quinta-feira, novembro 13, 2008

A Banca - mantida pela fé, pela contrafacção e pela burla

Pedro Arroja, licencido em Economia na Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEUP) fez mestrado e doutoramento na universidade de Otava, no Canadá. Actualmente faz gestão de patrimónios, de fundos de investimento, de fundos de pensões e consultoria financeira. Transacciona nos principais mercados de acções mundiais, como Londres, Frankfurt, Zurique, Nova Iorque, Chicago, Tóquio, entre outras. Pedro Arroja defendeu (numa entrevista à Visão) que «A democracia tem destruído a autoridade».

Pedro Arroja publicou no seu blogue «Portugal Contemporâneo», a 19 de Novembro 2007, o artigo: Mantido pela fé

«Provavelmente, nenhum outro processo económico, como o processo da criação de dinheiro, ilustra tão bem como uma sociedade para funcionar precisa de fé - e de fé genuína.

Dinheiro é tudo aquilo que serve para efectuar pagamentos. As notas em poder do público mais os saldos das contas de depósito à ordem (sobre os quais se podem passar cheques ou fazer transferências bancárias) são dois activos que ocorrem imediatamente ao espírito. Eles constituem a definição de dinheiro a que os economistas chamam M-1: notas em poder do público mais depósitos à ordem.

O processo de criação de dinheiro é normalmente desencadeado pelo banco central comprando títulos da dívida pública, e depende criticamente dos hábitos do público no que respeita ao levantamento dos seus depósitos. Se por experiência se sabe que da totalidade dos depósitos existentes nos bancos, em cada momento o público não levanta mais de 5%, então basta aos bancos guardarem 5% dos depósitos sob a forma de notas, podendo emprestar o restante. A taxa de reservas obrigatórias (5%) é fixada por lei.

O Estado americano possui um défice de $1000. Emite títulos da dívida pública que vende ao Fed (Reserva Federal – Banco Central dos Estados Unidos), o qual paga os títulos com notas saídas da máquina impressora e entrega-as ao Treasury Department (TD – Departamento do Tesouro). A quantidade de dinheiro em circulação, neste momento, é de $1000 em notas, na posse do TD.

O TD utiliza os $1000 para pagar aos seus fornecedores, por exemplo, ao Ricardo que trabalha para o Governo como consultor militar. O Ricardo deposita este montante no Banco A. Este Banco guarda 5% como reservas ($50) e concede um empréstimo de $950 ao António para comprar uma bicicleta. A quantidade de dinheiro em circulação subiu para $1950, dos quais $1000 são depósitos (Ricardo) e $950 são notas em poder do António. (NB.: os $50 em notas detidos pelo Banco A sob a forma de reservas não são dinheiro, porque não podem servir como meio de pagamento; estão lá para fazer face aos levantamentos sobre as contas de depósito).

O António compra a bicicleta ao Francisco por $950. Este deposita os $950 no Banco B. O Banco guarda 5% ($47.5) como reservas e empresta o restante ($902.5) ao Bruno que precisa de comprar uma mobília. A quantidade de dinheiro em circulação subiu agora para $2852.5, dos quais $1950 são depósitos (Ricardo e Francisco) e $902.5 são notas em poder do Bruno.

O Bruno compra a mobília à Cecília por $902.5. Esta deposita os $902.5 no Banco C. Este guarda 5% em reservas ($45.125) e empresta o restante ($857.375) à Sofia para esta comprar um vestido. A quantidade de dinheiro em circulação subiu agora para ($3709.675), dos quais $2852.5 são depósitos (Ricardo, Francisco e Cecília) e $857.375 são notas em poder da Sofia.

Prosseguindo este processo indefinidamente, a quantidade de dinheiro acabará por subir a $20,000 sob a forma de depósitos (Ricardo, Francisco, Cecília, ...), enquanto os $1000 em notas emitidas pelo Fed estarão em reservas nos bancos ($50 no Banco A, $47.5 no Banco B, $45.125 no Banco C, ...), e, neste sentido, não contam como dinheiro.

A emissão de $1000 em notas pelo Fed aumentou a quantidade de dinheiro (M-1) em circulação no montante de $20,000, sob a forma de depósitos. A esta relação (20) dá-se o nome de multiplicador do crédito, o qual é o inverso da taxa de reservas obrigatórias (1 a dividir por 5%).

O Ricardo não tem dúvidas que possui um depósito de $1000 no Banco A, o Francisco um depósito de $950 no Banco B, a Cecília um depósito de $902.5 no Banco C, e assim por diante para os outros depositantes num total de $20,000 em depósitos.

Pura ilusão, porque os bancos onde eles depositaram o dinheiro não possuem, em conjunto, mais de $1000 em notas para fazer face a esses depósitos. Porém, enquanto esta ilusão persistir tudo corre bem. Somente no dia em que eles forem todos ao mesmo tempo levantar os seus depósitos aos bancos é que a realidade será revelada - os bancos não possuem mais de $1000 para fazer face aos levantamentos.

