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quarta-feira, dezembro 04, 2013

Alvin Toffler: A mudança revolucionária de dependermos de representantes eleitos para nos passarmos a representar a nós próprios.


DEMOCRACIA DIRECTA (II Parte)




Texto meu: «No último século e meio, o mundo civilizado só conheceu dois tipos de governo: o Ditatorial e a Democracia Representativa – qual deles o mais perverso. Entretanto, hoje, a evolução da Informática e das Telecomunicações está em condições de colocar o poder de decisão nas mãos dos cidadãos. De que é que estamos à espera?»




"A Terceira Vaga", do sociólogo Alvin Toffler, foi editado em 1980. Lançou o «slogan» da «terceira vaga» e dividiu a história humana até à data em três vagas: a primeira que correspondeu à revolução agrária, a segunda baseada na revolução industrial, e a terceira nascida desde o final da Segunda Guerra Mundial baseada no conhecimento. É a obra mais conhecida do autor e que o consagrou como futurólogo. Trinta anos depois, as suas palavras permanecem actuais.


Excerto de "A Terceira Vaga" de Alvin Toffler:



CAPÍTULO 28 - DEMOCRACIA SEMIDIRECTA


O segundo bloco de construção dos sistemas políticos de amanhã deve ser o princípio da «democracia semidirecta», uma mudança de dependermos de representantes para nos representarmos a nós próprios. A mistura das duas coisas é a democracia semidirecta.

Como já vimos, o colapso do consenso subverte o próprio conceito de representação. Sem acordo entre os votantes no círculo eleitoral, quem representa realmente o representante? Ao mesmo tempo os legisladores têm vindo a depender cada vez mais de apoio de pessoal e de peritos exteriores para a formulação das leis. Os membros do Parlamento britânico são notoriamente fracos em relação a burocracia de Whitehall porque lhes falta apoio de pessoal adequado, o que faz transitar mais poder do Parlamento para o serviço administrativo não eleito.

O Congresso dos Estados Unidos, num esforço para contrabalançar a influência da burocracia executiva, criou a sua própria burocracia: um Gabinete do Orçamento do Congresso, um Gabinete de Avaliação Tecnológica e outras agências e apêndices necessários. Por isso, o pessoal do Congresso aumentou de 10.700 para 18.400 na década passada. Mas isso serviu meramente para transferir o problema de extramuros para intramuros. Os nossos representantes eleitos sabem cada vez menos acerca da miríade de medidas acerca das quais tem de decidir e são obrigados a depender cada vez mais do critério de outros. O representante já nem sequer se representa a si mesmo.

Mais fundamentalmente, os parlamentos, os congressos ou as assembleias eram lugares onde, teoricamente, as reivindicações de minorias rivais podiam ser conciliadas. Os seus «representantes» podiam negociar por elas. Com os antiquados e rombos instrumentos de hoje nenhum legislador pode sequer manter-se ao corrente dos muitos pequenos grupos que ele ou ela nominalmente representa, quanto mais servir de medianeiro ou negociar efectivamente por eles. E quanto mais sobrecarregado ficar o Congresso americano, ou o Bundestag alemão, ou o Storting norueguês, tanto pior se tornará a situação.



Isto ajuda a explicar por que motivo os grupos políticos de pressão mono-problemáticos se tornam intransigentes. Vendo que é limitada a oportunidade de negociação ou reconciliação sofisticada através do Congresso ou das legislaturas, as suas exigências ao sistema tornam-se não-negociáveis. A teoria do governo representativo como supremo negociador também se desmorona.

O colapso da negociação, a pressão das decisões e o agravamento da paralisia das instituições representativas significam, a longo prazo, que muitas das decisões agora tomadas por pequenos grupos de pseudo-representantes podem ter de ser gradualmente retransferidas para o próprio eleitorado. Se os nossos negociadores eleitos não podem negociar por nós, teremos de o fazer nós próprios. Se as leis que eles fazem são cada vez mais longínquas das nossas necessidades, ou as satisfazem cada vez menos, teremos de fazer as nossas próprias leis. Para isso, no entanto, precisaremos de novas instituições e de novas tecnologias.

