Resposta minha a um artigo de Miguel Sousa Tavares
Miguel Sousa Tavares
Miguel Sousa Tavares: Não é só no futebol que no fim ganham os alemães. É no futebol, no atletismo, no automobilismo, no andebol, na equitação, no ski. É no desporto, na música, na literatura, na arquitectura, na construção de carros, de electrodomésticos, de máquinas industriais, etc., etc.
Diogo: Neste seu primeiro parágrafo, Miguel Sousa Tavares dá já um forte sinal do tom obtuso que acompanha todo o artigo.
O MST esquece-se que a Alemanha é o país mais populoso da Europa Ocidental. Tinha 60 milhões antes da união com a Alemanha Oriental - hoje, tem cerca de 83 milhões de habitantes.
A estatística ensina-nos que, em igualdade de circunstâncias e seja em que actividade for, um país com 80 milhões de pessoas tem 8 vezes mais probabilidades de ter desportistas ou cientistas bons, muito bons ou geniais do que um país com 10 milhões de pessoas. É simples matemática.
Agora, analisando alguns pontos referidos por MST:
1 - Quanto à construção de carros (quando estes eram ainda só produtos nacionais): os suecos, que são apenas 10 milhões, criaram a Volvo, a Saab e outras, marcas que em nada ficam atrás da Mercedes, da Audi ou de outras marcas alemãs.
Quanto aos ingleses, cerca de 60 milhões de habitantes, julgo que toda a gente já ouviu falar nos Rolls Royce, nos Bentley, nos Aston Martin, nos Jaguares, etc.
Mesmo a sulista e desorganizada Itália, com cerca de 60 milhões de habitantes, produziu o Alfa Romeo, o Maserati, o Ferrari, o Lancia, o Lamborghini, etc.
Um Volvo, um Aston Martin e um Maserati
2 - «Arquitectura, electrodomésticos e máquinas industriais»? Atente-se nalgumas empresas em países com uma fracção da população alemã: a sueca Electrolux, a holandesa Philips, a belga AGFA, a suíça Nestlé, a finlandesa Nokia, a irlandesa Diageo (da cerveja Guinness), a dinamarquesa LEGO ou a espanhola Iberdrola ficam atrás das empresas alemãs?
3 - «Na literatura»? Acaso franceses, italianos ou espanhóis são mais fracos que os alemães? E se falarmos dos ingleses, então os alemães levam uma valente tareia.
4 – Quanto à «música», a abada dos ingleses e irlandeses aos alemães é de um milhão a zero. Alguém conhece algum compositor ou grupo musical contemporâneo alemão? E quantos compositores e grupos musicais ingleses conhecemos? – Milhares! E creio que mesmo franceses, italianos e espanhóis, em termos musicais, estão à frente da Alemanha.
Três grupos musicais britâncos praticamente desconhecidos
Miguel Sousa Tavares: Podemos gostar ou não, podemos até desdenhar, mas a verdade é esta: no fim, ganham os alemães. E ganham, porquê? Porque trabalham mais, porque se focam nos objectivos, porque valorizam os resultados. Se alguém quiser entender por que razão a Alemanha está farta dos países do sul da Europa, ponha-se na pele de um alemão. E compare a selecção alemã, campeã do mundo, com, por exemplo, a portuguesa.
Diogo: Comparemos, então:
Jogos disputados entre os organizados alemães e os desorganizados portugueses (desde 1985):
Vou usar o símbolo (€) para indicar que se trata de uma Eliminatória:
€ - Campeonato do Mundo de 1986 (Fevereiro de 1985): Portugal - 1 / Alemanha Ocidental - 2
€ - Campeonato do Mundo de 1986 (Outubro de 1985): Alemanha Ocidental - 0 / Portugal - 1
Jogo Amigável (Agosto de 1990): Portugal - 1 / Alemanha Ocidental - 1
Jogo Amigável (Fevereiro de 1996): Portugal - 1 / Alemanha - 2
€ - Campeonato do Mundo de 1998 (Dezembro de 1996): Portugal – 0 / Alemanha - 0
€ - Campeonato do Mundo de 1998 (Setembro de 1997): Alemanha - 1 / Portugal - 1
Euro 2000 (Junho de 2000): Alemanha - 0 / Portugal - 3
Campeonato do Mundo de 2006 (Julho de 2006): Alemanha - 3 / Portugal - 1
Euro 2008 (Junho de 2008): Portugal - 2 / Alemanha - 3
Euro 2012 (Junho de 2012): Portugal – 0 / Alemanha - 1
Campeonato do Mundo de 2014 (Junho de 2014): Alemanha – 4 / Portugal - 0
Em suma, nos últimos 11 jogos entre Alemanha e Portugal (de 1985 até hoje), a Alemanha ganhou seis vezes (quatro dessas vitórias foram tangenciais, apenas por um golo de diferença), houve três empates e Portugal ganhou por duas vezes.
