quarta-feira, dezembro 04, 2013

Alvin Toffler: A mudança revolucionária de dependermos de representantes eleitos para nos passarmos a representar a nós próprios.


DEMOCRACIA DIRECTA (II Parte)




Texto meu: «No último século e meio, o mundo civilizado só conheceu dois tipos de governo: o Ditatorial e a Democracia Representativa – qual deles o mais perverso. Entretanto, hoje, a evolução da Informática e das Telecomunicações está em condições de colocar o poder de decisão nas mãos dos cidadãos. De que é que estamos à espera?»




"A Terceira Vaga", do sociólogo Alvin Toffler, foi editado em 1980. Lançou o «slogan» da «terceira vaga» e dividiu a história humana até à data em três vagas: a primeira que correspondeu à revolução agrária, a segunda baseada na revolução industrial, e a terceira nascida desde o final da Segunda Guerra Mundial baseada no conhecimento. É a obra mais conhecida do autor e que o consagrou como futurólogo. Trinta anos depois, as suas palavras permanecem actuais.


Excerto de "A Terceira Vaga" de Alvin Toffler:



CAPÍTULO 28 - DEMOCRACIA SEMIDIRECTA


O segundo bloco de construção dos sistemas políticos de amanhã deve ser o princípio da «democracia semidirecta», uma mudança de dependermos de representantes para nos representarmos a nós próprios. A mistura das duas coisas é a democracia semidirecta.

Como já vimos, o colapso do consenso subverte o próprio conceito de representação. Sem acordo entre os votantes no círculo eleitoral, quem representa realmente o representante? Ao mesmo tempo os legisladores têm vindo a depender cada vez mais de apoio de pessoal e de peritos exteriores para a formulação das leis. Os membros do Parlamento britânico são notoriamente fracos em relação a burocracia de Whitehall porque lhes falta apoio de pessoal adequado, o que faz transitar mais poder do Parlamento para o serviço administrativo não eleito.

O Congresso dos Estados Unidos, num esforço para contrabalançar a influência da burocracia executiva, criou a sua própria burocracia: um Gabinete do Orçamento do Congresso, um Gabinete de Avaliação Tecnológica e outras agências e apêndices necessários. Por isso, o pessoal do Congresso aumentou de 10.700 para 18.400 na década passada. Mas isso serviu meramente para transferir o problema de extramuros para intramuros. Os nossos representantes eleitos sabem cada vez menos acerca da miríade de medidas acerca das quais tem de decidir e são obrigados a depender cada vez mais do critério de outros. O representante já nem sequer se representa a si mesmo.

Mais fundamentalmente, os parlamentos, os congressos ou as assembleias eram lugares onde, teoricamente, as reivindicações de minorias rivais podiam ser conciliadas. Os seus «representantes» podiam negociar por elas. Com os antiquados e rombos instrumentos de hoje nenhum legislador pode sequer manter-se ao corrente dos muitos pequenos grupos que ele ou ela nominalmente representa, quanto mais servir de medianeiro ou negociar efectivamente por eles. E quanto mais sobrecarregado ficar o Congresso americano, ou o Bundestag alemão, ou o Storting norueguês, tanto pior se tornará a situação.



Isto ajuda a explicar por que motivo os grupos políticos de pressão mono-problemáticos se tornam intransigentes. Vendo que é limitada a oportunidade de negociação ou reconciliação sofisticada através do Congresso ou das legislaturas, as suas exigências ao sistema tornam-se não-negociáveis. A teoria do governo representativo como supremo negociador também se desmorona.

O colapso da negociação, a pressão das decisões e o agravamento da paralisia das instituições representativas significam, a longo prazo, que muitas das decisões agora tomadas por pequenos grupos de pseudo-representantes podem ter de ser gradualmente retransferidas para o próprio eleitorado. Se os nossos negociadores eleitos não podem negociar por nós, teremos de o fazer nós próprios. Se as leis que eles fazem são cada vez mais longínquas das nossas necessidades, ou as satisfazem cada vez menos, teremos de fazer as nossas próprias leis. Para isso, no entanto, precisaremos de novas instituições e de novas tecnologias.

Os revolucionários da Segunda Vaga que inventaram o conjunto das instituições básicas de hoje estavam perfeitamente conscientes das possibilidades da democracia directa em oposição a democracia representativa. Houve vestígios de democracia directa, tipo faça-você-mesmo, na constituição revolucionaria francesa de 1793. Os revolucionários americanos sabiam tudo acerca dos municípios da Nova Inglaterra e da formação de consenso orgânico em pequena escala. Mais tarde, na Europa, Marx e os seus partidários invocaram frequentemente a Comuna de Paris como modelo da participação dos cidadãos na feitura e execução das leis. Mas as limitações da democracia directa eram igualmente bem conhecidas - e, nesse tempo, mais persuasivas.

