Texto de Miguel Sousa Tavares - Expresso 16/06/2007
Nunca digas nunca
Vai fazer um ano que aqui exprimi pela primeira vez as minhas dúvidas sobre a súbita febre de Ota que atacou o Governo (“Foi você que pediu um aeroporto?”). Passado um ano, em que tudo li, ouvi e consultei sobre o assunto, as minhas dúvidas de então transformaram-se todas em certezas ou quase certezas. E, as que restam, passaram de dúvidas a desconfianças.
Tenho hoje a quase certeza de que a Portela não está saturada, ao contrário do que dizem, inocentemente ou não. Não está saturada hoje e não estará se e quando houver TGV e ele vier retirar à Portela uma grossa fatia de passageiros com origem ou destino no Porto e Madrid. E tenho a certeza de que as dificuldades de estacionamento na Portela se resolveriam com a anexação dos terrenos de Figo Maduro.
Tenho a certeza de que a melhor solução para Lisboa, no caso de saturação a prazo da Portela, seria a sua manutenção a par de um aeroporto alternativo, modesto e fácil de pôr em funcionamento, como sucede em todas as cidades europeias com grande movimento aéreo. A “Portela+1” seria a solução mais fácil, mais rápida de executar, que melhor servia os interesses da cidade e dos seus habitantes e de longe a mais barata para os contribuintes.
Tenho a quase certeza de que, se a solução “Portela+1” não foi contemplada no estudo da CIP nem no período de reflexão concedido pelo Governo, tal se ficou a dever a um acordo entre a CIP e José Sócrates. E tenho a certeza de que essa solução, justamente porque sairia infinitamente mais barata, é a que menos interessa ao sector financeiro, às sociedades de advocacia de negócios e de influências e ao sector empresarial que está habituado a só fazer grandes negócios quando eles envolvem grandes obras públicas. Não custa a perceber que o Governo do PS tenha aceite este compromisso com a CIP, desde que de fora ficasse a solução mais simples, e que o PSD não tenha esboçado um protesto por não se falar na hipótese da terceira solução. Estão em jogo os interesses dos grandes financiadores do “Bloco Central” - essa eterna tratação entre dinheiros públicos e interesses privados, que traz cativa, de há muito, a capacidade de desenvolvimento do país. Não percam tempo a tentar perceber se há mais “interesses” envolvidos na Ota ou em Alcochete: bilião a mais ou a menos, o que os interesses querem é um novo aeroporto, megalómano, de raiz e tão caro quanto possível.
Tenho a certeza, obviamente, de que entre a Ota e Alcochete - (e confirmando-se a inexistência de danos ambientais incomportáveis em Alcochete) - só mesmo um inimputável é que escolheria a Ota para um aeroporto internacional de Lisboa. Basta um olhar ao mapa para perceber que Alcochete fica mais perto, tem acessibilidades mais fáceis e está alinhado com o TGV para Madrid. Deve custar um terço da Ota e tem a inestimável vantagem de apenas envolver terrenos públicos - ao contrário da Ota, que tem alimentado intermináveis boatos e especulações sobre as jogadas com a propriedade dos terrenos. É ainda mais seguro em termos de navegação aérea, mais fácil e mais rápido de fazer e sem prazo de vida.
Mas também tenho enormes desconfianças sobre o fundamento sério desta súbita decisão governamental de ir estudar agora a alternativa Alcochete. É óbvio que, para já, ela salva do descalabro a campanha autárquica de António Costa, que vegeta sem nenhuma ideia nem projecto dignos desse nome. É óbvio também que a ‘pausa’ serve para não abrir um conflito com o Presidente e visa demonstrar que a célebre teimosia de Sócrates não é insensível à opinião da sociedade civil e à busca da melhor solução para o ‘interesse público’. Pois... mas, se assim fosse, se ambas as soluções estivessem afinal em aberto, não se percebe que continue em funções o ministro que há quinze dias jurava que na margem sul «jamais, jamais» (em francês), e que passou o último ano a pregar a política do facto consumado e do capricho pessoal. Em vez disso, e como vimos, logo no dia seguinte, Mário Lino recebeu, com o maior dos à-vontades, o lóbi autárquico da Ota, para lhe dizer que continuava com eles e que contassem com ele.
