Expresso - 27-12-2010: O presidente da Comissão Europeia,
Durão Barroso, apelou aos líderes europeus para estarem "mais calados em relação à crise da dívida soberana" e "perceberem que os mercados financeiros estão a ouvir".
Cavaco Silva colocou-se ao lado de Durão Barroso no apelo ao silêncio sobre a crise, não fosse dar-se o caso, o Diabo seja surdo, de os "mercados" ouvirem as lamechices dos dirigentes europeus...
O Sr. Aníbal, de Boliqueime
A Bola.PT - 27.12.2010:
O Presidente da República, Cavaco Silva, considerou esta noite «muito sensato» o apelo de Durão Barroso para a contenção nos discursos sobre a crise financeira na Europa.
«Há pessoas em Portugal que parecem não saber que os nossos credores são as companhias de seguros, os fundos de pensões, os fundos soberanos, os bancos internacionais e os cidadãos espalhados por esse mundo fora», acrescentou Cavaco Silva, para quem as «palavras de insulto» terão como única consequência «mais desemprego para Portugal.»
O Presidente da República espera agora que o «bom senso» de Durão Barroso chegue «a alguns políticos portugueses». «Esses políticos têm, acima de tudo, falta de conhecimento quanto ao comportamento dos nossos credores, ou seja, daqueles que nos emprestam dinheiro», ressalvou Cavaco Silva.
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Vicenç Navarro López
Vicenç Navarro López é um sociólogo e politólogo espanhol. É especialista em economia política, foi professor catedrático de Economia Aplicada na Universidade de Barcelona, onde é actualmente professor catedrático de Ciências Políticas e Sociais na Universidade Pompeu Fabra. É também professor na Universidade Johns Hopkins de Baltimore [EUA].
Artigo publicado por Vicenç Navarro no diário PÚBLICO, 20 de Maio de 2010
Tradução de
Paula Sequeiros
Que mercados financeiros?
Na realidade, os mal denominados mercados têm muito pouco de mercado. São bancos com muito lucro e poucos riscos. Se os mercados financeiros fossem mercados de verdade, os bancos teriam de absorver as perdas em investimentos financeiros falidos.
Este artigo assinala que os mal denominados mercados financeiros não correspondem às características que definem os mercados, pois os seus agentes – os bancos – gozam dum grande proteccionismo fornecido pelos estados, assim como por instituições internacionais – como o Fundo Monetário Internacional – que garantem os seus exuberantes lucros à custa de enormes reduções dos gastos públicos e da protecção social das populações. O artigo mostra exemplos deste proteccionismo no caso dos EUA e na mal denominada "ajuda" do FMI-Euro aos países com elevados défices e dívida pública, como a Grécia, que constitui na realidade uma ajuda primordialmente aos bancos europeus.
A linguagem que se utiliza para explicar a crise é uma linguagem que aparenta ser neutra, meramente técnica, quando, na realidade, é profundamente política. Assim, dizem-nos que os "mercados financeiros" estão a forçar os países da União Europeia e, muito em especial, os países mediterrânicos – Grécia, Portugal e Espanha – e Irlanda, a seguir políticas de grande austeridade, reduzindo os seus défices e dívida públicos, com o objectivo de recuperar a confiança dos mercados, condição necessária para alcançar a recuperação económica. Como disse há uns dias Jean-Claude Trichet, presidente do Banco Central Europeu (BCE): "A condição para a recuperação económica é a disciplina fiscal, sem a qual os mercados financeiros não certificam a credibilidade dos estados" (Financial Times, 15-05-10).
A realidade, contudo, é muito diferente. Estas medidas de austeridade, promovidas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pela União Europeia (UE), estão a criar uma grande deterioração da qualidade de vida das classes populares, pois estão a afectar negativamente a sua protecção social e estão a destruir emprego, dificultando a sua recuperação económica. Assim aconteceu na Lituânia, onde o PIB diminuiu 17% e o desemprego alcançou 22% da população activa (veja-se o meu artigo Quién paga los costes del euro ?). Uma situação semelhante ocorrerá nos países citados anteriormente.
