Administração danosa ou expectativa frustrada?
Artigo 235º do Código Penal
Administração danosa:
1 – Quem, infringindo intencionalmente normas de controlo ou regras económicas de uma gestão racional, provocar dano patrimonial importante em unidade económica do sector público ou cooperativo é punido com pena de prisão até cinco anos ou com multa até 600 dias.
2 - A punição não tem lugar se o dano se verificar contra a expectativa fundada do agente.
Jornal de Negócios - 16 Outubro 2008
Texto de João Cândido da Silva
Pela estrada fora
O mínimo que se pode dizer sobre as conclusões do relatório produzido pelo Tribunal de Contas a respeito das parcerias público-privadas no sector rodoviário, é que se trata de um documento impressionante. Com uma frieza implacável, o conteúdo do documento:
Sobre o asfalto onde rolam estas operações, o acelerador vai sempre a fundo se o que está em causa é derreter o dinheiro dos contribuintes.
A gestão e aplicação criteriosa dos recursos públicos são valores votados ao mais chocante desprezo, nos terrenos pantanosos onde cresce a rede de estradas nacionais. O documento impressiona pelo retrato que faz do caos que reina neste domínio. Denuncia a quase completa ausência de transparência nas poucas contas que vão sendo apresentadas, impedindo o escrutínio a que deviam estar sujeitas. Coloca a nu a escassa capacidade do Estado no acompanhamento dos contratos celebrados com as entidades privadas, sublinhando hábitos instalados de negligência. Mas há mais.
O texto evidencia o facto de a eficácia e eficiência dos elevados gastos efectuados com base na sangria dos cofres públicos não serem objecto de avaliação. Gasta-se, e muito, sem cuidar de verificar se os meios utilizados atingiram os fins desejados. Revela, também, que os riscos dos negócios para o Estado são simplesmente ignorados. E que este, sem planificação nem estratégia, vai tapando buracos à medida que vão surgindo, improvisando de acordo com a inspiração do momento.
Podia dar-se o caso de as graves denúncias efectuadas pelo Tribunal de Contas abrangerem algum período específico, situação em que as responsabilidades poderiam ser facilmente apuradas, desde que para tal houvesse vontade. Mas não é esse o caso. Para desconforto de quem se interesse por conhecer, mais de perto, a orgia esbanjadora que reina nas parcerias público-privadas, os governos que ficam mal na fotografia são todos aqueles que estiveram em funções desde 1999 até à actualidade. Na esclarecedora obra assinada por Guilherme d’Oliveira Martins, ninguém sai bem. Ou não será bem assim?
A incompetência, o desleixo e a irresponsabilidade reveladas pelos inquilinos do sector público que gerem e tomam decisões sobre as parcerias, colocam o Estado numa posição de fraqueza. Onde devia estar uma entidade zelosa e diligente, fica o vazio. E este é devidamente preenchido pelo vasto leque de fornecedores de serviços que, certamente, não se queixam de ver o seu volume de negócios crescer por conta dos devaneios de quem gere dinheiro que, não sendo de ninguém, pode ser deitado à rua.
Por tudo isto, até se compreende que o Tribunal de Contas tenha decidido divulgar o relatório ao serão de uma sexta-feira. Em véspera de fim-de-semana, quem quer arreliar-se com o facto de as parcerias público-privadas nas estradas já terem absorvido mais de mil milhões de euros em oito anos? E quem quer angustiar-se por se prepararem para sugar dez por cento do produto interno bruto nos próximos 20 anos?
Artigo 235º do Código Penal - Administração danosa:
1 – Quem, infringindo intencionalmente normas de controlo ou regras económicas de uma gestão racional, provocar dano patrimonial importante em unidade económica do sector público é punido...
Em suma, segundo o Tribunal de Contas nas palavras de João Cândido da Silva:
a) Sobre o asfalto onde rolam estas operações, o acelerador vai sempre a fundo se o que está em causa é derreter o dinheiro dos contribuintes.
b) A gestão e aplicação criteriosa dos recursos públicos são valores votados ao mais chocante desprezo...
c) A quase completa ausência de transparência nas poucas contas que vão sendo apresentadas, impedindo o escrutínio a que deviam estar sujeitas.
e) Gasta-se, e muito, sem cuidar de verificar se os meios utilizados atingiram os fins desejados.
f) Revela, também, que os riscos dos negócios para o Estado são simplesmente ignorados.
g) Onde devia estar uma entidade zelosa e diligente, fica o vazio (...) devidamente preenchido pelo vasto leque de fornecedores de serviços que, certamente, não se queixam de ver o seu volume de negócios crescer por conta dos devaneios de quem gere dinheiro [público]... já terem absorvido mais de mil milhões de euros em oito anos, e se prepararem para sugar dez por cento do produto interno bruto nos próximos 20 anos.
