Pierre Lévy
UM "CHAT" COM PIERRE LÉVY
Eduardo Veras/Agência RBS - 23/05/2000
Texto em português do Brasil
Num futuro não muito distante, as fronteiras territoriais serão abolidas e ninguém mais vai precisar de líderes. A democracia estará disseminada pelo globo, e a humanidade viverá sob um único governo planetário. Tudo graças à rede mundial de computadores, a Internet. Pelo menos é o que espera o pensador francês Pierre Lévy, 43 anos, tido como o mais optimista dos filósofos europeus contemporâneos. Em sua quinta ou sexta visita ao Brasil (ele perdeu a conta), o autor de A Inteligência Colectiva realiza uma série de conferências sobre cibercultura. Nesta segunda-feira, pela manhã, em Porto Alegre, ele concedeu esta entrevista para a Agência RBS.
Agência RBS – O Sr. diz que a Internet criou um espaço democrático, em que mais gente tem acesso à informação e maior chance de se manifestar. Mas nem todo mundo tem acesso à Internet. Isso não acabaria aumentando a distância entre pobres e ricos, por exemplo?
Pierre Lévy – Os que têm acesso à Internet estão conectados com a inteligência colectiva, todos os conhecimentos possíveis e todas as pessoas, todos os grupos de discussão. É algo vivo e muito democrático. Uma comunicação horizontal, não como a do jornal, do rádio ou da TV, que é vertical. Quem participa do movimento da cibercultura vive num universo cada vez mais democrático. Os que não participam estão obviamente excluídos. Isso é muito inquietante. A boa notícia é que há um aumento do número de conexões. A Internet é o sistema de comunicação que se reproduziu mais rapidamente em toda a história dos sistemas de comunicação. Há 10 anos, havia menos de 1% do planeta conectado. Hoje, em certos países, na Escandinávia, 80% da população está conectada. Em certos Estados norte-americanos, já se ultrapassou 50%.
Agência RBS – Em países pobres é bem diferente.
Lévy – Os dois países do mundo em que o aumento de conexões é mais forte são o Brasil e a China. Você não pode ser impaciente. Já é extraordinária a rapidez com que tudo isso vem ocorrendo. Antes de a Internet chegar a todo mundo, é preciso tempo. Se você pensar que o alfabeto foi inventado há 3 mil anos e somente depois de alguns séculos a maioria da humanidade passou a ler...
Agência RBS – O Sr. acha que vivemos um momento tão importante quanto o do advento da imprensa?
Lévy – Mais importante. Quando se inventou a imprensa, o resultado mais importante foi talvez a criação da comunidade científica, graças aos livros e revistas que traziam números correctos, desenhos correctos. Com a imprensa, a humanidade pôde acumular conhecimento. Os sábios puderam se comunicar uns com os outros. O problema da memória foi resolvido. Os homens puderam se concentrar sobre a observação e a experimentação. Hoje, a participação activa não está mais limitada a um pequeno grupo, a comunidade científica. Todas as pessoas podem participar dessa inteligência colectiva. É uma escala maior. O resultado provavelmente em uma dezena de anos será o fim das fronteiras nacionais, um governo planetário, uma nova forma de democracia, com participação mais directa.
Agência RBS – Não haveria mais os líderes, as pessoas que comandam?
Lévy – No futuro, todo mundo vai comandar. Vão acabar as pessoas que comandam.
Agência RBS – É uma utopia.
Lévy – Sim. É uma utopia. Se você houvesse dito no início do século 18 que em dois séculos haveria o sufrágio universal na maioria dos países do mundo, diriam que você estava louco. A cada salto no sistema de comunicação, na inteligência colectiva da humanidade, se tem mais liberdade.
Agência RBS – O Sr. acredita que o advento da Web chega a afectar a construção do pensamento do homem contemporâneo?
