domingo, outubro 23, 2005

O cavaleiro da mentira, da propaganda, do embuste e do medo

José Pacheco Pereira – no Abrupto e no Público

A história da humanidade é a história de três dos quatro cavaleiros do Apocalipse: o da fome, o da peste e o da guerra. O bom cavaleiro, com o cavalo branco, esse não conta. No nosso confortável mundo europeu, 50 anos de paz fizeram-nos esquecer o cavaleiro da guerra, mas ele não se fez esquecer e, nos Balcãs e no Cáucaso, voltou a bater às portas do nosso recanto. Tinha andado por Ásia e África, mas 50 anos não é nada, nós é que pensávamos que era já definitivo. O cavaleiro da fome também está esquecido na Europa. Malthus ameaçou-nos com ele, mas a revolução industrial adiou as suas previsões, e nós, como de costume, pensamos que ele só estaria para lá longe, em África, O da peste espreitou recentemente com a sida e fugiu de novo para a tenebrosa África, a terra de todos os males, pensávamos também nós, seguros da nossa poderosa medicina.

Mas a nossa terra livre de cavaleiros do Apocalipse vai ter em breve a visita de um deles, o da peste, e, sabemos pela história, que qualquer um anuncia os outros, ou abre o caminho aos outros.

Aqui Pacheco divaga, algo poeticamente, durante alguns parágrafos, acerca da peste. E no fim avisa:

Só que desta vez pode não ser assim, tudo indica que não seja assim.

Entramos agora no fino e impossível equilíbrio entre o pânico inconsiderado e a legítima preocupação. Como é que devo escrever o que vou escrever? Talvez começando por dizer que há muitas probabilidades de termos uma pandemia de gripe com uma variante viral muito agressiva. Embora o cálculo dessas probabilidades seja muito difícil de fazer, pode-se considerar que, tudo ponderado, é mais provável que haja do que não haja. Claro que também pode não acontecer nada, como quando do susto americano com a "gripe dos porcos" no tempo do Presidente Ford, que acabou por não se verificar. Mas agora tudo indica que se verificará, não sabemos é daqui a quanto tempo, um ano, dez anos? Parece uma questão de tempo. Depois, tudo o resto são incógnitas e patamares que se podem subir ou descer.


E num passe de mágica, Pacheco faz um paralelo entre o vírus e o terrorismo:

Voltamos pois à peste, ao quotidiano da peste. Como o terrorismo, a peste também se modernizou, por linhas de fragilidades muito semelhantes: a sociedade de massas urbanizada, global, dá imensas oportunidades novas à doença, ao mesmo tempo que pareceu eliminar as antigas. Pouco a pouco, à nossa volta, a biologia tumultuosa para os humanos e os seus bichos domésticos começa a especializar-se. Sem a produção de carne e leite em série, a doença das vacas loucas, ou a hecatombe de carneiros provocada pela febre aftosa não teriam levado às imagens do "massacre dos inocentes" em que se converteram muitas quintas modelo da agricultura da PAC.

Graças a Darwin, percebemos hoje muito bem como o sucesso dos vírus se encavalita no nosso mundo urbanizado, na nossa agricultura industrial, nos nossos hábitos de consumo, na sociedade de massas. Para um vírus como o da "gripe das aves", o modo como vivemos é um nicho ecológico excepcional. O vírus veio dessa enorme capoeira e pocilga colectiva que são os campos da província chinesa de Guandong, um enorme pool de variabilidade genética em que o salto entre os animais e os homens é facilitado pela promiscuidade entre espécies. Mas já não precisa de fazer o caminho lento de um barco para a Índia, de uma caravana para o Levante, de um outro barco para Veneza ou Génova, pode voar com as aves selvagens até aos aviários da Europa, ou voar na Cathay Pacific ou na Lufthansa.

Depois de cá chegar, e já cá chegou às aves, poderá ou não demorar um pouco a encontrar outros hospedeiros, poderá ou não dar tempo a que haja vacina, poderá ser de uma estirpe mais ou menos agressiva, matar velhos ou jovens (como a "pneumónica" de 1918), poderá encontrar-nos preparados (tanto quanto podemos em relação a estas eficazes máquinas que são os vírus) ou não. Prevenidos já estamos, resta saber se estamos preparados e parece que não.

Se olharmos para África, onde um vírus que mata mais devagar como o da sida já molda a sociedade, alterando padrões demográficos, enfraquecendo as burocracias de Estados, já de si frágeis, as forças de polícia e segurança, aumentando a conflitualidade, podemos compreender melhor como será perturbador um vírus que mata mais rapidamente, ferindo a sociedade profundamente.