Nesse dia, os bancos vão à falência e o Ricardo, o Francisco, a Cecília, ..., ficarão sem o seu dinheiro e a saber que, na realidade, as suas contas de depósito eram pura ilusão. O sistema financeiro é mantido pela fé que todos nós possuímos que o dinheiro que depositamos nos bancos está lá para quando o quisermos levantar. Na realidade, não está.»


Comentário:

O exemplo de Pedro Arroja é (quase) excelente. Simplesmente, o Professor esqueceu-se de contar o resto da história: o dinheiro que depositamos não está lá, porque esse dinheiro não é real – foi forjado pelos bancos como dívida. É por isso que os bancos vão à falência se todos os depositantes forem todos ao mesmo tempo levantar os seus depósitos.

Desta forma, como no exemplo de Arroja, a partir de um depósito real de, digamos, $1000, os bancos emprestam $19,000, que não existem em lado nenhum, e cobram juros bem reais por essa ilusão. Isto não é usura, é roubo. Um roubo de proporções colossais.

O distinto economista Murray N. Rothbard, um acérrimo defensor da economia de mercado, conclui, de forma inequívoca, aquilo que Arroja não quis ou não soube aclarar:

Murray N. Rothbard é considerado um dos grandes pensadores no campo da economia, da história, da filosofia política, e do direito. Estabeleceu-se como o principal teórico austríaco na metade final do século XX, e aplicou a análise austríaca a tópicos históricos, como a Grande Depressão de 1929 e a história do sistema bancário americano. Rothbard combinou os pensamentos de americanos individualistas do século XIX com a economia austríaca.

Excerto de "The Mystery of Banking" [O Mistério da Banca, por Murray N. Rothbard]:

«Donde é que veio o dinheiro? Veio – e isto é a coisa mais importante que se deve saber sobre o sistema bancário moderno – veio do NADA (out of thin air). Os bancos comerciais – ou seja, os bancos que utilizam o sistema de reservas fraccionais – criam dinheiro a partir do nada. Basicamente fazem o mesmo que os contrafactores (falsificadores). Os falsificadores, também, criam dinheiro a partir do nada imprimindo alguma coisa que faz passar por dinheiro ou por um recibo de um depósito de dinheiro. Desta forma, retiram fraudulentamente riqueza da comunidade, das pessoas que ganharam verdadeiramente o seu dinheiro. Da mesma forma, os bancos que utilizam o sistema de reservas fraccionais contrafazem recibos de depósitos de dinheiro, que depois fazem circular como equivalentes ao dinheiro entre as pessoas. Há uma excepção a esta comparação: A lei não trata estes recibos dos bancos como falsificações.»


Os primeiros oito minutos e vinte segundos (8:20m) do vídeo 'Money as Debt' - legendados em português.


Dinheiro como Dívida - Money as Debt @ Yahoo! Video


A versão completo do vídeo em inglês (47m): Money as Debt

E a versão completa do vídeo em espanhol (47m): El Dinero es Deuda.
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12 comentários:

J. Lopes disse...

Se eu for ao meu banco e pedir emprestados 15 mil euros para comprar um carro, o banco cria esse dinheiro do nada. Se eu não puder pagar o empréstimo que diferença é que faz? Porque é que o banco não anula a dívida tal como a criaram... do nada para nada?
Indo mais longe, quando a crise do sub-prime estalou porque é que os bancos não anularam as dívidas?

Ana Camarra disse...

Diogo

Uma vez mais explicas isto de uma forma fascinante.
Eu nem sequer sou uma mulher de fé!
Esperança sim, mas fé nunca.

beijos

Diogo disse...

J Lopes,

Boas perguntas. Se fizessem isso caía-lhes a máscara e os proveitos. O negócio deles é: juros reais de empréstimos virtuais.


Ana,

O que me faz confusão é que os insiders explicam bem o embuste, uns por meias palavras, outros por palavras inteiras. Mas há pessoas que mesmo assim não querem perceber. Entretanto os bancos vai lucrando e rindo.

Anónimo disse...

Podes corrigir o link para o vídeo completo em inglês???

Excelente post e magnífica referência para o livro :)

Anónimo disse...

boas a todos,

diogo o que me faz mais confusão não é só as pessoas não acreditarem, é haver estes insiders que têm uma lata fabulosa, que mostram as patranhas, sabem que elas existem que fazem parte delas e ainda têm a cara de pau de vir falar delas sabendo perfeitamente que o pessoal ainda lhes vai bater palmas e continuar alegremente a ser enganado.

para quando justiça neste planeta?

abs,

rjnunes

contradicoes disse...