«Em - The Federalist - foram levantadas duas objecções a tal inovação», escreveram McCauley, Rood e Johnson. Autores de uma proposta para um plebiscito nacional nos Estados Unidos. «Primeiro, a democracia directa não permitia nenhuma contenção ou dilação [adiamento] das reacções públicas temporais e emocionais. E, segundo, as comunicações desse tempo não podiam manobrar a mecânica do processo



Problemas legítimos, esses. Como teria um público americano frustrado e inflamado de meados da década de 1960, por exemplo, votado sobre se era de deitar ou não uma bomba atómica sobre Hanói? Ou coma votaria um público oeste-alemão furioso com os terroristas Baader-Meinhof, sobre uma proposta para instalar campos para «simpatizantes»? Que teria acontecido se os Canadianos tivessem feito um plebiscito a respeito de Quebec uma semana depois de René Lévesque assumir o poder? Presume-se que os representantes eleitos são menos emotivos e mais deliberativos do que o público.

O problema da reacção pública exageradamente emocional pode no entanto ser vencido de várias maneiras, tais como a exigência de um período de «arrefecimento» ou de uma segunda votação antes da implementação de decisões importantes tomadas via referendo ou outras formas de democracia directa.

Uma solução imaginativa e sugerida por um programa posto em prática pelos Suecos em meados da década de 1970, quando o governo pediu ao público que participasse na formulação de uma política energética nacional. Reconhecendo que à maioria dos cidadãos faltava conhecimento técnico adequado das várias opções energéticas, da solar à nuclear ou à geotérmica, o governo criou um curso de dez horas sobre energia e convidou qualquer sueco que o frequentasse, ou a qualquer curso equivalente a fazer recomendações formais ao governo.

Simultaneamente, sindicatos, centros de educação de adultos e partidos de um extremo ao outro do espectro político criaram os seus próprios cursos de dez horas. Esperava-se que participassem uns 10.000 suecos. Para surpresa de todos, apareceram 70.000 a 80.000 para discussões em casas e instalações comunitárias - o equivalente, na escala americana, a cerca de 2.000.000 de cidadãos a tentar pensar juntos a respeito de um problema nacional. Podiam empregar-se facilmente sistemas similares para anular as objecções à «sobre-emotividade» em referendos ou noutras formas de democracia directa.

A outra objecção também pode ser vencida, pois as limitações das antigas comunicações já não se atravessam no caminho da democracia directa alargada. Progressos espectaculares da tecnologia das comunicações abrem pela primeira vez uma espantosa gama de possibilidades de participação directa do cidadão na tomada de decisões políticas.

Não há muito tempo, tive o prazer de registar um acontecimento histórico - o primeiro «salão municipal electrónico» do mundo - na TV por cabo Qube, em Columbus Ohio. Utilizando esse sistema de comunicação interactivo, residentes de um pequeno subúrbio de Columbus participaram de facto, via electrónica, numa reunião política da sua comissão de planeamento local. Carregando num botão da sua sala, podiam votar instantaneamente propostas relacionadas com problemas práticos como divisão por zonas locais, códigos habitacionais e a proposta de construção de uma auto-estrada. Podiam não apenas votar «sim» ou «não», mas também participar na discussão e falar para serem ouvidos. Podiam até, pelo mesmo sistema de carregar no botão, dizer à pessoa que detinha a presidência quando devia passar para o ponto seguinte da agenda.




Esta é apenas a primeira e mais primitiva indicação do potencial de democracia directa do amanhã. Usando computadores avançados, satélites, telefones, cabo, técnicas de votação e outros instrumentos, uma cidadania instruída pode, pela primeira vez na história, começar a tomar muitas das suas próprias decisões políticas.

O problema não é uma questão de ou isto ou aquilo. Não se trata de democracia directa versus indirecta, de representação própria versus representação por outros.

Ambos os sistemas tem vantagens e há maneiras altamente criativas e ainda subutilizadas de combinar a participação directa dos cidadãos com a «representação» num novo sistema de democracia semidirecta.

Podemos, por exemplo, decidir fazer um referendo sobre uma questão controversa como o desenvolvimento nuclear, como a Califórnia e a Áustria já fizeram. Em vez de entregar a decisão definitiva directamente aos votantes, podemos, porém querer um corpo representativo - o Congresso, digamos - para debater e finalmente decidir.

Assim, se o público votasse pró-nuclear, um certo «pacote» de votos pré-designado poderia ser entregue aos defensores do pró-nuclear, no Congresso. Estes poderiam, com base na força da resposta pública, ficar com uma «margem» automática de 10 ou 25% no próprio Congresso, consoante a foça do voto «pró» no plebiscito. Deste modo, não há nenhuma implementação puramente automática dos desejos dos cidadãos, mas esses desejos têm algum peso específico. Trata-se de uma variante da proposta de Plebiscito Nacional mencionada atrás.