Os revolucionários da Segunda Vaga que inventaram o conjunto das instituições básicas de hoje estavam perfeitamente conscientes das possibilidades da democracia directa em oposição a democracia representativa. Houve vestígios de democracia directa, tipo faça-você-mesmo, na constituição revolucionaria francesa de 1793. Os revolucionários americanos sabiam tudo acerca dos municípios da Nova Inglaterra e da formação de consenso orgânico em pequena escala. Mais tarde, na Europa, Marx e os seus partidários invocaram frequentemente a Comuna de Paris como modelo da participação dos cidadãos na feitura e execução das leis. Mas as limitações da democracia directa eram igualmente bem conhecidas - e, nesse tempo, mais persuasivas.

«Em - The Federalist - foram levantadas duas objecções a tal inovação», escreveram McCauley, Rood e Johnson. Autores de uma proposta para um plebiscito nacional nos Estados Unidos. «Primeiro, a democracia directa não permitia nenhuma contenção ou dilação [adiamento] das reacções públicas temporais e emocionais. E, segundo, as comunicações desse tempo não podiam manobrar a mecânica do processo



Problemas legítimos, esses. Como teria um público americano frustrado e inflamado de meados da década de 1960, por exemplo, votado sobre se era de deitar ou não uma bomba atómica sobre Hanói? Ou coma votaria um público oeste-alemão furioso com os terroristas Baader-Meinhof, sobre uma proposta para instalar campos para «simpatizantes»? Que teria acontecido se os Canadianos tivessem feito um plebiscito a respeito de Quebec uma semana depois de René Lévesque assumir o poder? Presume-se que os representantes eleitos são menos emotivos e mais deliberativos do que o público.

O problema da reacção pública exageradamente emocional pode no entanto ser vencido de várias maneiras, tais como a exigência de um período de «arrefecimento» ou de uma segunda votação antes da implementação de decisões importantes tomadas via referendo ou outras formas de democracia directa.

Uma solução imaginativa e sugerida por um programa posto em prática pelos Suecos em meados da década de 1970, quando o governo pediu ao público que participasse na formulação de uma política energética nacional. Reconhecendo que à maioria dos cidadãos faltava conhecimento técnico adequado das várias opções energéticas, da solar à nuclear ou à geotérmica, o governo criou um curso de dez horas sobre energia e convidou qualquer sueco que o frequentasse, ou a qualquer curso equivalente a fazer recomendações formais ao governo.

Simultaneamente, sindicatos, centros de educação de adultos e partidos de um extremo ao outro do espectro político criaram os seus próprios cursos de dez horas. Esperava-se que participassem uns 10.000 suecos. Para surpresa de todos, apareceram 70.000 a 80.000 para discussões em casas e instalações comunitárias - o equivalente, na escala americana, a cerca de 2.000.000 de cidadãos a tentar pensar juntos a respeito de um problema nacional. Podiam empregar-se facilmente sistemas similares para anular as objecções à «sobre-emotividade» em referendos ou noutras formas de democracia directa.

A outra objecção também pode ser vencida, pois as limitações das antigas comunicações já não se atravessam no caminho da democracia directa alargada. Progressos espectaculares da tecnologia das comunicações abrem pela primeira vez uma espantosa gama de possibilidades de participação directa do cidadão na tomada de decisões políticas.

Não há muito tempo, tive o prazer de registar um acontecimento histórico - o primeiro «salão municipal electrónico» do mundo - na TV por cabo Qube, em Columbus Ohio. Utilizando esse sistema de comunicação interactivo, residentes de um pequeno subúrbio de Columbus participaram de facto, via electrónica, numa reunião política da sua comissão de planeamento local. Carregando num botão da sua sala, podiam votar instantaneamente propostas relacionadas com problemas práticos como divisão por zonas locais, códigos habitacionais e a proposta de construção de uma auto-estrada. Podiam não apenas votar «sim» ou «não», mas também participar na discussão e falar para serem ouvidos. Podiam até, pelo mesmo sistema de carregar no botão, dizer à pessoa que detinha a presidência quando devia passar para o ponto seguinte da agenda.




Esta é apenas a primeira e mais primitiva indicação do potencial de democracia directa do amanhã. Usando computadores avançados, satélites, telefones, cabo, técnicas de votação e outros instrumentos, uma cidadania instruída pode, pela primeira vez na história, começar a tomar muitas das suas próprias decisões políticas.

O problema não é uma questão de ou isto ou aquilo. Não se trata de democracia directa versus indirecta, de representação própria versus representação por outros.