Os estudos mostram como uma pandemia de gripe levará à "nacionalização" dos stocks de medicamentos (dito de outro modo, ou um estado já possui esse stock nos seus armazéns, ou, quando a gripe começar a matar, ninguém lhe vai ceder o seu), à fragilização de polícias e exércitos, à paragem de escolas, casernas, concentrações de multidões (sim, os jogos de futebol também), por aí adiante. Por boas razões, por precaução, e por más, pelo pânico e crescimento da conflitualidade, as semanas que durar a gripe serão de tensão sobre toda a estrutura do Estado "civilizado". Depois passará, deixando os sobreviventes de uma geração imune, até à próxima. Para a democracia, para a nossa civilização, será um teste poderoso.



Para conseguir o contraditório a Pacheco Pereira recorri a um colega dele, João Pereira Coutinho, escriba do Expresso, remunerado, também ele, em dólares (Expresso Edição 1721).

JPC - Acontece que a doença não passa de boca em boca e, pior, os 60 mortos na Ásia mostram bem como é preciso praticamente beijar uma galinha infectada para morrer como ela - um cenário romântico que, obviamente, não interessa ao circo instalado. E não interessa porque o medo é um negócio. Um negócio para jornais. Um negócio para laboratórios. Um negócio que autoriza a Organização Mundial de Saúde a «recomendar» uma cobertura antiviral para 25% da população.



Comentário:

Este episódio demonstra à saciedade a falta de coordenação dos serviços que, algures, concertam o negócio de medo, da gripe e do terrorismo. Come on guys, resolve yourselves.

3 comentários:

Biranta disse...

Não percebo qual é a dúvida, Sofocleto! Por acaso o meu amigo desconhece a "técnica" do "polícia bom"/"polícia mau"? É muito usada, sobretudo em regimes fanaticamente repressivos... Também existe a "técnica" da provocação: qualquer bom "provocador" tem de saber merecer a confiança dos "de boa vontade", que se preocupam, verdadeiramente, com os destinos do Mundo.
Nestes contextos, tudo isto é normal... E ainda temos que admitir a hipótese de, neste caso particular, se apostar tanto no terror... como na confusão (que estas aparentes divergências de opiniões entre gente do mesmo "club", favorece). Mas eu apostaria na provocação e consequente descrédito (ou apropriação de mérito) de quem não aceita a psicose do medo que se instalou e os respectivos interesses.
"Eles" são uns artistas... Cabe-nos, a nós, não "cair na esparrela"! Este é um bo contributo! Há que estar atento.

augustoM disse...

A eminência parda (JPP), se não fosse o filósofo monolítico que é, a filosofia adaptada às suas ideias, até poderiamos dizer que o seu texto expressa uma série de verdades que muitos teimam em não ver, os cavaleiros do Apocalipse. Os ventos de guerra contiuam a soprar com vontade de se tornarem um furacão, a fome continua a ser mantida e a peste está com vontade de virar negócio. Os 50 ou 10 ou 100 anos de paz, sejam eles quantos forem, não passam do intervalo entre duas guerras, e isto é uma verdade incontestavél.
Ainda não acabou uma guerra já estão a pensar noutra, como se a guerra fosse o modo civilizacional mais querido ao homem. A guerra implica a morte e esta tanto pode ser ocasionada com consentida, em ambos os casos se materializa o objectivo da conquista.
Estamos sempre sujeitos às pandemias, como estamos sujeitos às mais desvastadoras intempéris, como estamos sujeitos talvez à mais grave de todas as castátrofes, a reacção da Natureza à destruição que o homem está a provocar nela. Prevêce-se 60 a 100 para o desgelo total dos polos, que pandemia se pode comparar a isto?
A eminência tem uma prosa bonita, só é pena que nos binóculos dele a lente da esquerda esteja tapada propositadamente, quando diz que o cavaleiro branco, a esperança, não conta. É claro, a sobrevivência é sempre apanágio das elites, os outros são meros números estatísticos.
"Mas a nossa terra livre de cavaleiros do Apocalipse vai ter em breve a visita de um deles, o da peste..." Para mim esta afirmação é um puro acto terrorista, ou o terrorismo é o adjectivo qualificativo que depende de quem com ele sofre. Todos sabemos que temos de morrer um dia de causas ou naturalmente, qual é o objectivo deste pitoniso.
Um abraço. Augusto

Anónimo disse...

O que o "sacana" do Pacheco tem medo é de MORRER. Que vá MORRER longe, o canalha!!!