comum de tomada de decisão nos governos democráticos, e por isto é também chamado de mandato político.

Mas já só alguns analfabetos ou quem não tenha dois dedos de testa ainda acredita na honestidade dos «eleitos das democracias representativas». A esmagadora maioria da população já percebeu que estes «eleitos» estão a soldo do Grande Dinheiro.


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Chris Gupta: "A constituição de uma «Democracia Representativa» consiste na fundação e financiamento pela elite do poder de dois partidos políticos que surgem aos olhos do eleitorado como antagónicos, mas que, de facto, constituem um partido único. O objectivo é fornecer aos eleitores a ilusão de liberdade de escolha política e serenar possíveis sentimentos de revolta..."


Fernando Madrinha - Jornal Expresso de 1/9/2007:

[...] "Não obstante, os bancos continuarão a engordar escandalosamente porque, afinal, todo o país, pessoas e empresas, trabalham para eles. [...] os poderes do Estado cedem cada vez mais espaço a poderes ocultos ou, em qualquer caso, não sujeitos ao escrutínio eleitoral. E dizem-nos que o poder do dinheiro concentrado nas mãos de uns poucos é cada vez mais absoluto e opressor. A ponto de os próprios partidos políticos e os governos que deles emergem se tornarem suspeitos de agir, não em obediência ao interesse comum, mas a soldo de quem lhes paga as campanhas eleitorais." [...]


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Já em regime de Democracia Direta, os cidadãos não delegam o seu poder de decisão. As decisões são tomadas através de assembleias gerais. Se por acaso precisam de um representante, este só recebe os poderes que a assembleia quiser dar-lhe, os quais podem ser revogados a qualquer momento. Assim, na Democracia Direta, o poder do representante assemelha-se ao que é conferido por um mandato comercial.

A evolução exponencial dos computadores e das telecomunicações vem permitir que as «assembleias gerais», a apresentação de projectos, os debates e as escolhas finais se processem via voto electrónico e teleconferência. Estas tecnologias também permitem que as futuras tele-assembleias gerais possam contar com milhares ou milhões de participantes (em vez das poucas dezenas que cabem actualmente num auditório).

Os Orçamentos Participativos, que algumas câmaras já começaram a implementar, podem muito bem vir a ser a génese da Democracia Directa.


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Para os que desconhecem o processo, segue-se uma descrição resumida da CARTA DE PRINCÍPIOS DO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO DO MUNICÍPIO DE OEIRAS:

O Orçamento Participativo é um mecanismo de democracia participativa, voluntária, no âmbito do qual os cidadãos podem dar o seu contributo para a definição das políticas do Município de Oeiras e respectiva adequação orçamental.

O cidadão não limita a sua participação ao ato de votar para eleger o poder executivo, passa a envolver-se no processo de decisão sobre o investimento municipal, garantindo que corresponda às necessidades e expectativas da população.

O Orçamento Participativo é um processo que assenta na consulta directa aos cidadãos, com vista à definição de prioridades de investimento municipal, uma vez que lhes é dada oportunidade de identificarem, debaterem e elegerem projectos de interesse para o Concelho.

O Orçamento Participativo coaduna-se com um processo de carácter deliberativo, onde se apela à participação dos cidadãos, concretamente, na apresentação e votação de propostas que visem o desenvolvimento sustentável do Município.


Participação

1. O Orçamento Participativo terá uma participação de base individual, na qual cada cidadão tem três votos.

2. Podem participar no Orçamento Participativo todos os cidadãos maiores de 18 anos, que se relacionem com o Município de Oeiras, quer residam, estudem, trabalhem ou mantenham qualquer interesse pelo Concelho.

3. Serão utilizados instrumentos de participação com base nas novas tecnologias e também mecanismos de participação presenciais sob a forma de Assembleias Participativas (AP), de modo a assegurar a comunicação com diferentes grupos socioeconómicos e faixas etárias.


Apresentação e seleção das propostas

1. As propostas podem ser apresentadas através da internet no endereço http://orcamentoparticipativo.cm-oeiras.pt ou presencialmente nas Assembleias Participativas.

2. As propostas submetidas através da internet são votadas até à data da última AP, e serão levadas à fase da análise de viabilidade técnica as cinco propostas mais votadas.