Ambos os sistemas tem vantagens e há maneiras altamente criativas e ainda subutilizadas de combinar a participação directa dos cidadãos com a «representação» num novo sistema de democracia semidirecta.

Podemos, por exemplo, decidir fazer um referendo sobre uma questão controversa como o desenvolvimento nuclear, como a Califórnia e a Áustria já fizeram. Em vez de entregar a decisão definitiva directamente aos votantes, podemos, porém querer um corpo representativo - o Congresso, digamos - para debater e finalmente decidir.

Assim, se o público votasse pró-nuclear, um certo «pacote» de votos pré-designado poderia ser entregue aos defensores do pró-nuclear, no Congresso. Estes poderiam, com base na força da resposta pública, ficar com uma «margem» automática de 10 ou 25% no próprio Congresso, consoante a foça do voto «pró» no plebiscito. Deste modo, não há nenhuma implementação puramente automática dos desejos dos cidadãos, mas esses desejos têm algum peso específico. Trata-se de uma variante da proposta de Plebiscito Nacional mencionada atrás.

Muitos outros arranjos imaginativos se podem inventar para combinar a democracia directa e indirecta. Neste momento, membros do Congresso e muitos outros parlamentos ou legislaturas organizam as suas próprias comissões. Não existe nenhuma maneira de os cidadãos forçarem os legisladores a criar uma comissão para tratar de qualquer questão descurada ou altamente controversa. Mas porque não poderão os votantes ser directamente dotados, através de petição, com a capacidade de competir com um corpo legislativo a estabelecer comissões para tópicos que o publico - e não os legisladores – consideram importantes?


Insisto nestas propostas a favor do público não porque as aprove sem hesitar, mas meramente para sublinhar o ponto mais geral onde quero chegar: há maneiras fortes de abrir e democratizar um sistema que se encontra perto do colapso e em que poucos, se alguns, se sentem adequadamente representados. Mas temos de começar a pensar fora dos sulcos gastos dos passados 3oo anos. Já não podemos resolver os nossos problemas com as ideologias, os modelos ou as estruturas que sobraram do passado da Segunda Vaga.

Cheias de implicações incertas, estas novas propostas requerem cuidadosa experimentação local antes de as aplicarmos em larga escala. Mas seja qual for a maneira como sintamos a respeito desta ou daquela sugestão, as antigas objecções à democracia directa estão a tornar-se mais fracas precisamente na altura em que as objecções à democracia representativa se estão a tornar mais fortes. Por perigosa ou até excêntrica que possa parecer a alguns, a democracia semidirecta é um princípio moderado, capaz de ajudar-nos a conceber novas instituições exequíveis para o futuro.

quarta-feira, novembro 20, 2013

Alvin Toffler: O governo da maioria, o princípio legitimador-chave da era da Segunda Vaga, está crescentemente obsoleto. Não são as maiorias, e sim as minorias, que contam.


DEMOCRACIA DIRECTA (I Parte)


Texto meu: «No último século e meio, o mundo civilizado só conheceu dois tipos de governo: o Ditatorial e a Democracia Representativa – qual deles o mais perverso. Entretanto, hoje, a evolução da Informática e das Telecomunicações está em condições de colocar o poder de decisão nas mãos dos cidadãos. De que é que estamos à espera?»




"A Terceira Vaga", do sociólogo Alvin Toffler, foi editado em 1980. Lançou o «slogan» da «terceira vaga» e dividiu a história humana até à data em três vagas: a primeira que correspondeu à revolução agrária, a segunda baseada na revolução industrial, e a terceira nascida desde o final da Segunda Guerra Mundial baseada no conhecimento. É a obra mais conhecida do autor e que o consagrou como futurólogo. Trinta anos depois, as suas palavras permanecem actuais.


Excerto de "A Terceira Vaga" de Alvin Toffler:




CAPÍTULO 28 - DEMOCRACIA DO SÉCULO XXI


A obsolescência de muitos dos governos de hoje não é um segredo qualquer que só eu tenha descoberto. Tão-pouco é uma doença apenas da América. O facto é que construir uma nova civilização sobre as ruínas da antiga implica a concepção de estruturas políticas novas e mais apropriadas em muitas nações ao mesmo tempo.

