segunda-feira, novembro 20, 2017

Revista Visão - 24/02/2005 - Prevê-se que em cada cinco crianças nascidas hoje, três jamais arranjarão emprego estável.

Este texto é um excerto de um artigo de Fernando Dacosta publicado na revista Visão 625 -- 24/02/05.

Uma nova forma de desemprego


Prevê-se que em cada cinco crianças nascidas hoje, três jamais arranjarão emprego estável.

Corrompida, a liberdade imergiu-as em novas (outras) desigualdades, indignidades, como as do crescente, insaciável «triângulo negro» da precarização, escravização, exclusão. Direitos penosamente conquistados (na saúde, na assistência, no trabalho, no ensino, no lazer, na cultura) estão a ser dissolvidos em cascatas de perfumado cinismo light. Os jovens que entram no mundo do emprego fazem-no a prazo, a contrato volátil, vendo-se, sem a mínima segurança, impedidos de construir uma vida própria, entre zappings de subtarefas e de pós-formações ludibriadoras.

O problema não tem no sistema vigente, o que poucos ousam admitir, solução visível. Enquanto isso há quem, para se confundir (confundir), culpabilize por ele a baixa taxa de natalidade e, lestamente, se proponha incentivá-la – incentivá-la para aumentar o número de crianças abandonadas?, para disparar a percentagem de jovens sem ocupação?, para renovar de carne fresca e farta os canhões, as camas, os catecismos, os esclavagismos? Prevê-se, com efeito, que em cada cinco crianças nascidas hoje em Portugal, três jamais arranjarão emprego estável.

A queda, por exemplo, de descontos para a Previdência (que tanta ondulação provoca) não advém da falta de trabalhadores com vontade de fazê-los – aos descontos; advém, sim, da falta de trabalho para serem feitos. Há já mais de 600 mil desempregados «seniores» e de 80 mil jovens à procura do primeiro emprego (40 mil licenciados), sem que ninguém, ao que se observa, se dinamize com isso. Nesta fase, as teses «coelheiras» só iriam agravar, não resolver, os problemas demográficos existentes.

Subir a idade da reforma para os 70 anos (aos 50 um trabalhador começa a ser tratado pelos superiores e colegas como um estorvo), aumentar os horários laborais (a produção tornou-se não insuficiente mas excessiva para o mercado), congelar os salários líquidos (enquanto a inflação os baixa) como defendem certos especialistas (que preservam, no entanto, para si retribuições e reformas milionárias) apenas desarticulará o mecanismo social que a humanidade vem, penosamente, construindo no sentido de tornar a existência mais digna e solidária.

As velhas gerações , a sair de cena, agarram-se às influências que julgam, julgavam, manter, merecer. Disfarçando desesperos, socalcam sem resultados patéticas vias sacras de cunhas, súplicas, empenhos, hipotecas, tráficos. As crispações que não sentiram quando, décadas atrás, iniciaram as suas carreiras (eram de outro tipo as, então, sofridas) experimentam-nas agora em relação à insegurança inquietante dos filhos e netos. Ingénuas, acreditaram que bastava, como no seu tempo, um curso superior para se ficar protegido, promovido. Fizeram os seus tirá-lo sem reparar que as universidades se transformaram de clubes VIP em fábricas massificadoras, cada vez mais vazias de elitismos internos e poderes externos.

Só os filhos-família de famílias dominantes (na direita, no centro e na esquerda, na economia, na política e nos lobbies) dispõem de privilégios garantidos, defendidos.

6 comentários:

JF disse...

E junte-se a tudo isto, o facto de em Portugal o trabalho ser negado ao cidadão, onde até para empregado de balcão se entra por cunha, sendo igualmente preocupante que homens e mulheres que dependam somente da entrega/envio de currículos raramente consigam trabalho, e quando por um acaso de sorte o conseguem, deparam-se com contratos laborais precários ou vítimas das empresas de exploração de trabalho temporário, ou até de empresas de cariz duvidoso.

Por último temos a inoperância e o sequestro do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), por empresas e interesses privados, onde os processos formativos são ridículos e de nada servem ao cidadão trabalhador, existindo igualmente um esquema montado para garantir às custas do Estado o financiamento de empresas e entidades de formação bem como os salários dos seus funcionários; inclusive as propostas de trabalho na maioria das vezes quando surgem no Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), curiosamente já se encontram destinadas.

Quem não estiver inserido no esquema, quem não tiver um familiar ou amigo que lhe arranje trabalho, não tem qualquer hipótese.

Diogo disse...

JF, todo o paradigma económico tem de mudar. O homem está (e ainda bem) cada vez mais depressa a ser afastado da produção pela máquina. Temos de nos focar na distribuição desta produção.

Nelo disse...

O comentário típico do “filho-família de família dominante”, com emprego estável, dissertando alegremente sobre as virtudes do eugenismo, mas sem coragem de o mencionar claramente e convencido da bondade de um raciocínio que já tem barbas e remonta aos tempos remotos da barbárie humana e que, de novo, irrompe com o advento do novo paganismo.

Diogo disse...

Caro Nelo,

Não penso que seja isso. Acho que é o resultado natural do avanço tecnológico em avanço exponencial. Nos países desenvolvidos, até às décadas 70-80, a tecnologia ia destruindo empregos substituindo os homens por máquinas mas ia criando novos empregos compensando aqueles que destruía. A partir das décadas 70-80, os novos "empregos" criados pelas máquinas começaram também a ser ocupados pelas máquinas. Isto coincidiu com o aparecimento da informática. E à medida que este processo avançar, haverá de forma acelerada cada vez menos empregos "humanos".

Em minha opinião, o autor do texto não está a sugerir medidas eugénicas. Está a apontar uma mudança radical do paradigma económico. Se os empregos "humanos" estão a desaparecer e as máquinas nos proporcionam uma capacidade produtiva cada vez maior em todos os campos, então sigamos o novo caminho. O homem terá uma mesada e a máquina produzirá. Tal não vai transformar o homem num inútil. Vai-lhe permitir dedicar-se por inteiro às suas actividades favoritas e viver uma vida digna desse nome (em vez de passar uma vida inteira fechado num escritório ou numa fábrica a fazer coisas que detesta).

João disse...

Recomendo a leitura do livro Progresso, de Johan Norberg: "Ora, este é um daqueles casos em que alguém escreveu um livro com uma deixa preparada: não quero interromper a vossa lamentação de desgraças com boas notícias, mas estes foram os factos que eu encontrei".

Todas as previsões catastrofistas têm falhado, nunca o mundo esteve tão bem...estes são, de facto, os bons velhos tempos, apesar de todos os problemas que há para resolver.

Nelo disse...

Diogo
“…passar uma vida inteira fechado num escritório…” é, paradoxalmente , o que permitiu a muitos homens conhecerem-se em experiências concretas da vida cocriadora (trabalho) que é o principal desígnio do homem, e, também agora se comunicarem. Dedicar-se às suas “actividades favoritas “ é coisa que pertencerá aos eugénicos de amanhã decidirem, isto é, se deve ou não existir para estar apenas a “brincar”… Com a dominância do pensamento utilitarista creio que bisnetos ou trisnetos seus não existirão: apenas uns seres homúnculos determinados pela ideologia do género e mais nada.