E é bom lembrar que, se no último jogo do Campeonato do Mundial deste ano (2014) a Alemanha ganhou por quatro a zero (com o português Cristiano Ronaldo, considerado o melhor jogador do mundo, a jogar aleijado - a somar a outros), o segundo resultado mais desnivelado entre as duas selecções deu-se no Euro 2000, em que Portugal ganhou por três a zero à Alemanha.
Sérgio Conceição festeja um dos três golos que marcou à Alemanha
Em termos de campeonatos do mundo, os desorganizados países do sul da Europa e os ainda mais desorganizados países da América do Sul pedem meças à Alemanha (que, afinal, nem sempre ganha).
O Brasil já ganhou cinco campeonatos do mundo, A Itália e a Alemanha já ganharam quatro cada, a Argentina e o Uruguai duas vezes e a Inglaterra, França e Espanha uma vez. Resumindo, dos 20 campeonatos do mundo já disputados, os desorganizados do sul (Brasil, Itália, Argentina, Uruguai e Espanha) ganharam 14. Os organizados do norte (Alemanha e Inglaterra) ganharam 5 (sendo que o campeonato ganho pela Inglaterra merecia ter sido ganho por Portugal [com Eusébio]), e a França (esta com um pé do lado dos organizados e outro do lado dos desorganizados) ganhou uma vez.
Nos 14 campeonatos da Europa até agora disputados, a Espanha e a Alemanha já venceram por três vezes, a França duas e a União Soviética, a Itália, a Holanda, a Checoslováquia, a Dinamarca e a Grécia, uma vez. Aqui, os organizados do norte (Alemanha, Holanda e Dinamarca) ganharam cinco vezes e os desorganizados do sul (Espanha, Itália e Grécia) ganharam outras cinco, sendo que os dois últimos campeonatos europeus foram ganhos pela Espanha. Portugal ficou uma vez em segundo lugar e três vezes em terceiro lugar.
Miguel Sousa Tavares: A selecção alemã que foi ao Brasil não tinha vedetas nem pequenas, nem médias, nem grandes. Não se davam ares de vedetas, nem fora nem dentro do campo. Umas vezes, esmagaram e fascinaram com o seu futebol de carrossel demolidor, outras vezes — como na final — correram, lutaram, sofreram, sangraram e, no fim, ganharam. Nenhum jogador quis dar nas vistas por outra razão que não fosse jogar futebol. Ali não havia ninguém com tatuagens, com penteados ridículos, com figurinos tipo Raul Meireles, com brincos nas orelhas, com pose de deuses inacessíveis de auscultadores enfiados nos ouvidos, fingindo-se alheios a tudo o que os rodeava, como se fossem superiores à gente comum.
Diogo: Talvez, em certa medida, o penteado burlesco, o escarafunchar do nariz e o capuz beneditino do treinador alemão, Joachim Low, compensem as tatuagens, os penteados, os brincos, as poses e o alheamento dos jogadores portugueses.
O treinador alemão, Joachim Low
Miguel Sousa Tavares: Não, os alemães passaram pelo Brasil confraternizando, querendo ver e saber, curiosos e contentes por ali estarem — tão diferentes dos nossos heróis do mar, fechados para o mundo em hotéis-fortaleza, onde só entravam cabeleireiros, tatuadores e agentes. Os alemães não passaram as conferências de imprensa a debitar lugares comuns e frases feitas sem conteúdo, próprias de quem jamais foi visto com um livro, uma revista ou um jornal na mão e passa os tempos livres a debitar selfies e banalidades nas redes sociais, imaginando-se o centro do mundo.
Diogo: Desconheço o grau académico dos jogadores alemães (suponho que sejam quase todos licenciados e doutorados). Tenho, contudo, experiência suficiente para afirmar que em qualquer ponto do globo, jogadores e treinadores de futebol só podem (e só estão autorizados, senão tramam-se) a debitar banalidades. O que aconteceria a um jogador que afirmasse que o «mister» era uma besta porque o deveria ter posto a jogar de início ou que dois colegas da sua equipa não jogam a ponta de um chavelho?