3. O número e os locais de realização das Assembleias Participativas serão definidos pela Câmara Municipal de Oeiras e divulgados nos diversos materiais e suportes de comunicação.

3.1 Nas Assembleias Participativas podem participar todos os cidadãos previamente inscritos, através de correio electrónico (orcamentoparticipativo@cm-oeiras.pt) ou na própria Assembleia antes do início dos trabalhos, desde que a lotação da sala o permita.

3.2 A ordem de trabalhos é a seguinte:

a) Abertura por um membro do Executivo Municipal;

b) Apresentação, aos participantes, do processo de Orçamento Participativoe da metodologia e objectivos da Assembleia Participativa;

c) Organização dos participantes em grupos de trabalho, com apresentação de propostas individuais;

d) Votação, por cada grupo de trabalho, das suas propostas, sendo seleccionadas as duas mais votadas;

e) Integração das propostas mais votadas num painel, sendo apresentadas pelos respectivos proponentes;

f) Votação individual das propostas que integram o painel mencionado na alínea anterior, seleccionando-se as cinco propostas mais votadas.

3.3 Cada participante tem direito a três votos, a colocar numa única proposta ou em várias.

3.4 As cinco propostas mais votadas em cada Assembleia Participativa serão levadas à fase de análise da viabilidade técnica.

4. As propostas devem referir o local de implementação. Sempre que tal não ocorra, é da responsabilidade municipal essa decisão.


Análise da viabilidade técnica das propostas

1. As propostas serão avaliadas de acordo com critérios de ordem legal, financeira e de exequibilidade, claros, objectivos e transparentes.

2. A análise da viabilidade técnica das propostas é efectuada por uma equipa de avaliação multidisciplinar da Câmara Municipal de Oeiras.

3. São excluídas as propostas que a equipa de avaliação entenda não reunir os requisitos necessários à sua implementação, designadamente por:

a) O montante previsto para implementação ultrapassar o valor definido;

b) Contrariarem deliberações municipais ou colocarem em causa o interesse municipal;

c) A intervenção não ser da competência municipal;

d) Consideradas incompatíveis com o Plano de Desenvolvimento Estratégico, com o programa político do Executivo Municipal ou com outros projectos municipais já aprovados;

e) Beneficiarem interesses privados em detrimento da comunidade local;

f) Consideradas não exequíveis tecnicamente;

g) Os custos de manutenção e funcionamento ultrapassarem os valores admissíveis em projectos semelhantes já existentes.


Recursos financeiros

A Câmara Municipal delibera, para cada edição do processo de Orçamento Participativo, a verba a afectar ao financiamento das propostas que venham a ser mais votadas pelos cidadãos, bem como o montante máximo de cada proposta.


Calendarização

O ciclo do Orçamento Participativo tem uma periodicidade bianual envolvendo, no primeiro ano do ciclo, o processo participativo e a inclusão das propostas mais votadas pelos cidadãos em orçamento municipal e, no ano seguinte, o início da execução dos projectos, respectivo acompanhamento e avaliação.

terça-feira, maio 20, 2014

O capitalismo destruído pelo desenvolvimento científico e tecnológico


Para onde foi o CAPITAL(ISMO)?



Pela primeira vez na história da modernidade, as novas tecnologias – a nanotecnologia, a computação, a automação e a inteligência artificial - são capazes de economizar mais trabalho (humano), em termos absolutos, do que o necessário para a expansão dos mercados de novos produtos.

Na terceira revolução industrial, a capacidade de racionalização é maior do que a capacidade de expansão. O antigo efeito de uma fase expansiva, criadora de empregos, deixou de existir. O desemprego tecnológico espalha-se por todas as indústrias e por todo o planeta.

O interesse próprio económico das empresas conduz a um resultado paradoxal. Já era tempo, depois de 200 anos de era moderna, que o aumento da produtividade servisse para que as pessoas trabalhassem menos e vivessem melhor. O sistema de economia de mercado, porém, não foi feito para isso. A sua ação restringe-se a transformar o excedente produtivo em mais produção e, portanto, em mais desemprego.

Com um desemprego em crescendo e que já nada fará retroceder, os salários tenderão irremediavelmente a desaparecer. Sem eles não haverá vendas. Sem vendas não haverá lucros. Sem lucros, as empresas privadas não farão sentido. O fim dos lucros e das empresas privadas representarão o fim do capitalismo.

