sexta-feira, dezembro 09, 2005

O Ópio do Povo




Quando Karl Marx escreveu em 1844 «A religião é o ópio do povo», ainda não havia o futebol-espectáculo dos dias de hoje.

Terá o comércio do futebol o efeito nefasto que a religião tem sobre a humanidade? Penso que não, porque a religião procura anestesiar os injustiçados prometendo-lhes justiça noutro mundo, noutras paragens, através da lavagem do cérebro das crianças e de uma sórdida vigarice baseada em lendas e fábulas. A religião promete a vida eterna aos que bem se comportarem nesta, ou seja, aos que se não revoltarem contra os poderosos, e ainda ao João César das Neves.

Mas deveremos interrogarmo-nos sobre o porquê da constante colagem dos políticos ao fenómeno “futeboleiro”.Os políticos sempre se procuraram associar aos gostos irracionais dos eleitores desde que sejam inócuos para as suas ambições e desde que os desviem dos problemas que supostamente aqueles se propõem resolver.

Recordemos Cavaco na eleição presidencial de 1995, «Eu sou católico», tentando aproveitar as superstições populares contra Sampaio. Infelizmente para Cavaco a religião já não lhe dá assim tantos votos porque a sociedade está mais laica e tolerante.

Daí que ultimamente se tenha tornado moda a assumpção do futebol entre os que pretendem o voto popular. É vê-los nos estádios, de sorriso largo a responderem com gosto aos entrevistadores sobre as suas paixões clubísticas.Alguns até se dão ao luxo de se tornarem comentadores na comunicação social em representação do respectivo emblema, o que além da popularidade lhes granjeia um complemento salarial para que possam evitar as agruras da carestia da vida, para poderem ir ao talho sem andarem a contar os tostões. Fernando Seara até engordou.

Num país cada vez mais sombrio e miserável, vendem-se três jornais desportivos diários com tiragens muito superiores às dos outros, há programas e canais de TV, de grande audiência, especializados na discussão dos problemas dos três maiores clubes. Os noticiários da rádio e TV abrem muitas vezes com notícias sobre os jogos de futebol.As pessoas com vida mais difícil utilizam grande parte do seu tempo a discutir as vantagens do seu clube face ao clube rival. E que grande orgulho e alegria quando acontece a vitória!

E apesar de todo este alarido em redor do espéctaculo futebolístico, a taxa de praticantes desportivos é muito baixa.Falar de política? Para quê? São todos uns aldrabões que só querem é tacho!Viver a própria vida, procurar a realização pessoal? Como, se o dinheiro apenas dá, e mal, para as necessidades básicas de uma vida sempre igual e repetitiva com longas horas na deslocação casa/trabalho?

O melhor é aproveitar o pouco tempo disponível para coisas mais simples como o futebol e a telenovela. Afinal um jornal desportivo até é barato e traz a provável constituição da equipa para o próximo jogo. A telenovela vê-se em casa e, no episódio seguinte, mais alguma heroína, da classe média/alta minoritária brasileira, aparecerá grávida.

Mas a população até é bastante patriota, como o comprovou Marcelo Rebelo de Sousa com o eco que o seu apelo para a colocação da bandeira nacional na janela teve, quando do Campeonato Europeu de Futebol.

Todo este entusiasmo foi bem entendido pelos Governos da Nação com o investimento nas infra-estruturas. Os oito novos templos de futebol são o orgulho do país e dos construtores civis. Foi melhor do que construir escolas ou hospitais porque já existem demasiados e são deprimentes.

Claro que os custos de manutenção destes templos são muito elevados. O estádio do Algarve, por exemplo, custa três mil contos só para abrir as portas para um jogo da III divisão nacional e já se encontra em processo de degradação por falta de manutenção. No entanto o actual Governo está atento. A redução dos custos com o funcionalismo público permitirá aquela manutenção por alguns anos.

Os construtores civis e outros empresários da nossa praça, que vivem com dificuldade do trabalho alheio, muitas vezes de emigrantes ilegais que felizmente lhes fazem um desconto bastante razoável no salário como forma de agradecimento pela não denúncia, sempre que podem tornam-se presidentes de clubes de futebol para assim poderem ser reconhecidos socialmente e ficarem com a vida mais facilitada no futuro.

O futebol que, até há uns poucos anos, era quase exclusivo da população masculina, saltou essa barreira e tornou-se vulgar também entre as mulheres.Agora foi a vez da Chanceller da Alemanha, Angela Merkel, afirmar «Sou uma grande fã do futebol».

O povo alemão ficou ciente que a democrata-cristã, chefe do governo e apóstola da desigualdade social, é um deles e está com eles porque também gosta de futebol.


Post também publicado no «A Correspondência de Fradique Mendes»

9 comentários:

isabel mendes ferreira disse...

e pronto. encontrei um blog que não é nem fútil nem "pouco". Parabéns.

MFerrer disse...