Segundo todas as probabilidades exigirá uma batalha demorada para renovar - ou sequer desmontar - o Congresso dos Estados Unidos, os comités centrais e os politburos dos estados comunistas industrializados, a Câmara dos Comuns e a Câmara dos Lordes, a Câmara dos Deputados francesa, o Bundestag, a Dieta, os gigantescos ministérios e as entrincheiradas administrações civis de muitas nações, as constituições e os sistemas judiciais - em resumo, grande parte do aparelho pesado e cada vez mais impraticável de governos supostamente representativos.

Esta onda de luta política tão-pouco parará ao nível nacional. Ao longo dos anos e das décadas futuras, toda uma «máquina de leis» mundial - das Nações Unidas, numa extremidade, ao concelho municipal, na outra - enfrentará eventualmente uma crescente, e finalmente irresistível, exigência de reestruturação.

Todas estas estruturas terão de ser fundamentalmente alteradas, não por serem inerentemente más, nem sequer por serem controladas por esta ou aquela classe ou por este ou aquele grupo, mas sim porque são cada vez mais inviáveis, por já não corresponderem às necessidades de um mundo radicalmente mudado.



Estas estruturas já não corresponderem às necessidades de um mundo radicalmente mudado.

Essa tarefa envolverá muitos milhões de pessoas. Se tal mudança radical encontrar resistência rígida, isso poderá desencadear derramamento de sangue. Consequentemente, a pacificidade do processo dependerá de muitos factores - da flexibilidade ou intransigência das elites existentes, da mudança ser acelerada por colapso económico, de ocorrerem ou não ameaças externas e intervenções militares. Claramente, os riscos são grandes.

No entanto, os riscos de não mudarmos as nossas instituições políticas são ainda maiores, e quanto mais depressa começarmos tanto maior será a segurança.

Para construir de novo governos viáveis - e para executar o que poderá muito bem ser a tarefa política mais importante do nosso tempo - teremos de arrancar os clichés acumulados da era da Segunda Vaga. E teremos de repensar a vida política em termos de três princípios-chave. Na verdade, eles podem muito bem vir a ser os princípios radicais dos governos de Terceira Vaga de amanhã.



I - PODER DA MINORIA

O primeiro princípio herético do governo da Terceira Vaga é o do poder da minoria. Defende que o governo da maioria, o princípio legitimador-chave da era da Segunda Vaga, está crescentemente obsoleto. Não são as maiorias, e sim as minorias, que contam. E os nossos sistemas políticos devem reflectir cada vez mais esse facto.

Exprimindo as crenças da sua geração revolucionária, foi mais uma vez Jefferson quem afirmou que os governos se devem comportar com «absoluta aquiescência das decisões da maioria». Os Estados Unidos e a Europa, ainda no alvorecer da Segunda Vaga, estavam apenas a iniciar o longo processo que eventualmente os transformaria em sociedades industriais de massas. O conceito de domínio da maioria ajustava-se perfeitamente às necessidades dessas sociedades.



Hoje, como vimos, estamos a deixar o industrialismo para trás e a tornar-nos rapidamente numa sociedade desmassificada. Em consequência disso, esta a ser cada vez mais difícil - muitas vezes até impossível - mobilizar uma maioria ou constituir sequer um governo de coligação. Foi por isso que a Itália, durante seis meses, e a Holanda, durante cinco, estiveram completamente sem governo. Nos Estados Unidos, o cientista político Walter Dean Burnham, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, diz: «Não vejo a base para nenhuma maioria positiva em coisa alguma, hoje».

Porque a sua legitimidade dependia disso, as elites da Segunda Vaga afirmaram sempre falar em nome da maioria. O governo dos Estados Unidos era «do [...] para o [...] e pelo povo». O Partido Comunista soviético falava pela «classe trabalhadora». Nixon alegava representar a «Maioria Silenciosa» da América. E nos Estados Unidos, hoje, intelectuais neoconservadores atacam as exigências de novas minorias activas coma os negros, as feministas ou os chicanos e afirmam que falam pelos interesses da grande, sólida e moderada maioria do meio da estrada.

Sediados nas grandes universidades do Nordeste e nos depósitos de pensamento de Washington, raramente pondo os pés em lugares como Marietta, no Ohio, ou Salina, no Kansas, neoconservadores académicos aparentemente consideram a «Médio-América» como uma grande massa uniforme e suja de trabalhadores da construção mais ou menos ignorantes e anti-intelectuais e empregados dos escritórios e serviços moradores nos subúrbios. No entanto, estes grupos são muito menos uniformes ou monocromáticos do que parecem, à distância, aos intelectuais e políticos. O consenso é tão difícil de encontrar na Médio-América como noutro lado - na melhor das hipóteses é tremeluzente, intermitente e limitado a muito poucos problemas. Os neoconservadores podem muito bem-estar a envolver a sua política anti-minorias no manto de uma maioria mais mítica do que real.