Os Economistas, ainda agarrados ainda às ultrapassadas (e tantas vezes desacertadas) teorias de Adam Smith, Ricardo, Malthus, Marx, Von Mises, Hayek, Keynes, Galbraith, Friedman e de tantos outros cientistas económicos, observam, atordoados, os fenómenos económicos aparentemente incompreensíveis deste século XXI, e mostram-se incapazes, à luz do passado, de compreender o presente e, menos ainda, o futuro.


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Desenvolvimento tecnológico e desemprego




Existe, hoje, uma concepção simultaneamente ingénua e sensata sobre a produtividade. Quanto mais esta cresce, assim parece ditar a lógica, mais lazer deverá trazer à vida das comunidades. A maior produtividade permite obter mais bens com menos trabalho. Não é maravilhoso? Na nossa época, no entanto, parece que o aumento da produtividade, além de criar uma quantidade exagerada de bens, resultou numa avalanche de desemprego e de miséria.

Desde o final dos anos 70, os sociólogos costumam falar de um desemprego tecnológico ou "estrutural". Isso significa que o desemprego se desenvolve independentemente dos movimentos conjunturais da economia e cresce até mesmo em períodos de boom financeiro. Nos anos 80 e 90, a base desse desemprego estrutural, de ciclo para ciclo, tornou-se cada vez maior em quase todos os países. Em 1995, segundo números da Organização Internacional do Trabalho, 30% da população economicamente ativa de todo o mundo não possuía emprego estável.

Essa triste realidade, além de incompatível com o entendimento lógico humano, suscitou uma curiosa reação dos economistas. Os doutores em ciências económicas agem como se o fenómeno irracional do desemprego em massa não tivesse absolutamente nada a ver com as leis da economia moderna; as causas, segundo eles, devem ser buscadas em fatores alheios à economia, sobretudo nas erradas políticas financeiras dos governos.

Ao mesmo tempo, porém, os mesmos economistas afirmam que o aumento da produtividade não diminui o número de empregos, mas, antes pelo contrário, é responsável pelo seu crescimento. Isso (segundo eles) teria sido comprovado pela história moderna. O que para o observador imparcial se assemelha à falácia de que a causa da doença deve integrar a receita para a própria cura. Os economistas operam com uma equação que mais parece um sofisma. Mas onde está o erro?



Um axioma da teoria económica afirma que o objetivo da produção é suprir a falta de bens da população. Ora, isto não é exatamente verdade. Todos sabem que o objetivo da produção moderna é originar lucro na economia da empresa. A venda dos bens produzidos deve render mais dinheiro do que o custo de sua produção. Qual a relação interna entre esses dois objetivos (1- suprir a falta de bens da população, ou, 2 - lucro para a empresa)? Os economistas dizem que o segundo objetivo é apenas um meio (na realidade, o melhor meio) de atingir a primeira meta. E, no entanto, é evidente que os objetivos não são idênticos: o primeiro refere-se à economia como um todo, o segundo à economia das empresas individualmente. Daqui, resultaram contradições que, desde o seu início, tornaram instável o sistema económico moderno.

A ideia tão natural de que o aumento da produtividade facilita a vida dos homens não leva em conta a racionalidade específica das empresas. Na verdade, trata-se de saber qual será o uso de uma maior capacidade produtiva. Se a produção visa a suprir as próprias necessidades, a evolução dos métodos e dos meios será utilizada simplesmente para trabalhar menos e desfrutar do maior tempo livre.

Um produtor de bens para o mercado, no entanto, pode ter a brilhante ideia de trabalhar tanto como trabalhava e utilizar a produtividade adicional para produzir uma quantidade ainda maior de mercadorias, a fim de ganhar mais dinheiro em vez de aproveitar o ócio. Um administrador de empresas é mesmo forçado a chegar a essa ideia, pois não tem vantagem nenhuma em que os seus assalariados tenham mais tempo livre. Para ele, a produtividade adicional representa, de qualquer modo, um trunfo contra a concorrência, sendo revertida em benefício da diminuição dos custos da empresa, e não em favor da maior comodidade dos seus assalariados.