Ou, como sugere MST, os jogadores talvez devessem ter confraternizado com os habitantes locais, sobretudo, talvez, com as «piquenas»…
Uma habitante local desejosa de confraternização
Miguel Sousa Tavares: Os alemães mandaram ao Brasil uma verdadeira embaixada, para servir o futebol e honrar o seu país, enquanto nós mandámos um grupo de homens mimados e convencidos, comandados por dirigentes que não lhes souberam exigir que estivessem, em todos os aspectos, à altura da responsabilidade.
Diogo: Aqui, MST mostra-se mordaz e incisivo! Estou de acordo em relação à ineficiência dos nossos dirigentes desportivos. Fazem lembrar, em tons matizados, os nossos dirigentes políticos ou a chanceler Merkel.
Miguel Sousa Tavares: Mas, como em tudo o resto que fazem, os alemães também mandaram um grupo de jogadores que se portaram como verdadeiros profissionais, que trabalharam e treinaram no duro, enquanto que nós mandámos uma excursão de rapazes que se convenceram que os penteados e as tatuagens, por si só, conseguem ganhar jogos ou então ficar na fotografia que parece bastar-lhes.
Diogo: E, não obstante os penteados e as poses de Ronaldo, este foi eleito o melhor jogador do mundo pela Fifa e ficou com a Bola de Ouro da revista France Football em 2008, em 2013 e também em 2014.
E relembro que o Real Madrid, este ano (2014), foi a Munique, esmagar por quatro a zero, com dois golos (um deles fantástico) de Ronaldo, o Bayern local - que constitui a espinha dorsal dessa fabulosa seleção alemã - e que o Real Madrid conta na sua equipa principal com três portugueses: Cristiano Ronaldo, Fábio Coentrão e Pepe (brasileiro naturalizado português).
Cristiano Ronaldo depois de marcar o 4º golo do Real Madrid ao Bayern de Munique
Miguel Sousa Tavares: Não é por acaso que o campeonato alemão tem estádios cheios e que o público dá por bem empregue o seu tempo e o seu dinheiro, enquanto que o principal do nosso campeonato é jogado em estádios vazios e vivido sobretudo nos programas televisivos dos dias seguintes, a discutir se foi bola na mão ou mão na bola ou se a entrada de uma equipa em campo 2 minutos e 45 segundos depois da hora marcada condicionou ou não decisivamente o resultado de outro jogo. Nós discutimos, eles jogam. Nós tatuamos, eles treinam. Nós penteamos, eles correm. Nós somos recebidos e pré-condecorados pelo Presidente antes de começar, eles são apoiados na bancada pela chanceler quando chegam à final. Nós somos heróis antes de partir, eles são vencedores depois de ganharem. Não é por acaso que, desde que me lembro e tanto quanto me lembro, só dois jogadores portugueses (Paulo Sousa e Petit) jogaram no campeonato alemão e só um jogador alemão jogou no campeonato português (Enke).
Diogo: Esta última afirmação é bem reveladora do défice de neurónios e sinapses de MST.
A Alemanha tem 83 milhões de habitantes e Portugal tem 10 milhões. As grandes equipas de qualquer país encontram-se logicamente nas grandes cidades. É por isso que Benfica, Sporting e Porto são de Lisboa e do Porto. E é sabido que o número de grandes cidades na Alemanha é muito maior do que em Portugal. Logo, a Alemanha tinha obrigatoriamente que ter um leque muito mais vasto de equipas boas do que Portugal. E, como é lógico, um jogo entre equipas boas e com dezenas ou centenas de milhares de adeptos é muito mais interessante e gera muito masi receitas do que um jogo entre as equipas de Vila de Cima e de Vila de Baixo, cada uma delas com apenas algumas centenas de fãs.
Portugal só tem três equipas (sofríveis) - Benfica, Porto e Sporting - que são hoje de nível de segunda divisão europeia. E isto, porque são obrigadas a passar um ano inteiro a jogar com «mijas na escada». E, embora estes três clubes tivessem capacidade para ter boas receitas (porque têm um grande número de adeptos), não o conseguem porque as restantes equipas do campeonato português são medíocres. Resumindo, a quase totalidade dos jogos do campeonato nacional não têm interesse nenhum. E os estádios estão vazios.
Mas porque é que MST não olha para os campeonatos espanhóis e italianos, dois países do sul e, portanto, desorganizados? Não estão os estádios cheios e não dá o público por bem empregue o seu tempo e o seu dinheiro? Isto acontece porque a Espanha tem 45 milhões de habitantes e a Itália, a França e a [organizada] Inglaterra têm mais de 60 milhões de habitantes. Todos este países têm muitas cidades grandes, muitas delas com equipas com muitos adeptos e, portanto, com campeonatos de alto nível que geram grandes receitas (o que lhes permite irem buscar todos os bons jogadores dos países mais pequenos.