Artigo 235º do Código Penal - Administração danosa:
2 - A punição não tem lugar se o dano se verificar contra a expectativa fundada do agente.
Excertos de uma entrevista a Sócrates ao Acção Socialista sobre os Estádios do Euro 2004 (19/5/2004):
Sócrates - "O Governo aprendeu. Começou por ter as maiores dúvidas e reservas quanto ao Euro 2004, a fazer-lhe críticas muito pueris, próprias de quem não percebeu nada do que estava em causa. O Euro 2004 não é um torneio de futebol, é muito mais do que isso. É um grande acontecimento que projecta internacionalmente o nosso país".
Sócrates - "Nós definimos como orientação que Portugal devia ser um país capaz de realizar grandes eventos desportivos internacionais".
Sócrates - "Pois, mas a construção dos dez estádios não um odioso, é bem necessário ao país. Portugal tinha que fazer este trabalho. É também uma das críticas mais infantis que tenho visto, a ideia de que se Portugal não tivesse o Euro não tinha gasto dinheiro nos estádios. Isso é uma argumentação própria de quem é ignorante.
Sócrates - "Ouvi recentemente responsáveis pelo Euro dizerem que é já claro, em relação ao que o Estado gastou e ao que recebeu, que estamos perante um grande sucesso económico."
O Tribunal de Contas também já se tinha pronunciado sobre os Estádios do Euro:
No Diário de Notícias e no Correio da Manhã:
- Mais de mil milhões de euros de investimento público total (no Euro 2004).
- Tribunal de Contas (TC) questiona se o elevado montante de apoios públicos ao campeonato organizado por Portugal no Verão de 2004 não poderia ter tido uma utilização mais eficiente noutras áreas de relevante interesse e carência pública.
- Tribunal de Contas refere que os novos estádios do Euro 2004 estão sobredimensionados, o que pode ser constatado pelas baixas taxas de ocupação, da ordem dos 20 a 35%.
- O dinheiro investido neste espectáculo de grande escala não teve grande retorno. Quase seis meses depois do Euro 2004, alguns estádios onde foram investidos milhões de euros para receber a prova estão «às moscas». Dos recintos do Euro2004, só os dos «três grandes» tiveram sucesso comercial.
- Numa auditoria desenvolvida pelo Tribunal de Contas junto dos estádios de Guimarães, Braga, Leiria, Coimbra, Aveiro, Loulé e Faro, ficou claro que as autarquias se endividaram para os próximos 20 anos.
- As sete autarquias que receberam jogos do Euro 2004 contraíram empréstimos bancários no valor global de 290 milhões de euros para financiar obras relacionadas com o campeonato.
- Na sequência destes empréstimos, as câmaras terão que pagar juros no montante de 69,1 milhões de euros, nos próximos 20 anos, refere o relatório de auditoria do Tribunal de Contas.
Comentário:
Pelo que ficou dito, o Tribunal de Contas parece indicar de forma inequívoca que, tanto nas parcerias público-privadas no sector rodoviário como no caso dos estádios do Euro 2004, se aplica o nº 1 do Artigo 235º do Código Penal:
1 – Quem, infringindo intencionalmente normas de controlo ou regras económicas de uma gestão racional, provocar dano patrimonial importante em unidade económica do sector público ou cooperativo é punido com pena de prisão até cinco anos ou com multa até 600 dias.
2 - A punição não tem lugar se o dano se verificar contra a expectativa fundada do agente.
Alguém acredita que os danos que se verificam hoje nas parcerias público-privadas no sector rodoviário, e se verificaram com os estádios do Euro 2004, foram contra as expectativas fundadas dos agentes políticos que os aprovaram?
Um curto excerto da Auditoria à Gestão das Parcerias Público-Privadas executada pelo Tribunal de Contas:
"Verificou-se o desenvolvimento de projectos sem motivos de tráfego que o justificassem, prejudicando a aferição do value for money das respectivas Parcerias Público-Privadas."
E quanto ao novo Aeroporto e aos TGVs, em relação aos quais o primeiro-ministro Sócrates se mostra tão empenhado:
Opinião de Miguel Sousa Tavares - Expresso 07/01/2006:
«Todos vimos nas faustosas cerimónias de apresentação dos projectos da Ota e do TGV, [...] os empresários de obras públicas e os banqueiros que irão cobrar um terço dos custos em juros dos empréstimos. Vai chegar para todos e vai custar caro, muito caro, aos restantes portugueses. O grande dinheiro agradece e aproveita.»