É por isso que, na história económica moderna, a jornada de trabalho diminuiu numa proporção muito menor do que o aumento correspondente de produtividade. Hoje em dia, os assalariados ainda trabalham mais e durante mais tempo do que os camponeses da Idade Média.



A diminuição dos custos, portanto, não significa que os trabalhadores trabalham menos mantendo a mesma produção, mas, simplesmente, que menos trabalhadores produzem mais produtos. O aumento da produtividade, num caso e noutro, reparte os seus frutos de forma extremamente desigual: enquanto trabalhadores "supérfluos" são demitidos, crescem os lucros dos empresários. Mas, se todas as empresas entrarem nesse processo, há a ameaça de surgir um efeito com que não contavam os interesses obtusos da economia empresarial: com o desemprego crescente, diminui o poder de compra da sociedade. Quem comprará então a quantidade cada vez maior de mercadorias?

As corporações dos artesãos da Idade Média pressentiram esse perigo. Para elas era um pecado e um crime fazer concorrência aos colegas por meio do aumento de produtividade e tentar conduzi-los a todo custo à ruína. Os métodos de produção eram por isso rigidamente fixados, e ninguém os podia modificar sem o consentimento das corporações. O que impedia o desenvolvimento tecnológico era menos a incapacidade técnica do que a organização social estática dos artesãos. Estes não produziam para um mercado no sentido moderno, mas para um mercado regional limitado, livre de concorrência. Essa ordem de produção durou mais tempo do que geralmente se supõe. Em grande parte da Alemanha, a introdução de máquinas foi proibida pela polícia até meados do século XVIII.

A Inglaterra, como se sabe, foi a primeira a derrubar tal proibição. O caminho, assim, ficou livre para as invenções técnicas como o tear mecânico e a máquina a vapor, os dois motores da industrialização. E, de súbito, irrompeu a temida catástrofe social: em toda a Europa, na passagem do século XVIII para o XIX, alastrou-se o primeiro desemprego tecnológico em massa.


1874 - A polícia de Nova Iorque ataca violentamente trabalhadores desempregados

Tudo isso é passado, dirão os economistas: a evolução posterior não demonstrou que os temores eram infundados? De fato, apesar da expansão contínua das novas forças produtivas do ramo industrial, o desemprego tecnológico caiu rapidamente. Mas por que motivo? Acossados pela concorrência recíproca, os industriais foram obrigados a restituir aos consumidores parte de seus ganhos com a produção. As máquinas tornaram os produtos essencialmente mais baratos ao consumidor.

Embora para a produção de uma certa quantidade de produtos têxteis fosse necessária uma força de trabalho menor do que antes, a procura por roupas e tecidos baratos cresceu tanto que, ao contrário das expectativas, um número considerável de trabalhadores foi empregado nas novas indústrias.

Com isso, porém, o problema não foi solucionado pela raiz. Todo o mercado, a seu tempo, atinge um limite de saturação que o torna incapaz de conquistar novas camadas de consumidores. Somente numa certa fase da evolução o aumento da produtividade conduz à criação de mais empregos para a sociedade, apesar da menor quantidade de trabalho necessária para a confeção de cada produto.

Nessa fase, os métodos desenvolvidos (a tecnologia) tornam o produto mais barato e ao alcance do grande consumo de massas. Antes de alcançar esse estágio, o aumento de produtividade lança o antigo modo de produção numa profunda crise, como mostra o exemplo dos artesãos têxteis no século XIX. Na outra ponta do desenvolvimento, a crise é igualmente uma ameaça (com base na própria produção industrial), quando o estágio de expansão é ultrapassado e os mercados periféricos se encontram saturados.

Mas essa mesma expansão ainda pode ser transferida para outros setores. Ao longo do século XIX, os antigos redutos artesanais foram progressivamente industrializados. Cada vez mais produtos tiveram os seus preços reduzidos e permitiram a explosão do mercado. O processo sofreu uma tal aceleração que os artesãos "supérfluos" eram imediatamente absorvidos pelo trabalho industrial, evitando assim que se repetisse a grande crise social dos antigos produtores têxteis.