Na verdade, acontece o mesmo no outro extremo do espectro político. Em muitos países oeste-europeus, partidos socialistas e comunistas alegam falar pelas massas trabalhadoras. No entanto, quanto mais nos afastamos da sociedade industrial de massas, tanto menos sustentáveis são as concepções marxistas. Pois tanto massas como classes perdem muito do seu significado na emergente civilização da Terceira Vaga.



Em lugar de uma sociedade estratificada, na qual alguns blocos maiores se aliam para formar uma maioria, temos uma sociedade configurativa - uma sociedade em que milhares de minorias, muitas delas transitórias, giram e formam padrões muito novos e transitórios, que raramente congelam num consenso de 51 % acerca de problemas importantes. O avanço da civilização da Terceira Vaga enfraquece assim a própria legitimidade de muitos governos existentes.

A Terceira Vaga também desafia todas as nossas ideias convencionais acerca do relacionamento do domínio da maioria com a justiça social. Também aqui, como em muitas outras coisas, assistimos a uma assustadora reviravolta histórica. Durante a era da civilização da Segunda Vaga a luta pelo domínio da maioria foi humana e libertadora. Nos países ainda em industrialização, como a África do Sul de hoje, continua a sê-lo. Nas sociedades da Segunda Vaga o domínio da maioria significou quase sempre uma sorte mais justa para os pobres. Pois os pobres eram a maioria.

Hoje, no entanto, em países abalados pela Terceira Vaga, acontece frequentemente o oposto. Os verdadeiramente pobres já não têm necessariamente a foça dos números do seu lado. Em muitos países, eles - como toda a gente - tornaram-se uma minoria. E, a não ser que se verifique um holocausto económico, assim continuarão.

Portanto, além de já não ser adequado como princípio legitimador, o domínio da maioria deixou de ser necessariamente humanizante ou democrático em sociedades a caminho da Terceira Vaga.

Os ideólogos da Segunda Vaga lamentam rotineiramente a desintegração da sociedade de massas. Em vez de verem nesta diversidade enriquecida uma oportunidade de desenvolvimento humano, atacam-na como «fragmentação e balcanização» e atribuem-na ao «egoísmo» despertado de minorias. Esta explicação trivial substitui a causa pelo efeito. O crescente activismo das minorias não é resultado de um súbito avanço do egoísmo; É, entre outras coisas, um reflexo das necessidades de um novo sistema de produção que requer para a sua própria existência uma sociedade muito mais variada, colorida, aberta e diversa do que jamais conhecemos.

As implicações deste facto são enormes. Significa, por exemplo, que quando os Russos tentam reprimir a nova diversidade ou conter o pluralismo político que a acompanha, estão na realidade (para usar o seu próprio calão) «a acorrentar os meios de produção» - desaceleram a transformação económica e tecnológica da sociedade. E nós, no mundo não comunista, enfrentamos a mesma opção: podemos resistir ao ímpeto para a diversidade num inútil esforço de ultima trincheira para salvar as nossas instituições políticas da Segunda Vaga ou aceitamos a diversidade e mudamos, consequentemente, essas instituições.

A primeira estratégia só pode ser implementada por meios totalitários e está condenada a ter coma resultado a estagnação económica e cultural; a segunda conduz a evolução social e a uma democracia do seculo XXI baseada na minoria.

Para reconstituirmos a democracia em termos de Terceira Vaga, precisamos de abandonar a assustadora, mas falsa ideia de que o aumento de diversidade traz automaticamente um aumento de tensão e conflito a sociedade. Na realidade, pode dar-se precisamente o inverso. O conflito na sociedade não só é necessário, como é também, dentro de certos limites, desejável. Mas se cem homens desejam todos desesperadamente o mesmo anel de latão, podem ser forçados a lutar por ele. Por outro lado, se cada um dos cem homens tem um objectivo diferente, e muito mais compensador para eles negociar, cooperar e formar relações simbióticas. Dentro de condições sociais apropriadas, a diversidade pode contribuir para uma civilização estável e segura.