Imagens deste ano - 2014. O brutal contraste entre o jogo do Real Madrid - Atlético de Bilbau (com o estádio completamente cheio), e do Belenenses - Setúbal (com o estádio completamente às moscas).
Com a abertura das fronteiras e da livre circulação de pessoas, os bons jogadores das boas equipas dos países pequenos mudaram-se de armas e bagagens para as equipas dos campeonatos dos países mais populosos - Espanha, Itália, Inglaterra Alemanha e França. Porque, nestes países, o número de equipas boas é muito maior e, portanto, as receitas dos jogos também. Logo, vêm buscar os bons jogadores dos países mais pequenos.
É por isso que Benfica, Porto e Sporting desapareceram da ribalta, tais como os holandeses Ajax, Feyenoord e PSV Eindhoven, os belgas Anderlecht e Standard de Liège, os escoceses Aberdeen, Dundee United e Celtic de Glasgow, os austríacos Áustria de Viena e o Sturm Graz e tantos, tantos outros (de países com menos habitantes)...
Miguel Sousa Tavares: Não perguntem o que é que os alemães têm. É toda uma sociedade fundada no trabalho, no mérito, na responsabilidade, nos resultados. Goste-se ou não, isto não tem nada a ver com o fado. É outra cultura, é outra coisa.
Diogo: Mas, maior capacidade de organização não significa nem mais inteligência, nem mais talento, nem mais engenho.
É sabido que os povos que vivem em climas mais rigorosos têm de ser obrigatoriamente mais organizados. Porque, outrora, se eles não caçassem, semeassem e colhessem na altura certa e se não tivessem as suas cabanas bem preservadas, quando chegassem os rigores do inverno, ou estoiravam com fome ou com frio. Julgo até possível que os povos do norte tenham interiorizado geneticamente essa capacidade de organização.
À medida que se vai andando para sul e o clima se torna mais quente, essa necessidade de organização vai diminuindo. Há mais árvores de fruto, mais plantas cerealíferas, mais animais, mais gado e mais caça. A sobrevivência é mais fácil. Os climas mais quentes não exigem tanta capacidade de organização como as zonas de climas rigorosos.
Outro aspecto tem a ver com o grau tecnológico. Na antiguidade, Grécia e Roma foram o centro da civilização (e, antes deles, o Egito e a Mesopotâmia), enquanto os povos do centro e do norte da Europa (os germânicos, os nórdicos e outros) eram os bárbaros. À medida que a tecnologia ia chegando à Europa setentrional, os povos que lá viviam, graças à sua maior capacidade de organização (fruto dos rigores climáticos) conseguiram tirar maior partido dela (da tecnologia).
Bárbaros germânicos quando ainda eram escravizados por Roma
É por isso que a Suécia está mais avançada que a Alemanha, que a Alemanha está mais avançada que a França, que a França está mais avançada que a Espanha, que a Espanha está mais avançada que Marrocos, que Marrocos está mais avançado que o Mali e que o Mali está mais avançado que o Gana.
Estou a lembrar-me das palavras do piloto sueco-finlandês de fórmula 1, Keke Rosberg, quando lhe perguntaram porque é que tinha ido viver para o sul de França. Ele respondeu: "a Finlândia é demasiado limpinha para o meu gosto".
Também uma mulher africana (não me recordo de que país), que teve uma filha de um norueguês e que dava aulas de etnologia numa universidade em Oslo, passava seis meses na Noruega e seis meses seu país natal em África. Perguntaram-lhe porque é que não residia o ano todo na Noruega. Ela respondeu: "porque (no seu país) em África não há horários, não há segundas-feiras, nem terças-feiras, etc., e não há Janeiros, nem Fevereiros, etc". A precisão horária, diária e mensal, tão importantes para os europeus (e quanto mais a norte, mais importantes são), tornam-se irrelevantes numa zona com um clima quente onde se pode dormir ao ar livre e onde há alimentos durante o ano todo.
Alguns dirão: "os africanos vivem uma vida miserável, com fomes, doenças e guerras". Mas convém lembrar que foram as multinacionais dos «países organizados» que levaram para lá todas essas desgraças.
O Miguel Sousa Tavares pode ser filho de uma dinamarquesa e ter herdado a sua capacidade de organização. Mas não me parece que tenha herdado nem a inteligência do pai nem a arte da mãe...