Karl Marx

Já não eram apenas os objetos do quotidiano que podiam ser comprados pelas camadas mais pobres. Mesmo produtos de luxo, antes reservados às seletas camadas superiores entraram cada vez mais no consumo de massas. Até Karl Marx reconheceu este embaratecimento geral dos produtos de fabrico industrial como “obra civilizatória” do capitalismo. As crises, mesmo que inevitáveis, pareciam somente transições dolorosas para se atingir novos patamares de prosperidade. Mas o que ocorre quando todos os ramos da produção já estão industrializados e todos os limites de expansão do mercado já foram alcançados?

O desenvolvimento económico parecia refutar também esse receio. A indústria não apenas absorveu os antigos ramos da produção artesanal, mas também criou a partir de si mesma novos setores produtivos, inventou produtos jamais imaginados e infundiu a sede de compra nos consumidores. O processo de aumento da produtividade, expansão e saturação dos mercados, criação de novas necessidades e nova expansão parecia não ter limites.

Economistas como Joseph Schumpeter e Nikolai Kondratieff formularam, a partir dessas ideias, a teoria das chamadas “ondas longas” no desenvolvimento cíclico da economia moderna. Segundo essa teoria, uma certa combinação de indústrias atinge sempre o seu limite histórico de saturação, envelhece e começa a encolher, após uma fase de expansão impetuosa. Empresários inovadores, na condição de "destruidores criativos" (Schumpeter), inventam, todavia, novos produtos, novos métodos e novas indústrias, que libertam o capital dos antigos investimentos estagnados e lhes dão novo alento num corpo tecnológico renovado.

Um exemplo lapidar do nascimento de um novo ciclo é a indústria automobilística. Em 1886, o engenheiro alemão Carl Benz já tinha construído o primeiro carro, mas até à Primeira Guerra Mundial tal mercadoria permaneceu um produto de luxo extremamente caro. Como que saído das páginas do livro-texto de Schumpeter, surgiu então o empresário inovador Henry Ford. A sua criação não foi o automóvel em si, mas um novo método de produção.

No século XIX, a produtividade cresceu sobretudo pelo fato de os ramos artesanais terem sido industrializados por meio da instalação de máquinas. A organização interna da própria indústria ainda não fora objeto de grandes cuidados. Só após 1900 o engenheiro norte-americano, Frederick Taylor, desenvolveu um sistema de "administração científica da empresa", a fim de desmembrar as áreas de trabalho específicas e aumentar a produção.


Ford - Modelo T

Ford descobriu através desse meio um sistema de reservas insuspeitas de produtividade na organização do processo produtivo. Observou, por exemplo, que um operário da linha de montagem perdia em média muito tempo a ir buscar parafusos. Estes começaram, então, a ser transportados diretamente ao local de trabalho desse operário. Parte do processo tornou-se "supérfluo" e, logo de seguida, foi introduzida a esteira rolante.

Os resultados foram surpreendentes. Até à Primeira Guerra, a capacidade produtiva de uma fábrica de automóveis de porte médio girava em torno dos 10 mil carros por ano. Já em Detroit, a nova fábrica de Ford produziu, no exercício financeiro de 1914, a fantástica cifra de 248 mil unidades do seu célebre "Modelo T". Os novos métodos deflagraram numa nova revolução industrial. Mas tal revolução "fordista" ocorreu tarde demais para conseguir evitar a crise económica mundial (1929-33), desencadeada pelos custos da guerra e pelo declínio global do comércio.

Depois de 1945, porém, sobreveio o "grande ciclo" da produção industrial em massa de automóveis, aparelhos domésticos, divertimentos eletrónicos, etc. Baseado no antigo modelo, só que agora em dimensões muito maiores, o aumento da produtividade criou um número espantoso de novos empregos, já que a expansão do mercado de carros, frigoríficos, televisões etc., exigia, em termos absolutos, mais trabalho do que os métodos "fordistas", em termos relativos, economizavam em cada produto.



Nos anos 70, as indústrias fordistas atingiram o seu nível histórico de saturação. Desde então vivemos a terceira revolução industrial, da microeletrónica. Esperançadamente, alguém se lembrou imediatamente de Schumpeter. De fato, os novos produtos passaram por um processo semelhante de embaratecimento, tal como acontecera com os automóveis e os frigoríficos. O computador, antes um aparelho caro e destinado apenas a grandes empresas, transformou-se rapidamente num produto de consumo das massas. Desta vez, porém, o surto económico não surtiu um correspondente aumento de empregos.