Pareceria, pois, que são os mercados financeiros que estão a impor estas políticas aos governos. Ora bem, que quer dizer “os mercados financeiros”? Em teoria, na dogmática liberal que domina os establishments europeus (o Conselho Europeu, o BCE e a Comissão Europeu, assim como nos governos da maioria dos países da UE), os mercados são um processo de livre comércio entre agentes financeiros – os bancos – que obtêm benefícios para compensar os seus riscos, pois que se assume que existem riscos em tais mercados. Mas tal retórica não define a realidade, pois tais entidades – os bancos – operam em âmbitos e instituições enormemente proteccionistas dos seus interesses, nos quais o risco, em geral, brilha pela ausência. Na realidade, os mal denominados mercados têm muito pouco de mercado. São bancos com muito lucro e poucos riscos. E o que está a acontecer mostra a certeza deste diagnóstico.
Nos EUA, onde existe amplo consenso sobre o facto de que a crise financeira foi iniciada pelos comportamentos de Wall Street, a crise bancária foi resolvida com a entrega aos bancos de quase um bilião de dólares pagos pelo Estado, que beneficiou enormemente os banqueiros e os seus accionistas, conseguindo inclusive mais benefícios do que os que tinham antes da crise. A obscenidade de tais benefícios e as práticas desonestas e criminosas dos banqueiros (causadores da crise) explicam a sua enorme impopularidade e a de tais medidas, que não se repercutiram favoravelmente sobre a população, que viu como os seus padrões de vida diminuíram devido à crise provocada pelos bancos. Não foram os mercados, mas os bancos e os seus políticos no Congresso (com nomes e apelidos conhecidos) e nas administrações Clinton, Bush e Obama (também com nomes e apelidos conhecidos) que criaram a crise, salvaram os bancos e agora apelam à austeridade.
Uma situação quase idêntica está a acontecer na UE. Os comportamentos especulativos da banca europeia foram consequência de decisões políticas que desregularam a banca, decisões que se tomaram particularmente, não apenas em Wall Street, mas também nos centros financeiros, principalmente a City de Londres e Frankfurt, consequência da enorme influência da banca sobre os governos britânico e alemão. A mal denominada “ajuda” do FMI-EU (de 750.000 milhões de euros) aos países com dificuldades não é uma ajuda às populações daqueles países, mas sim aos bancos (e muito em especial aos alemães e franceses) para assegurar-lhes que os Estados lhes pagarão as dívidas com os juros confiscatórios que exigiram. Na realidade, se os mercados financeiros fossem mercados de verdade (e, portanto, houvesse competitividade e risco no seu comportamento), os bancos teriam de absorver as perdas em investimentos financeiros falidos. Se o Governo da Grécia, por exemplo, fosse à bancarrota, a banca alemã teria de absorver as perdas por ter tomado a decisão de comprar cupões do Estado grego.
ENCONTRE AS DIFERENÇAS
Dez anos após a aplicação de um programa de ajustamento estrutural do FMI
Ora bem, isto não acontece nos mal denominados mercados financeiros devido a haver toda uma série de instituições que protege os bancos. E a mais importante é o FMI, que empresta dinheiro aos Estados para que o paguem aos bancos. Daí que, como nos EUA, os bancos nunca perdem. Quem perde são as classes populares, pois o FMI exige aos governos que extraiam o dinheiro dos serviços públicos das tais classes populares para pagar aos bancos. O que o FMI faz é a transferência de fundos das classes populares para os bancos. Isto é o que se chama "conseguir a credibilidade dos Estados face aos mercados".
Estas transferências, contudo, além de serem profundamente injustas, são enormemente ineficientes. O fracasso das políticas de austeridade propostas pelo FMI nos países em crise é bem conhecido, o que explica o descrédito de tal instituição. O FMI, desde a era Reagan, é a organização financeira que impôs mais sacrifícios às classes populares dos países que receberam a "sua ajuda", com resultados económicos altamente negativos, tal como denunciou correctamente Joseph Stiglitz. Não são os mercados, mas os interesses bancários e seus aliados – entre os quais se destacam o FMI e o BCE – que estão a impor estes sacrifícios. Ao menos, chamemos os culpados pelo nome.