Eles vendem muito caro
o dinheiro dos depositantes
mas pagam-lhes juros baratos
mas com margens gritantes

Trata-se pois dum roubo
que lhes é pois consentido
o depositante caí num logro
da chamada canção do bandido

Quem precisa a eles recorre
na ânsia de poder resolver
as dificuldades em que incorre
mas que não consegue vencer

Nos empréstimos pessoais
os juros que são cobrados
com percentagens brutais
deixam clientes estrangulados

Diogo disse...

Anónimo, o link já está corrigido. Obrigado pelo elogio.


Caro Vigia, Rothbard é que me faz confusão. Penso que ele é honesto. Como é que ele, compreendendo e explicando tão bem a contrafacção do dinheiro pelos bancos continua, mesmo assim, a defender um sistema bancário privado?


Contradições: «Eles vendem muito caro o dinheiro dos depositantes»

Não, meu caro. Eles emprestam muito caro dinheiro falsificado, inventado, que não existe. É o maior roubo da história da humanidade. Ou em verso:

Mon mi, ce sont les banques
No seu mister malfadado
Cobram juros exorbitantes
Só por dinheiro inventado

alf disse...

nesta altura já deveria ser claro que os economistas percebem muito mal o sistema financeiro. E dão opiniões para todos os gostos. Estes dizem isto, outros dizem o oposto. Temos de usar a nossa cabecinha e não a deles.

No último post do outramargem mostro um problema essencial do sistema - ele tende fatalmente para dividir as pessoas em dois grupos, os muito pobres e os muito ricos. Isso é inerente às regras do sistema e não tem nada a ver com a banca. Com banca ou sem ela, com fabricação de dinheiro ou sem ela, o percurso é fatal - acaba sempre nos muito ricos, no nobres, dum lado, e dos muito pobres, da pleba, no outro.

a produção de dinheiro através do crédito tem sido uma forma de amortecer este destino fatal. De o atrasar. Mas não o evita.

Se os bancos não agissem assim, seria melhor? Podem começar a fazer as contas e ver se são ou não os bancos os culpados das crises. Não são.

(o culpado é cada um de nós qd quer pagar à mulher a dias o mínimo que pode... o empresário que protesta com o aumento do ordenado mínimo.. o culpado é a nossa insaciável ânsia de enriquecer, de ter mais e mais... por isso é que jogamos no euromilhões.. de não querermos limites ao enriquecimento.)

Diogo disse...

Caro Alf,

Então você acha que o controlo da produção de dinheiro e da quantidade de dinheiro em circulação por entidades privadas não tem influência na distribuição da riqueza? E que emprestar coisa nenhuma a juros é uma coisa de somenos? Então Alf?

Os bancos têm sido os culpados de todas as recessões, pelo menos nos últimos 200 anos.

alf disse...

Diogo

A minha opinião é a de que as recessões são inerentes às regras do capitalismo, com o sem bancos.

Se a capacidade de gerar riqueza crece com a riqueza possuída, e é isso que acontece, fatalmente se chaga à crise porque se gera uma pequena população que tem tudo e uma enorme que fica sem nada

O sistema tem regras para obviar a isso, por isso é que a ideia da «igualdade de oportunidades» é tão essencial; mas essas regras estão todas subvertidas, toda a gente quer «fazer batota»; e é por causa dessa «batota» que as crises acontecem.

Eu só me apercebi verdadeiramente disso aqui há uns anos atrás qd prestei alguma atenção ao sistema de ensino e verifiquei duas coisas: 1- o préprimário não arrancava porque isso seria um perigoso instrumento de igualdade de oportunidades (o filho do operário ser doutor? que ideia!)
2 - as notas para entrar em medicina, por exemplo, só pode ser fraude não é? Um ou outro ppode ter média de 19, mas aos centos é que não, não é verdade? Qualquer pessoa pode ver isso. Então porque é que ninguém actua? Ora, porque parece que todos os que podiam actuar tinham filhos e, portanto, queriam era aproveitar a fraude para os seus filhos.. (e continua tudo na mesma, ao que parece)

Por isso, a minha opinião é a de que os banqueiros são uns vigaristas... como todas as outras pessoas ou quase.

Será que estou uma visão muito negra dos humanos?

alf disse...

Só mais uma coisa: o grande beneficiário do dinheiro inventado pelos bancos são os clientes do banco - sou eu que pude comprar uma casa que doutra forma não poderia. Ninguém é obrigado a recorrer ao banco - as pessoas fazem-no porque isso lhes convem.

O problema está no facto de as pessoas estarem a empobrecer e assumirem compras atraves de crédito que já não vão poder pagar.

.. é mais ou menos a situação dos seringueiros qd o preço da borracha começou a cair relatada no «A Selva» do Ferreira de Castro...

Anónimo disse...

I like your blog