É a falta, hoje, das instituições políticas apropriadas que agudiza desnecessariamente o conflito entre minorias, até ao gume de faca da violência. É a falta de tais instituições que torna cada vez mais difícil encontrar a maioria.

A solução destes problemas não consiste em sufocar a discordância nem em acusar as minorias de egoísmo (como se as elites e os seus peritos não fossem similarmente egoístas). A solução reside em novos arranjos imaginativos para acomodar e legitimar a diversidade - novas instituições que sejam sensíveis às necessidades rapidamente mutáveis de minorias que mudam e se multiplicam.

O advento de uma civilização desmassificada traz à superfície profundas e perturbadoras questões acerca do futuro do domínio da maioria e de todo o sistema mecanicista de votar para exprimir preferências. Um dia, futuros historiadores podem considerar a votação e a procura de maiorias um ritual arcaico realizado por primitivos comunicacionais. Hoje, no entanto, num mundo perigoso, não nos podemos dar ao luxo de delegar o poder total em alguém, não podemos prescindir sequer da fraca influência popular que existe nos sistemas maioritários, e não podemos permitir que minúsculas minorias tomem grandes decisões que tiranizem todas as outras minorias.

É por isso que devemos rever drasticamente os grosseiros métodos da Segunda Vaga pelos quais procuramos a esquiva maioria. Precisamos de novas abordagens concebidas para uma democracia de minorias: métodos cujo propósito é mais revelar diferenças do que encobri-las com maiorias forçadas ou forjadas baseadas na votação exclusivista, no enquadramento sofístico das coisas ou em processos eleitorais fraudulentos. Precisamos, em resumo, de modernizar todo o sistema a fim de fortalecer o papel de diversas minorias e, ao mesmo tempo permitir-lhes que formem maiorias.

Para isso, no entanto, serão precisas mudanças radicais em muitas das nossas estruturas políticas - a começar pelo próprio símbolo da democracia: a urna dos votos.

Em sociedades da Segunda Vaga, votar para determinar a vontade popular proporcionou uma importante fonte de feedback às elites dominantes. Quando as condições, por qualquer razão, se tomaram intoleráveis para a maioria e 51 % dos votantes manifestaram o seu descontentamento, as elites puderam, no mínimo, mudar de partidos, modificar políticas ou fazer qualquer outra acomodação.

Até mesmo na sociedade de massas de ontem, contudo, o princípio dos 51 % era um instrumento decididamente rombo, puramente quantitativo. Votar para determinar a maioria não nos diz nada a respeito da qualidade das opiniões das pessoas. Pode dizer-nos quantas pessoas em dado momento, querem X mas não com que intensidade o querem. Sobretudo, não nos diz nada acerca do que elas estariam dispostas a trocar por X - informação crucial numa sociedade composta de muitas minorias. Tão-pouco nos assinala quando uma minoria se sente tão ameaçada, ou atribui um significado de vida ou de morte a um único problema, o que talvez justificasse que as suas opiniões tivessem mais do que o peso habitual.



Numa sociedade de massas, essas conhecidas fraquezas do domínio da maioria foram toleradas porque, entre outras coisas, faltava a muitas minorias poder estratégico para perturbar o sistema. Na sociedade apurada de hoje, em que todos nós somos membros de grupos minoritários, isso já não acontece.

Para uma sociedade desmassificada de Terceira Vaga os sistemas de feedback do passado industrial são completamente grosseiros. Assim, teremos de usar a votação e o apuramento de votos de uma maneira radicalmente nova.

Em vez de procurarmos votos simplistas de sim ou não, precisamos de identificar trocas potenciais com perguntas como: «Se eu abandonar a minha posição sobre o aborto, abandonarão a vossa sobre despesas para a defesa ou sobre a energia nuclear?». Ou: «Se eu concordar com um pequeno imposto adicional sobre os meus rendimentos pessoais para o ano, a fim de ser destinado ao vosso projecto, o que é que oferecem em troca?»

No mundo para o qual estamos a correr, com as suas ricas tecnologias de comunicação, há muitas maneiras de as pessoas darem a conhecer tais opiniões sem sequer porem os pés numa cabina de voto. E há igualmente maneiras, como veremos em breve, de transmitir essas opiniões ao processo de tomada de decisões políticas.