Muitos outros arranjos imaginativos se podem inventar para combinar a democracia directa e indirecta. Neste momento, membros do Congresso e muitos outros parlamentos ou legislaturas organizam as suas próprias comissões. Não existe nenhuma maneira de os cidadãos forçarem os legisladores a criar uma comissão para tratar de qualquer questão descurada ou altamente controversa. Mas porque não poderão os votantes ser directamente dotados, através de petição, com a capacidade de competir com um corpo legislativo a estabelecer comissões para tópicos que o publico - e não os legisladores – consideram importantes?


Insisto nestas propostas a favor do público não porque as aprove sem hesitar, mas meramente para sublinhar o ponto mais geral onde quero chegar: há maneiras fortes de abrir e democratizar um sistema que se encontra perto do colapso e em que poucos, se alguns, se sentem adequadamente representados. Mas temos de começar a pensar fora dos sulcos gastos dos passados 3oo anos. Já não podemos resolver os nossos problemas com as ideologias, os modelos ou as estruturas que sobraram do passado da Segunda Vaga.

Cheias de implicações incertas, estas novas propostas requerem cuidadosa experimentação local antes de as aplicarmos em larga escala. Mas seja qual for a maneira como sintamos a respeito desta ou daquela sugestão, as antigas objecções à democracia directa estão a tornar-se mais fracas precisamente na altura em que as objecções à democracia representativa se estão a tornar mais fortes. Por perigosa ou até excêntrica que possa parecer a alguns, a democracia semidirecta é um princípio moderado, capaz de ajudar-nos a conceber novas instituições exequíveis para o futuro.

17 comentários:

Batman disse...

Porque diabo me hei-de deslocar a uma escola secundária colocar um papelito com uma cruz num caixote, de quatro em quatro anos, e dar o meu aval a uns tipos que eu desconheço com um plano que eu ignoro, quando tenho um computador à minha frente onde posso votar em todos os assuntos que me interessam diariamente?

Manuel disse...

Não está provada a viabilidade da Democracia Directa e existem casos de sucesso em que é aplicada a Democracia semi-Directa (Suiça). Não me parece muito lógica a defesa da Democracia Representativa em pequenos Estados. Também não considero viável a Democracia Directa em Estados de grande área geográfica e populacional. O prioritário será desenvolver a consciência cívica e participativa e envolver os cidadãos nas decisões políticas.

Zé disse...

A democracia directa é aumentar o poder de cada pessoa, de cada cidadão que vive o seu dia-a-dia com dificuldades crescentes. Para isso, deve-se retirar o poder aos representantes políticos, ao estado e às organizações sociais representativas. Há que retirar o poder a esses senhores representantes que se julgam os maiores e acima dos outros e distribui-lo por todas as pessoas.

Diogo disse...

Batman – De acordo! Fazer uma cruz num papel, de quatro em quatro anos, não é voto, é um grunhido.


Manuel – Tanto a informatização como as telecomunicações estão a evoluir de forma exponencial. As ferramentas para a Democracia Direta já existem. Então porque não são colocadas em prática?


– Exatamente, caro Zé, e para tal, a tecnologia já está madura.

Anónimo disse...


Ó Diogo,

Então não fazes um posto em homenagem ao Mirandela?

Todos os blogs marxistas lhes prestaram grandes honrarias.

Faltas tu!.

Diogo disse...

Anónimo,

As minhas homenagens ao Mandela, sobretudo por isto:

Mandela sempre defendeu a luta pacífica contra o apartheid. Porém, a sua opinião mudou em 21 de março de 1960. Neste dia, policiais sul-africanos atiraram contra manifestante negros, matando 69 pessoas. Este dia, conhecido como “O Massacre de Sharpeville”, fez com que Mandela passasse a defender a luta armada contra o sistema.

Em 1961, Mandela tornou-se comandante do braço armado do CNA, conhecido como "Lança da Nação".

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A grande lição é - há violências que só podem ser combatidas com a violência.

E estou a lembrar-me da Máfia Financeira e respectivos lacaios que andam a sugar este Portugal.

Thor disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Thor disse...

só mesmo um cromo como o Diogo para defender o Merdela...

democracia directa? voto pela internet?
hehehe este Diogo é cá um "naive".
voto internético é a coisa mais fácil de fraudar e de manipular!

Anónimo disse...


Defendeu o Mortadela e as acções de luta violenta contra os "opressores" que construíram um pais organizado naquela região do mundo, onde antes não havia nada.