Pela primeira vez na história da modernidade, uma nova tecnologia é capaz de economizar mais trabalho, em termos absolutos, do que o necessário para a expansão dos mercados de novos produtos. Na terceira revolução industrial, a capacidade de racionalização é maior do que a capacidade de expansão. O anterior efeito de uma fase expansiva, criadora de empregos, deixou de existir. O desemprego tecnológico da primeva história da industrialização refaz o seu retorno triunfal, só que, agora, não se limita a um ramo da produção, mas espalha-se por todas as indústrias e por todo o planeta.

O interesse próprio económico das empresas conduz a um resultado paradoxal. Já era tempo, depois de 200 anos de era moderna, que o aumento da produtividade servisse para que as pessoas trabalhassem menos e vivessem melhor. O sistema de economia de mercado, porém, não foi feito para isso. A sua ação restringe-se a transformar o excedente produtivo em mais produção e, portanto, em mais desemprego. Os economistas não querem compreender que a terceira revolução industrial possui uma qualidade nova, em cujo meio a teoria de Schumpeter já não é válida. Em vão, eles ainda esperam o "grande ciclo" da microeletrónica. Em suma, estão à espera de Godot (de algo que nunca chegará a acontecer).


Desemprego de longa duração nos EUA: 1948 - 2013






quarta-feira, dezembro 04, 2013

Alvin Toffler: A mudança revolucionária de dependermos de representantes eleitos para nos passarmos a representar a nós próprios.


DEMOCRACIA DIRECTA (II Parte)




Texto meu: «No último século e meio, o mundo civilizado só conheceu dois tipos de governo: o Ditatorial e a Democracia Representativa – qual deles o mais perverso. Entretanto, hoje, a evolução da Informática e das Telecomunicações está em condições de colocar o poder de decisão nas mãos dos cidadãos. De que é que estamos à espera?»




"A Terceira Vaga", do sociólogo Alvin Toffler, foi editado em 1980. Lançou o «slogan» da «terceira vaga» e dividiu a história humana até à data em três vagas: a primeira que correspondeu à revolução agrária, a segunda baseada na revolução industrial, e a terceira nascida desde o final da Segunda Guerra Mundial baseada no conhecimento. É a obra mais conhecida do autor e que o consagrou como futurólogo. Trinta anos depois, as suas palavras permanecem actuais.


Excerto de "A Terceira Vaga" de Alvin Toffler:



CAPÍTULO 28 - DEMOCRACIA SEMIDIRECTA


O segundo bloco de construção dos sistemas políticos de amanhã deve ser o princípio da «democracia semidirecta», uma mudança de dependermos de representantes para nos representarmos a nós próprios. A mistura das duas coisas é a democracia semidirecta.

Como já vimos, o colapso do consenso subverte o próprio conceito de representação. Sem acordo entre os votantes no círculo eleitoral, quem representa realmente o representante? Ao mesmo tempo os legisladores têm vindo a depender cada vez mais de apoio de pessoal e de peritos exteriores para a formulação das leis. Os membros do Parlamento britânico são notoriamente fracos em relação a burocracia de Whitehall porque lhes falta apoio de pessoal adequado, o que faz transitar mais poder do Parlamento para o serviço administrativo não eleito.

O Congresso dos Estados Unidos, num esforço para contrabalançar a influência da burocracia executiva, criou a sua própria burocracia: um Gabinete do Orçamento do Congresso, um Gabinete de Avaliação Tecnológica e outras agências e apêndices necessários. Por isso, o pessoal do Congresso aumentou de 10.700 para 18.400 na década passada. Mas isso serviu meramente para transferir o problema de extramuros para intramuros. Os nossos representantes eleitos sabem cada vez menos acerca da miríade de medidas acerca das quais tem de decidir e são obrigados a depender cada vez mais do critério de outros. O representante já nem sequer se representa a si mesmo.