Também podemos querer desmantelar as nossas leis eleitorais a fim de eliminar preconceitos anti-minoritários. Há muitas maneiras de o fazer. Um método completamente convencional seria a adopção de uma variante de votação cumulativa. Como a usada hoje por muitas corporações para proteger os direitos dos accionistas minoritários. Tais métodos permitem aos votantes manifestar não somente as suas preferências, mas também a intensidade e a ordem das suas opções.

Teremos quase com certeza de abandonar as nossas obsoletas estruturas partidárias, concebidas para um mundo de mudança lenta, de movimentos de massas e de comercialização em massa, e inventar partidos modulares temporários que sirvam configurações mutáveis de minorias - partidos de ligar e desligar do futuro.

Podemos precisar de nomear «diplomatas» ou «embaixadores» cuja missão não seja mediar entre nações, mas sim entre minorias dentro de cada país. Podemos ter de criar instituições quase políticas para ajudar minorias - quer profissionais, étnicas, sexuais, regionais e recreacionais, quer religiosas - a fazer e desfazer alianças mais rápida e facilmente.




Podemos, por exemplo, precisar de fornecer recintos em que diferentes minorias, numa base rotativa e talvez até ao acaso, se reúnam para comparar problemas, negociar acordos e solucionar disputas. Se médicos, motociclistas, programadores de computadores, adventistas do sétimo dia e panteras cinzentas se reunirem, com a assistência de mediadores treinados para clarificar problemas, estabelecer prioridades e resolver disputas, poderão ser formadas alianças surpreendentes e construtivas. No mínimo, as diferenças de opinião podiam ser apresentadas e a base de troca política explorada. Tais medidas não eliminarão (nem deverão eliminar) todo o conflito. Mas podem elevar a luta social e política a um nível mais inteligente e potencialmente construtivo - especialmente se estiverem ligados ao estabelecimento de objectivos a longo prazo.

Hoje, a própria complexidade dos problemas gera inerentemente uma maior variedade de pontos negociáveis. No entanto, o sistema político não está estruturado para tirar vantagem desse facto. Alianças e trocas potenciais passam despercebidas, aumentando assim desnecessariamente as tensões entre grupos, ao mesmo tempo que sobrecarregam as instituições políticas existentes.

Finalmente, podemos muito bem precisar de dar a minorias o poder de resolver maior número dos seus próprios assuntos e encorajá-las a formular objectivos a longo prazo. Podíamos, por exemplo, ajudar as pessoas de um bairro específico, de uma subcultura bem definida ou de um grupo étnico a formar os seus próprios tribunais de jovens sobre a supervisão do estado, disciplinando assim a sua própria juventude em vez de depender do estado para o fazer. Tais instituições criariam comunidade e identidade e contribuiriam para a lei e para a ordem, ao mesmo tempo que aliviariam as instituições governamentais sobrecarregadas de trabalho desnecessário.

Podemos, no entanto, achar necessário ir muito além de tais medidas reformistas. Para fortalecer a representação da minoria num sistema político concebido para uma sociedade desmassificada, podemos até, eventualmente, ter de eleger pelo menos alguns dos nossos funcionários da maneira mais antiga de todas: à sorte. Assim, algumas pessoas sugeriram seriamente a escolha de membros da legislatura ou do parlamento do futuro do modo como hoje escolhemos membros do júri ou tropas.

Theodore Becker, professor de Direito e Ciência Política da Universidade do Havai, pergunta: «porque será que decisões importantes de vida e de morte podem ser tomadas por pessoas que prestam serviço em [...] júris, mas as decisões quanto ao dinheiro que deverá ser gasto em centros de cuidados infantis e despesas de defesa estão reservadas aos seus "representantes"?».

Acusando as condições políticas existentes de enganar sistematicamente as minorias. Becker, uma autoridade constitucional, recorda-nos que embora os não brancos constituam cerca de 20% da população americana, detinham (em 1976) apenas 4% dos lugares na Câmara dos Representantes e apenas 1 % no Senado. As mulheres, que são mais de 50% da população, detinham somente 4% dos lugares na Câmara e nenhum no Senado. Pobres, jovens, gente inteligente mas sem capacidade de expressão e muitos outros grupos encontram-se em desvantagem similar. Mas isto não é apenas verdade nos Estados Unidos. No Bundestag, apenas 7% dos lugares são ocupados por mulheres e semelhantes preconceitos são evidentes em muitos outros governos. Tão grosseiras distorções não podem deixar de embotar a sensibilidade do sistema para as necessidades de grupos sub-representados.