«Lá dentro, no «inner circle» do poder - político, económico, financeiro, há grandes jogadas feitas na sombra, como nas salas reservadas dos casinos. Se olharmos com atenção, veremos que são mais ou menos os mesmos de sempre.»
Sobre o asfalto onde rolam estas operações, o acelerador vai sempre a fundo se o que está em causa é derreter o dinheiro dos contribuintes.
A gestão e aplicação criteriosa dos recursos públicos são valores votados ao mais chocante desprezo, nos terrenos pantanosos onde cresce a rede de estradas nacionais. O documento impressiona pelo retrato que faz do caos que reina neste domínio. Denuncia a quase completa ausência de transparência nas poucas contas que vão sendo apresentadas, impedindo o escrutínio a que deviam estar sujeitas. Coloca a nu a escassa capacidade do Estado no acompanhamento dos contratos celebrados com as entidades privadas, sublinhando hábitos instalados de negligência. Mas há mais.
O texto evidencia o facto de a eficácia e eficiência dos elevados gastos efectuados com base na sangria dos cofres públicos não serem objecto de avaliação. Gasta-se, e muito, sem cuidar de verificar se os meios utilizados atingiram os fins desejados. Revela, também, que os riscos dos negócios para o Estado são simplesmente ignorados. E que este, sem planificação nem estratégia, vai tapando buracos à medida que vão surgindo, improvisando de acordo com a inspiração do momento.
Podia dar-se o caso de as graves denúncias efectuadas pelo Tribunal de Contas abrangerem algum período específico, situação em que as responsabilidades poderiam ser facilmente apuradas, desde que para tal houvesse vontade. Mas não é esse o caso. Para desconforto de quem se interesse por conhecer, mais de perto, a orgia esbanjadora que reina nas parcerias público-privadas, os governos que ficam mal na fotografia são todos aqueles que estiveram em funções desde 1999 até à actualidade. Na esclarecedora obra assinada por Guilherme d’Oliveira Martins, ninguém sai bem. Ou não será bem assim?
A incompetência, o desleixo e a irresponsabilidade reveladas pelos inquilinos do sector público que gerem e tomam decisões sobre as parcerias, colocam o Estado numa posição de fraqueza. Onde devia estar uma entidade zelosa e diligente, fica o vazio. E este é devidamente preenchido pelo vasto leque de fornecedores de serviços que, certamente, não se queixam de ver o seu volume de negócios crescer por conta dos devaneios de quem gere dinheiro que, não sendo de ninguém, pode ser deitado à rua.
Por tudo isto, até se compreende que o Tribunal de Contas tenha decidido divulgar o relatório ao serão de uma sexta-feira. Em véspera de fim-de-semana, quem quer arreliar-se com o facto de as parcerias público-privadas nas estradas já terem absorvido mais de mil milhões de euros em oito anos? E quem quer angustiar-se por se prepararem para sugar dez por cento do produto interno bruto nos próximos 20 anos?
Artigo 235º do Código Penal - Administração danosa:
1 – Quem, infringindo intencionalmente normas de controlo ou regras económicas de uma gestão racional, provocar dano patrimonial importante em unidade económica do sector público é punido...
Em suma, segundo o Tribunal de Contas nas palavras de João Cândido da Silva:
a) Sobre o asfalto onde rolam estas operações, o acelerador vai sempre a fundo se o que está em causa é derreter o dinheiro dos contribuintes.
b) A gestão e aplicação criteriosa dos recursos públicos são valores votados ao mais chocante desprezo...
c) A quase completa ausência de transparência nas poucas contas que vão sendo apresentadas, impedindo o escrutínio a que deviam estar sujeitas.
e) Gasta-se, e muito, sem cuidar de verificar se os meios utilizados atingiram os fins desejados.
f) Revela, também, que os riscos dos negócios para o Estado são simplesmente ignorados.
g) Onde devia estar uma entidade zelosa e diligente, fica o vazio (...) devidamente preenchido pelo vasto leque de fornecedores de serviços que, certamente, não se queixam de ver o seu volume de negócios crescer por conta dos devaneios de quem gere dinheiro [público]... já terem absorvido mais de mil milhões de euros em oito anos, e se prepararem para sugar dez por cento do produto interno bruto nos próximos 20 anos.
Artigo 235º do Código Penal - Administração danosa:
2 - A punição não tem lugar se o dano se verificar contra a expectativa fundada do agente.
