quinta-feira, março 03, 2005

D. Luís Delgado - O Benzodiazepínico Moralizante

Descobri hoje a razão pela qual Luís Delgado é um caso de insensibilidade e presunção de dimensão tão incalculável {perdoem a hipérbole}: não compreendeu a Mensagem pessoana.

Luís Delgado diz hoje no Diário de Notícias, com a sua escrita simplista e desprestigiante para muitos bons redactores que, certamente, estão desempregados, o seguinte:

“ Mas vamos ao que interessa: quais são as causas que levam os portugueses a ingerir tantos antidepressivos, mais benzodiazepinas, e outros "calmantes", em linguagem popular?

É da crise? É do clima?, Ou é, na verdade, da nossa génese como povo deprimido, com fraca auto-estima, e incapaz de vencer os medos?

O V Império morreu por falta de imperador, e isso sempre nos levou a encarar a tristeza, o pessimismo e a falta de objectivos nacionais como um estigma insolúvel.

Portugal é um país feito de metades: uma sempre deprimida - que tende a crescer - e outra desinibida, que tende a exagerar. É o nosso fado.

Mas a verdadeira questão, que um estudo sobre esse consumo poderia revelar, é saber se os nossos jovens, as novas gerações, estão a conseguir ultrapassar a síndroma colectiva da falta de D. Sebastião. Não é seguro que assim seja.”

Ora, se D. Luís Delgado tivesse atentado bem naquilo que Pessoa disse, teria compreendido que o Quinto Império é um ideal colectivo e que a sublimação dos portugueses que o poeta vaticina não poderia nunca coexistir com a liderança de um imperador. Com efeito, D. Sebastião não representa a chefia da nossa nação para o alcance de grandes ideais e/ou valores próprios do Quinto Império; ele é, tão-somente, um paradigma necessário. Pessoa não nos pede que esperemos pela manhã de nevoeiro, mas sim que lutemos para que o nosso país se torne, um dia, no Quinto Império, para que “se cumpra Portugal”. Obviamente, Luís Delgado também critica a nossa dependência do mito – aí terá razão, mas é também certo que a dependência é NOSSA; Pessoa não a incutiu em nós, pelo contrário. O carácter onírico que imprimiu na sua obra parece até ser encorajador.

Quanto ao fado e às metades, também não estou muito convencida. Fado? Quem mistura o Quinto Império com fado? É preciso separar as respectivas providências. “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce” mostra-nos exactamente isso: Deus poderia ter correspondência com o Fado, mas ele é, ainda assim, só um incentivo. Que seria de Deus sem o Homem? Aliás, Hegel e Feuerbach provam-no bem. É ao Homem que cabe a árdua tarefa de transformar o seu destino. Qual fado, qual carapuça! Os portugueses tomam antidepressivos a mais porque os antidepressivos existem, pura e simplesmente (um chavão é sempre enobrecedor). A atitude de tomar um prozacquezito (um neologismo afrancesado) é tipicamente americana, e é da América que vêm os antidepressivos mais vendidos. Mas o que não é americanizado nos dias que correm? A dignidade pára em algum lado {a propósito, já reparam que estou a escrever numa máquina idealizada e fabricada em Silicon Valley?}? E os fármacos são solução para a mediocridade cultural e a degenerescência moral, ideológica e social do nosso país.

No que respeita aos jovens, é certo que ultrapassam a ausência de D. Sebastião. Se não o fazem com antidepressivos, têm os charros, que vão dar ao mesmo. Os que ultrapassam melhor são aqueles que desconhecem D. Sebastião ou o que ele tem representado desde a sua morte. Também há os que não querem saber do D. Sebastião para nada e os que, mesmo lendo artigos do Luís Delgado, não acreditam que o sonho acabou n’ “O Encoberto”. São os que temem tornar-se “cadáveres adiados” e os que sabem que “ser descontente é ser homem” e, por isso, concretizam, eles mesmos, o mito sebástico. São poucos estes jovens, mas eu tenho o prazer de conhecer alguns. Voilá, algo de bom!

A dada altura, Luís Delgado lança uma pérola epigramática que creio nunca mais poder vir a esquecer:

Convém olhar para isto com todo o pragmatismo, antes com antidepressivos, do que sem nada.

Agora cabe aos especialistas analisar as consequências. Um país de alienados também não é a receita certa e eficaz para dar a volta.

{peço perdão pela pontuação. Não sei se o autor escreveu isto mesmo assim ou se a edição do DN online é, de facto, rebelde. Mas sei que não gasto dinheiro a comprar um jornal no qual Luís Delgado assina uma coluna…}

Ora, imagine-se um indivíduo órfão, desempregado, com 14 filhos para sustentar e uma mulher chata como o caraças: a tendência primeira seria a de se entregar a uma vida desregrada (com álcool, drogas e, quem sabe, algum rock-n’-roll) para esquecer essas adversidades. Poderia recorrer aos antidepressivos em vez de se drogar com outras coisas já referidas, ou mesmo ainda não referidas – seria o caso dos panfletos propagandistas do PSD, por exemplo -, mas, como nos indica o Sr. Delgado, essa criatura estaria muito próxima daquilo a que chamamos convencionalmente pateta alegre. Tem piada que Luís Delgado primeiro gosta dos espécimes em causa (os “alienados”) e depois já deixa a sua utilidade ao critério dos “especialistas”. Os típicos portugueses são, para ele, depressivos. Eu cá acho que, não sendo nem parecendo propriamente depressivo, Luís Delgado é muito mais português do que todos os portugueses de que fala: à mínima dúvida, contrata, como todos os portugueses que se prezem, serviços de consultoria!

Enfim… vai um Prozac?

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