Mais fundamentalmente, os parlamentos, os congressos ou as assembleias eram lugares onde, teoricamente, as reivindicações de minorias rivais podiam ser conciliadas. Os seus «representantes» podiam negociar por elas. Com os antiquados e rombos instrumentos de hoje nenhum legislador pode sequer manter-se ao corrente dos muitos pequenos grupos que ele ou ela nominalmente representa, quanto mais servir de medianeiro ou negociar efectivamente por eles. E quanto mais sobrecarregado ficar o Congresso americano, ou o Bundestag alemão, ou o Storting norueguês, tanto pior se tornará a situação.



Isto ajuda a explicar por que motivo os grupos políticos de pressão mono-problemáticos se tornam intransigentes. Vendo que é limitada a oportunidade de negociação ou reconciliação sofisticada através do Congresso ou das legislaturas, as suas exigências ao sistema tornam-se não-negociáveis. A teoria do governo representativo como supremo negociador também se desmorona.

O colapso da negociação, a pressão das decisões e o agravamento da paralisia das instituições representativas significam, a longo prazo, que muitas das decisões agora tomadas por pequenos grupos de pseudo-representantes podem ter de ser gradualmente retransferidas para o próprio eleitorado. Se os nossos negociadores eleitos não podem negociar por nós, teremos de o fazer nós próprios. Se as leis que eles fazem são cada vez mais longínquas das nossas necessidades, ou as satisfazem cada vez menos, teremos de fazer as nossas próprias leis. Para isso, no entanto, precisaremos de novas instituições e de novas tecnologias.

Os revolucionários da Segunda Vaga que inventaram o conjunto das instituições básicas de hoje estavam perfeitamente conscientes das possibilidades da democracia directa em oposição a democracia representativa. Houve vestígios de democracia directa, tipo faça-você-mesmo, na constituição revolucionaria francesa de 1793. Os revolucionários americanos sabiam tudo acerca dos municípios da Nova Inglaterra e da formação de consenso orgânico em pequena escala. Mais tarde, na Europa, Marx e os seus partidários invocaram frequentemente a Comuna de Paris como modelo da participação dos cidadãos na feitura e execução das leis. Mas as limitações da democracia directa eram igualmente bem conhecidas - e, nesse tempo, mais persuasivas.

«Em - The Federalist - foram levantadas duas objecções a tal inovação», escreveram McCauley, Rood e Johnson. Autores de uma proposta para um plebiscito nacional nos Estados Unidos. «Primeiro, a democracia directa não permitia nenhuma contenção ou dilação [adiamento] das reacções públicas temporais e emocionais. E, segundo, as comunicações desse tempo não podiam manobrar a mecânica do processo



Problemas legítimos, esses. Como teria um público americano frustrado e inflamado de meados da década de 1960, por exemplo, votado sobre se era de deitar ou não uma bomba atómica sobre Hanói? Ou coma votaria um público oeste-alemão furioso com os terroristas Baader-Meinhof, sobre uma proposta para instalar campos para «simpatizantes»? Que teria acontecido se os Canadianos tivessem feito um plebiscito a respeito de Quebec uma semana depois de René Lévesque assumir o poder? Presume-se que os representantes eleitos são menos emotivos e mais deliberativos do que o público.

O problema da reacção pública exageradamente emocional pode no entanto ser vencido de várias maneiras, tais como a exigência de um período de «arrefecimento» ou de uma segunda votação antes da implementação de decisões importantes tomadas via referendo ou outras formas de democracia directa.

Uma solução imaginativa e sugerida por um programa posto em prática pelos Suecos em meados da década de 1970, quando o governo pediu ao público que participasse na formulação de uma política energética nacional. Reconhecendo que à maioria dos cidadãos faltava conhecimento técnico adequado das várias opções energéticas, da solar à nuclear ou à geotérmica, o governo criou um curso de dez horas sobre energia e convidou qualquer sueco que o frequentasse, ou a qualquer curso equivalente a fazer recomendações formais ao governo.

Simultaneamente, sindicatos, centros de educação de adultos e partidos de um extremo ao outro do espectro político criaram os seus próprios cursos de dez horas. Esperava-se que participassem uns 10.000 suecos. Para surpresa de todos, apareceram 70.000 a 80.000 para discussões em casas e instalações comunitárias - o equivalente, na escala americana, a cerca de 2.000.000 de cidadãos a tentar pensar juntos a respeito de um problema nacional. Podiam empregar-se facilmente sistemas similares para anular as objecções à «sobre-emotividade» em referendos ou noutras formas de democracia directa.