Palavras de Becker: «Entre 50 e 60% do Congresso americano deveriam ser escolhidos ao acaso entre o povo americano, de modo muito similar, ao que leva as pessoas para o serviço militar, por recrutamento, quando são consideradas necessárias.» Por surpreendente que a sugestão possa parecer a primeira vista, obriga-nos a considerar seriamente se representantes escolhidos ao acaso fariam (ou poderiam fazer) pior papel do que os escolhidos pelos métodos de hoje.

Se nos permitirmos imaginar livremente por um momento, podemos descobrir muitas outras alternativas surpreendentes. Na realidade, dispomos agora das técnicas necessárias para escolher amostras mais genuinamente representativas do que o sistema de júri ou de sorte, com as suas exclusões preferenciais, sempre fizeram. Podemos construir um congresso ou parlamento do futuro ainda mais inovador - e fazê-lo, paradoxalmente, com menos perturbação da tradição.

Não temos de escolher um grupo de pessoas à sorte e remetê-lo literalmente, como outros tantos Mr. Smiths, para Washington, Londres, Bona, Paris ou Moscovo. Podíamos, se quiséssemos, conservar os nossos representantes eleitos, mas permitindo-lhes apenas empregar 50 % dos votos em cada questão, deixando os outros 50 % para uma amostragem de público ao acaso.

Usando computadores, telecomunicações avançadas e métodos de votação, tornou-se simples não só seleccionar uma amostragem ao acaso do público, mas também ir actualizando essa amostragem dia a dia e fornecer-lhe informações de último minuto acerca das questões em causa. Quando uma lei fosse necessária, o complemento total dos representantes tradicionalmente eleitos, reunindo-se do modo tradicional sob a cúpula do Capitólio, ou em Westminster, ou na Bundeshaus, ou no edifício da Dieta, poderia deliberar e discutir, corrigir e estruturar a legislação.

Mas quando chegasse o momento da decisão, os representantes eleitos usariam apenas 50 % dos votos, enquanto a amostragem ao acaso corrente - que não se encontraria na capital, mas sim geograficamente dispersa nas suas próprias casas ou nos seus escritórios - utilizaria electronicamente os restantes 50%. Tal sistema proporcionaria não só um processo mais representativo do que o governo representativo jamais apresentou, mas desferiria também um tremendo golpe nos grupos de interesses especiais e nos lobbies que infestam os corredores da maioria dos parlamentos. Tais grupos teriam de passar a «lobbyzar» o povo e não apenas alguns funcionários eleitos.

Indo ainda mais longe, poderíamos imaginar votantes de um distrito eleitoral a eleger não um único individuo como seu representante., mas sim uma amostra ao acaso da população.

Essa amostra ao caso podia servir directamente no Congresso como se fosse uma pessoa - com as suas opiniões estatisticamente computadas em votos. Ou podia escolher um único individuo, à vez, para o representar, instruindo-o (a ele ou a ela] quanto à maneira de votar. Ou...



As permutações oferecidas pelas novas tecnologias de comunicações são intermináveis e extraordinárias. Se reconhecermos que as nossas instituições e constituições actuais são obsoletas e começarmos a procurar alternativas, apresenta-se-nos subitamente toda a espécie de espantosas opções políticas nunca antes possíveis. Se queremos governar sociedades que correm para o século XXI, temos pelo menos de considerar as tecnologias e os instrumentos conceptuais postos a nossa disposição pelo século XX.

O que é importante aqui não são estas sugestões específicas. Trabalhando juntos no assunto, podemos sem dúvida encontrar ideias muito melhores, mais fáceis de implementar e de concepção menos drástica. O que é importante é o caminho geral que escolhermos percorrer. Podemos travar uma batalha perdida para suprimir ou submergir as minorias que hoje desabrocham, ou podemos reconstituir os nossos sistemas políticos para acomodarem a nova diversidade. Podemos continuar a utilizar os instrumentos toscos dos sistemas políticos ou conceber novos e sensíveis instrumentos para uma democracia de amanhã baseada na minoria.

À medida que a Terceira Vaga desmassificar a velha sociedade de massas da Segunda Vaga, creio que as suas pressões ditarão essa escolha. Pois se a política foi «pré-maioritária» durante a Primeira Vaga e - «maioritária» durante a Segunda, é provável que seja «mini-maioritária» amanhã - uma fusão de governo da maioria com poder das minorias.