Cavaco Silva é o boneco do ventríloquo Arrebenta
O IzNoGood faz o seguinte resumo do debate de há pouco:

"Vêm aí milhões de imigrantes!
E os portugueses que se cuidem.
Votem em mim."
assim falou Cavaco Silva há pouco!

"Vou propor reuniões com o Parlamento, o Governo e vou fazer comunicações ao País para propor novas leis sobre a Justiça"

disse Cavaco!

Nada disse sobre todo o resto. Fugiu como o diabo da cruz de tudo quanto fosse comprometer-se com o País. Ou com as alternativas de políticas que têm sido seguidas pelos consecutivos governos de direita.

Que Alah tenha piedade dos que vão sofrer a continuidade dessas políticas.......caso Cavaco seja eleito !

Einxalá!"

E descobriu-se que afinal o Cavaco não é mais do que o "boneco" do ventríloquo Arrebenta

Bilder disse...

Como diria o outro,Bingo!Esse e o verdadeiro retrato social dos nossos tempo.A estrategia e sempre essa,dar qualquer opio ao povo para os distrair.Interessante que uns tais Protocolos do seculo 19,supostamente fraudolentos,ja previam o desporto(entre outras formas)como forma de controlo de massas!...
Vejam os meus links sobre controlo social no meu blog.

Biranta disse...

No que se refere a esta questão "o meu coração balança". Não consigo descirnir, com objectividade, se "a coisa" é assim porque é assim, ou se é assim porque se diz (se quer) que seja assim.
Vou tentar explicar melhor:
Há uns bons anos, existia, na SIC, salvo erro, um programa de Miguel Sousa Tavares, onde se discutiam problemas sociais...
Nunca me esquecerei deste facto:
Num desses programas, em que se discutia a justiça, foram recebidas cerca de 12 mil chamadas (de valor acrescentado); num outro programa, sobre futebol, foram recebidas menos de 3 mil chamadas... Se extrapolarmos para audiências, estão a ver a conclusão... O que é inegável é que os problemas reais, como os da justiça, mobilizam muito mais gente (neste caso quase o triplo).
No entanto, as televisões insistem no futebol e desistem de discutir, de forma digna e democrática, os outros magnos problemas sociais...
A situação é muito semelhante em relação à religião, podendo-se descrever inúmeros casos.
Por isto tudo ainda me parece que é, principalmente, mistificação...

Anónimo disse...

Mesmo antes de acabar de ler este texto, veio-me à memória a imagem do Jerónimo de Sousa passeando junto dos outros vips, logo após o jogo do Benfica com o MU!... Por isso, seria da mais elementar justiça colocar a foto dele, e de mais alguns, ao lado da daquele senhor que está lá em cima.
Penso que o texto não será muito claro nos seus objectivos!... Quererá dizer o ilustre escriba que os politicos são todos iguais???

augustoM disse...

Eu chamaria antes os Ópios do Povo.
Receita-se o analgésico conforme a doença do povo.
Religião, futebal e eu acrescento o voto, tudo o que leva o povo a pensar que manda e compreende, que tem como resultado o facciosismo desvairado, estimulado por todos aqueles que tiram partido dessa obcecação.
Óptimo artigo onde é bem demonstrado como os políticos compram o voto, usando para tal a punção mágica do Ópio
Um abraço. Augusto

Endovelico disse...

Há uma outra frase não tão célebre redigida por um monge franciscano cujo nome e época me escapam agora que devia ter acabado de traduzir o "Príncipe" de Maquiavel e que dizia mais ou menos o seguinte: "Se quereis manter o povo ignorante, dai-lhes artes e desporto".
Por razões "contractuais" teve de se abster de referir a terceira sugestão e foi preciso nascer o karlinhos para lhe completar o entretanto esquecido aforismo.
Mas parece que os únicos que disso se lembram bem são aqueles que nos presenteiam assiduamente com estas pérolas filosofais que são o futebol e o desporto em geral, as música pimba, hollywood e artes populares em geral. Que bem que se está nesta cultura (por cultura entenda-se aqueles pratinhos esterilizados onde se produzem testes de laboratório).

contradicoes disse...

Bem observado. Mas acabei de ler num post doutro blog algo não menos interessante. A geração do pós 25 de Abril como amadureceu num ambiente
aparente de vacas gordas, desinteressou-se pelos problemas do país se é que alguma vez estes lhe interessaram. São aqueles que ora votam PSD ou PS de acordo com as promessas eleitorais que estas forças políticas fazem. Tudo isto porque se preocupam essencialmente com os seus problemas esquecendo-se que vivem inseridos numa sociedade.
São os tais adeptos dos clubes de futebol capazes de dormir ao relento
ao estar horas numa fila para adquirirem um bilhete para um jogo favorito. Continuam a apreciar as telenovelas às quais se habituaram
de tenra idade. Por estas e outras que este País não sai da cepa torta.
Boas Festas para todos os colaboradores deste espaço.

Anónimo disse...

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