Lévy – Isso já começou. As pessoas hoje não aprendem a contar como contavam antes da calculadora. O uso que se faz da memória é completamente diferente. Temos todas as informações disponíveis na Internet. Não precisamos mais saber as coisas de cor. Os instrumentos de percepção se tornaram colectivos. Do Canadá, posso saber o que se passa em Porto Alegre. Posso olhar por tudo, pelo interior do corpo humano, imagens médicas etc. Isso transforma totalmente nossa percepção do mundo.
Agência RBS – Isso muda a vida até de quem não tem acesso à Internet?
Lévy – Sim. Se muda todo o funcionamento da sociedade, muda também a sociedade para aquele que não está conectado.
Agência RBS – Como o Sr. vê o que poderíamos chamar de mau uso que se faz da Internet? A pornografia infantil, por exemplo.
Lévy – A Internet é uma espécie de projecção de tudo que há no espírito humano. No espírito humano, o sexo ocupa uma parte muito grande. É algo biológico. Se não fôssemos obcecados por sexo, não nos reproduziríamos. Temos uma certa agressividade. Se não tivéssemos, a espécie humana teria desaparecido. Essa agressividade nos serviu muito na época pré-histórica. Hoje, é preciso sublimar essa agressividade, assim como se faz com a sexualidade. Podemos sublimar a sexualidade no amor, por exemplo. Mas digamos que o instinto bruto permanece. Os comportamentos agressivos acabam se manifestando. O ciúme, os maus sentimentos que existem no espírito humano também vão aparecer na Internet. É um espaço de pensamento e comunicação em que não há censura. O que é interessante é que há menos hipocrisia.
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10 comentários:
Tem-se especulado ultimamente se a internet é um problema democrático ou se é a fundação da democracia real.
Muitos dizem que com a facilidade de circulação da informação na internet esta é boa para a liberdade de expressão. Por exemplo na China o número de utilizadores está a aumentar embora tenham bastantes restrições.
Por outro lado a Internet também é um forum para movimentos anti-democráticos.
Os tribunais e as grandes corporações estão a tentar criar um muro em torno de certas zonas do ciberespaço. Ao fazê-lo, estão a destruir o potencial da Internet para fomentar a democracia.
não é bem um muro
é fazer da internet um serviço pago como a TVCabo com os diversos canais incluidos ou não consoante se paga mais - ou menos.
Certos conteudos ficam arredados dos que não os podem pagar (ou não querem).
É um tipo de censura mais subtil, pq é do foro económico
oh palhaço, agora não te importas de citar judeus?
Muito interessante este tema e sobretudo a visão de Lévy. Pena é que não será nos próximos anos que se registará um aumento significativo de internautas de modo a que o seu pensamento se confirme. Ainda e tomando por base o nosso País um número muito escasso de pessoas têm acesso à internet ou possuem computador por forma a evitar serem manipuladas pelos órgãos de comunicação social tradicional que como sabemos exerce uma enorme influência nas suas tomadas de posição, contribuindo para modificarem a sua opinião em relação a determinadas matérias.
Diogo, meu rapaz, há um certo tipo de tontos que não consegue viver sem teleologias.
O reino dos céus, o paraíso comunista, etc,etc.
É gente de fraca cabeça...necessita que lhe apontem um sol qualquer, para se sentirem parte de algo maiores que eles.
Um sol, os deuses e os diabos.
Assim o mundo torna-se mais suportável.
As religiões servem exactamente para isso, chame-se a Deus o que se chamar, de Cristo a Horus, passando por Alá, Marx, Razão, internet, etc.
Você sabe, por acaso, quem assegura a estrutura física que permite a internet?
Investigue...e perceberá que é uma companhia privada americana.
E se fosse um pouco mais esperto do que é, saberia tb que há governos que controlam facilmente os conteúdos. China, Irão, Coreia do Norte, etc.
É impressionante como estes crentes deserdados de deus, passam a vida a saltitar à procura de novos deuses.
Uivemos, como diz o lobo!