Mas por acaso ainda há dias vi um video feito por um canal sionista(A BBC) onde uns pretos queria de volta o antigo regime, pois havia trabalho, organização e não havia ondas sucessivas de violência.

Diogo disse...

Thor disse... democracia directa? voto pela internet? hehehe este Diogo é cá um "naive". Voto internético é a coisa mais fácil de fraudar e de manipular!


Caro Thor,

Uma coisa são aquelas máquinas norte-americanas que foram utilizadas (pelo menos) em 2000 que se limitavam a trocar uma cruz num papel pelo carregar num botão. Com o defeito, ainda, de serem completamente inescrutáveis.

Outra coisa é o voto em casa, em que todos os votos aparecem numa lista à vista de todos e em que eu posso confirmar que a soma do meu voto com somado a outros soma para a construção de uma creche foi maior (ou menor) que a soma dos votos para a construção do viaduto.

Mais, não lhe fazia mal nenhum começar a raciocinar… e de parar de repetir os chavões e os lugares-comuns pró-ditatorzecos de há 80 anos atrás!


Anónimo disse... «Defendeu o Mortadela e as acções de luta violenta contra os "opressores" que construíram um país pais organizado naquela região do mundo, onde antes não havia nada.»

Diogo: Havia uma civilização que estava num determinado estágio histórico que corresponderia ao neolítico, à idade dos metais, à antiguidade, ao feudalismo ou fosse o que fosse.

Mas que não viviam debaixo da escravatura de outros povos - a pior de todas as existências à face da Terra.

Thor disse...

votar construções de creches? de viadutos?
este Diogo não está bom da cabeça decerto...
e daqui a pouco, vota-se a construção de uma sanita ou uma torneira num WC público.

eu concordo que a democracia parlamentar indirecta é a forma mais odiosa e repugnante de democracia, mas daí a querer vender a utópica democracia directa como "a solução"...isso é de um rídiculo atroz.

olha lá, o voto electrónico e pela internet (com voto EM CASA) já existe, por exemplo, nas eleições de certos clubes de futebol. há e continua a haver fraudes que nem te passam pela cabeça. e não são fraudes pequenas.
fraudar votos, contagens, etc, é a coisa mais simples à face da terra.

pró-ditadorzecos? não conheço maior ditadura que a democratreta.
e a directa não foge à regra.

Anónimo disse...

"ditatorzecos de há 80 anos atrás"

Os de hoje são melhores. Não tem bigodes.

"Diogo: Havia uma civilização que estava num determinado estágio histórico que corresponderia ao neolítico, à idade dos metais, à antiguidade, ao feudalismo ou fosse o que fosse. "

Vai lá perguntar-lhes se querem voltar a viver da mesma maneira.
Sem electricidade, sem carros, sem comboios, sem agricultura, sem ensino, sem internet, sem telemóveis. Tudo inventos dos malfeitores que desenvolveram a .... TECNOLOGIA..... OOOOPSSS.
Ouviste bem, "Tecnologia".

Vai perguntar ás famílias dos mineiros mortos a tiro pela policia há dois anos, por protestarem contra a "escravatura", se a culpa era do branco ou se era do Mortadela.

Diogo disse...

Thor, ou começas a defender os teus pontos de vista e/ou a contrariar os meus de uma forma inteligente e com argumentos sólidos (ao invés de uma lenga-lenga vazia), ou os teus comentários serão apagados. Tolero aqui qualquer ideia, desde que tenha pés e cabeça. Mas não suporto a imbecilidade oca.



Anónimo, pergunto-te:

Preferias passar 14 horas por dia, durante todos os dias da tua vida, a minerar ouro, carvão, diamantes, ou a apanhar cana-de-açúcar, trigo e batata, a ser chicoteado, achincalhado e tratado abaixo de cão por outros gajos de outra cor, a dormir numa enxerga, a comer merda e a beber água salobra,

Ou,

Ter a vida a que os da tua tribo e os teus antepassados estavam habituados: a caçar, a pescar, a apanhar bagas e frutos, a fazer uma sesta depois do almoço, etc.

Tanto na primeira como na segunda hipótese, não terias eletricidade, nem carros, nem comboios, nem ensino, nem internet, nem telemóveis…

Anónimo disse...


"a ser chicoteado, achincalhado e tratado abaixo de cão por outros gajos de outra cor"


Johannesburg, South Africa, 1950s:
Fosga-se que chicotadas mais violentas.
Nossa, que biolência....

http://www.youtube.com/watch?v=ItzW1-OoElM

Diogo disse...

Ao último anónimo (a quem aconselho a arranjar um nickname):

Os piores cegos são aqueles que não querem ver:

http://www.youtube.com/watch?v=jwTP-pmOzBU

Thor disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Diogo disse...

Não Thor, não dizes coisa com coisa. Não há debate possível...