A outra objecção também pode ser vencida, pois as limitações das antigas comunicações já não se atravessam no caminho da democracia directa alargada. Progressos espectaculares da tecnologia das comunicações abrem pela primeira vez uma espantosa gama de possibilidades de participação directa do cidadão na tomada de decisões políticas.

Não há muito tempo, tive o prazer de registar um acontecimento histórico - o primeiro «salão municipal electrónico» do mundo - na TV por cabo Qube, em Columbus Ohio. Utilizando esse sistema de comunicação interactivo, residentes de um pequeno subúrbio de Columbus participaram de facto, via electrónica, numa reunião política da sua comissão de planeamento local. Carregando num botão da sua sala, podiam votar instantaneamente propostas relacionadas com problemas práticos como divisão por zonas locais, códigos habitacionais e a proposta de construção de uma auto-estrada. Podiam não apenas votar «sim» ou «não», mas também participar na discussão e falar para serem ouvidos. Podiam até, pelo mesmo sistema de carregar no botão, dizer à pessoa que detinha a presidência quando devia passar para o ponto seguinte da agenda.




Esta é apenas a primeira e mais primitiva indicação do potencial de democracia directa do amanhã. Usando computadores avançados, satélites, telefones, cabo, técnicas de votação e outros instrumentos, uma cidadania instruída pode, pela primeira vez na história, começar a tomar muitas das suas próprias decisões políticas.

O problema não é uma questão de ou isto ou aquilo. Não se trata de democracia directa versus indirecta, de representação própria versus representação por outros.

Ambos os sistemas tem vantagens e há maneiras altamente criativas e ainda subutilizadas de combinar a participação directa dos cidadãos com a «representação» num novo sistema de democracia semidirecta.

Podemos, por exemplo, decidir fazer um referendo sobre uma questão controversa como o desenvolvimento nuclear, como a Califórnia e a Áustria já fizeram. Em vez de entregar a decisão definitiva directamente aos votantes, podemos, porém querer um corpo representativo - o Congresso, digamos - para debater e finalmente decidir.

Assim, se o público votasse pró-nuclear, um certo «pacote» de votos pré-designado poderia ser entregue aos defensores do pró-nuclear, no Congresso. Estes poderiam, com base na força da resposta pública, ficar com uma «margem» automática de 10 ou 25% no próprio Congresso, consoante a foça do voto «pró» no plebiscito. Deste modo, não há nenhuma implementação puramente automática dos desejos dos cidadãos, mas esses desejos têm algum peso específico. Trata-se de uma variante da proposta de Plebiscito Nacional mencionada atrás.

Muitos outros arranjos imaginativos se podem inventar para combinar a democracia directa e indirecta. Neste momento, membros do Congresso e muitos outros parlamentos ou legislaturas organizam as suas próprias comissões. Não existe nenhuma maneira de os cidadãos forçarem os legisladores a criar uma comissão para tratar de qualquer questão descurada ou altamente controversa. Mas porque não poderão os votantes ser directamente dotados, através de petição, com a capacidade de competir com um corpo legislativo a estabelecer comissões para tópicos que o publico - e não os legisladores – consideram importantes?


Insisto nestas propostas a favor do público não porque as aprove sem hesitar, mas meramente para sublinhar o ponto mais geral onde quero chegar: há maneiras fortes de abrir e democratizar um sistema que se encontra perto do colapso e em que poucos, se alguns, se sentem adequadamente representados. Mas temos de começar a pensar fora dos sulcos gastos dos passados 3oo anos. Já não podemos resolver os nossos problemas com as ideologias, os modelos ou as estruturas que sobraram do passado da Segunda Vaga.

Cheias de implicações incertas, estas novas propostas requerem cuidadosa experimentação local antes de as aplicarmos em larga escala. Mas seja qual for a maneira como sintamos a respeito desta ou daquela sugestão, as antigas objecções à democracia directa estão a tornar-se mais fracas precisamente na altura em que as objecções à democracia representativa se estão a tornar mais fortes. Por perigosa ou até excêntrica que possa parecer a alguns, a democracia semidirecta é um princípio moderado, capaz de ajudar-nos a conceber novas instituições exequíveis para o futuro.