«Pena é que não será nos próximos anos que se registará um aumento significativo de internautas de modo a que o seu pensamento se confirme»
Raúl:
O número de internautas está a crescer exponencialmente. Mais e mais pessoas têm acesso à Internet.
Xatoo,
As tuas apreensões têm toda a razão de ser. Também receio que comecem a dificultar o acesso a determinados conteúdos por expedientes económicos e outros. Já há uns tempos que tenho utilizado um «truque» que pode ultrapassar alguns desses condicionalismos:
Tenho muitos amigos que, embora possuam Internet, utilizam-na apenas para consultar o e-mail, ler as «notícias», consultar o saldo bancário e ver qual é a previsão meteorológica para o fim-de-semana.
O que eu faço é enviar por e-mail os «melhores» artigos que coloco no blog para toda essa gente. Desta forma, embora essas pessoas não consultem a blogosfera, eu faço-lhes chegar as «novidades». E, embora alguns nem sequer os leiam, outros, não só os lêem, como os reenviam para listas de outros amigos.
Ou seja, mesmo que no futuro próximo, um indivíduo não possa ter acesso a determinados sites, esse indivíduo continua a poder receber e-mails. Façamos-lhes chegar a informação por essa via.
«Diogo, meu rapaz, há um certo tipo de tontos que não consegue viver sem teleologias. O reino dos céus, o paraíso comunista, etc., etc. É gente de fraca cabeça...»
Caro Lidador,
Há teleologias para todos os gostos. O mundo, contudo, é objectivo. Eu sei que a probabilidade de o meu carro se aguentar numa viagem ao Algarve é muito razoável. Também sei que a probabilidade de hoje ir almoçar ao mesmo sítio de ontem é muito elevada. Sei também que a probabilidade de o meu computador funcionar hoje normalmente, também é muito grande.
Sei também que existe uma possibilidade real do controlo de conteúdos na Internet. Devemos pois começar a tomar algumas medidas. Eu tenho tido a preocupação de guardar todos os conteúdos que me parecem importantes - textos, vídeos e fotos - no meu computador e em discos externos. Você nem faz ideia do que cabe num disco de 300 GB.
Relembro as palavras de Luiz Brito Garcia, professor venezuelano - "Os meios de comunicação têm donos. A informação tem proprietários. Existem latifúndios, monopólios, impérios mediáticos. A propriedade ilimitada da informação de uns pressupõe a ilimitada desinformação de todos. Somente há comunicação entre iguais".
Se você se pretende manter um desinformado ilimitado, isso é consigo.
Diogo: "Eu tenho tido a preocupação de guardar todos os conteúdos que me parecem importantes - textos, vídeos e fotos - no meu computador e em discos externos. Você nem faz ideia do que cabe num disco de 300 GB."
Garcia: "A informação tem proprietários"
Conclusão: o Diogo é um "deles", logo não é um "igual", logo não é possível a comnunicação consigo.
P.S. Já sabe qual a companhia privada americana que lhe permite divulgar as suas bostadas?
Eu tenho um amigo numa agência de relações públicas, essa agência faz vários serviços para partidos políticos, organizações ou pessoas que precisam promover ideologias, ideias ou candidatos. Um dos serviços que fazem é colocar algumas pessoas a ver certos foruns na internet especialmente aqueles que defendem ideias contrárias a quem lhes paga. O que essas pessoas fazem são comentários depreciativos e ofensivos nesses foruns. São os chamados "agentes provocadores". O meu amigo deu-me a entender que este blog está nessa lista. A democracia directa é o futuro, votando em assuntos existe poder real, delegando o poder em outros para decidirem por nós somos escravos. Nenhum homem inteligente prescinde de poder ou gosta de ser escravo. Sugiro que os responsáveis deste blog façam alguma coisa relativamente ao agente provocador, estão a perder tempo, concentrem-se em difundir as vossas ideias em quem mostre interesse e não seja pago para vos chatear. Li algures que o www.pt.indymedia.org, também teve problemas com agentes provocadores.
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