Excertos de uma entrevista a Sócrates ao Acção Socialista sobre os Estádios do Euro 2004 (19/5/2004):
Sócrates - "O Governo aprendeu. Começou por ter as maiores dúvidas e reservas quanto ao Euro 2004, a fazer-lhe críticas muito pueris, próprias de quem não percebeu nada do que estava em causa. O Euro 2004 não é um torneio de futebol, é muito mais do que isso. É um grande acontecimento que projecta internacionalmente o nosso país".
Sócrates - "Nós definimos como orientação que Portugal devia ser um país capaz de realizar grandes eventos desportivos internacionais".
Sócrates - "Pois, mas a construção dos dez estádios não um odioso, é bem necessário ao país. Portugal tinha que fazer este trabalho. É também uma das críticas mais infantis que tenho visto, a ideia de que se Portugal não tivesse o Euro não tinha gasto dinheiro nos estádios. Isso é uma argumentação própria de quem é ignorante.
Sócrates - "Ouvi recentemente responsáveis pelo Euro dizerem que é já claro, em relação ao que o Estado gastou e ao que recebeu, que estamos perante um grande sucesso económico."
O Tribunal de Contas também já se tinha pronunciado sobre os Estádios do Euro:
No Diário de Notícias e no Correio da Manhã:
- Mais de mil milhões de euros de investimento público total (no Euro 2004).
- Tribunal de Contas (TC) questiona se o elevado montante de apoios públicos ao campeonato organizado por Portugal no Verão de 2004 não poderia ter tido uma utilização mais eficiente noutras áreas de relevante interesse e carência pública.
- Tribunal de Contas refere que os novos estádios do Euro 2004 estão sobredimensionados, o que pode ser constatado pelas baixas taxas de ocupação, da ordem dos 20 a 35%.
- O dinheiro investido neste espectáculo de grande escala não teve grande retorno. Quase seis meses depois do Euro 2004, alguns estádios onde foram investidos milhões de euros para receber a prova estão «às moscas». Dos recintos do Euro2004, só os dos «três grandes» tiveram sucesso comercial.
- Numa auditoria desenvolvida pelo Tribunal de Contas junto dos estádios de Guimarães, Braga, Leiria, Coimbra, Aveiro, Loulé e Faro, ficou claro que as autarquias se endividaram para os próximos 20 anos.
- As sete autarquias que receberam jogos do Euro 2004 contraíram empréstimos bancários no valor global de 290 milhões de euros para financiar obras relacionadas com o campeonato.
- Na sequência destes empréstimos, as câmaras terão que pagar juros no montante de 69,1 milhões de euros, nos próximos 20 anos, refere o relatório de auditoria do Tribunal de Contas.
Comentário:
Pelo que ficou dito, o Tribunal de Contas parece indicar de forma inequívoca que, tanto nas parcerias público-privadas no sector rodoviário como no caso dos estádios do Euro 2004, se aplica o nº 1 do Artigo 235º do Código Penal:
1 – Quem, infringindo intencionalmente normas de controlo ou regras económicas de uma gestão racional, provocar dano patrimonial importante em unidade económica do sector público ou cooperativo é punido com pena de prisão até cinco anos ou com multa até 600 dias.
2 - A punição não tem lugar se o dano se verificar contra a expectativa fundada do agente.
Alguém acredita que os danos que se verificam hoje nas parcerias público-privadas no sector rodoviário, e se verificaram com os estádios do Euro 2004, foram contra as expectativas fundadas dos agentes políticos que os aprovaram?
Um curto excerto da Auditoria à Gestão das Parcerias Público-Privadas executada pelo Tribunal de Contas:
"Verificou-se o desenvolvimento de projectos sem motivos de tráfego que o justificassem, prejudicando a aferição do value for money das respectivas Parcerias Público-Privadas."
E quanto ao novo Aeroporto e aos TGVs, em relação aos quais o primeiro-ministro Sócrates se mostra tão empenhado:
Opinião de Miguel Sousa Tavares - Expresso 07/01/2006:
«Todos vimos nas faustosas cerimónias de apresentação dos projectos da Ota e do TGV, [...] os empresários de obras públicas e os banqueiros que irão cobrar um terço dos custos em juros dos empréstimos. Vai chegar para todos e vai custar caro, muito caro, aos restantes portugueses. O grande dinheiro agradece e aproveita.»
«Lá dentro, no «inner circle» do poder - político, económico, financeiro, há grandes jogadas feitas na sombra, como nas salas reservadas dos casinos. Se olharmos com atenção, veremos que são mais ou menos os mesmos de sempre.»