Há um ano, Mário Lino e José Sócrates diziam que tinham feito todos os estudos e que não havia dúvida alguma de que Lisboa precisava urgentemente de um novo aeroporto e que isso só podia ser na Ota. Depois, foi-se descobrindo que, afinal, os estudos não estavam feitos mas no início (o de impacto ambiental só agora começou), e que alguns deles, como o de engenharia, desmentiam a excelência da Ota. Descobre-se que nenhuma alternativa tinha sido seriamente estudada e algumas, como Alcochete, nem sequer tinham sido consideradas. Descobre-se que a “certeza” do esgotamento iminente da Portela não levava em consideração factores como a entrada em funcionamento do TGV e baseava-se em previsões de crescimento do número de turistas verdadeiramente mirabolantes. Descobre-se que a solução que o Governo quis impor à força é a mais cara, a mais incómoda para os passageiros, a mais insegura, a mais difícil de executar, a que menos interessa a Lisboa e a de menos futuro. E foi assim que foi tratada a obra pública mais importante das últimas e próximas décadas.
Tal como sucedeu com a regionalização, também agora os socialistas quiseram impor ao país um facto consumado, com “estudos” feitos e sem necessidade de discussão pública. Eu só espero que, como então sucedeu, também agora o país lhes dê a resposta que merecem. E que ninguém se deixe iludir por esta possível manobra de “pedimos desculpa por esta interrupção, a Ota segue dentro de momentos”.
Nunca digas nunca
Vai fazer um ano que aqui exprimi pela primeira vez as minhas dúvidas sobre a súbita febre de Ota que atacou o Governo (“Foi você que pediu um aeroporto?”). Passado um ano, em que tudo li, ouvi e consultei sobre o assunto, as minhas dúvidas de então transformaram-se todas em certezas ou quase certezas. E, as que restam, passaram de dúvidas a desconfianças.
Tenho hoje a quase certeza de que a Portela não está saturada, ao contrário do que dizem, inocentemente ou não. Não está saturada hoje e não estará se e quando houver TGV e ele vier retirar à Portela uma grossa fatia de passageiros com origem ou destino no Porto e Madrid. E tenho a certeza de que as dificuldades de estacionamento na Portela se resolveriam com a anexação dos terrenos de Figo Maduro.
Tenho a certeza de que a melhor solução para Lisboa, no caso de saturação a prazo da Portela, seria a sua manutenção a par de um aeroporto alternativo, modesto e fácil de pôr em funcionamento, como sucede em todas as cidades europeias com grande movimento aéreo. A “Portela+1” seria a solução mais fácil, mais rápida de executar, que melhor servia os interesses da cidade e dos seus habitantes e de longe a mais barata para os contribuintes.
Tenho a quase certeza de que, se a solução “Portela+1” não foi contemplada no estudo da CIP nem no período de reflexão concedido pelo Governo, tal se ficou a dever a um acordo entre a CIP e José Sócrates. E tenho a certeza de que essa solução, justamente porque sairia infinitamente mais barata, é a que menos interessa ao sector financeiro, às sociedades de advocacia de negócios e de influências e ao sector empresarial que está habituado a só fazer grandes negócios quando eles envolvem grandes obras públicas. Não custa a perceber que o Governo do PS tenha aceite este compromisso com a CIP, desde que de fora ficasse a solução mais simples, e que o PSD não tenha esboçado um protesto por não se falar na hipótese da terceira solução. Estão em jogo os interesses dos grandes financiadores do “Bloco Central” - essa eterna tratação entre dinheiros públicos e interesses privados, que traz cativa, de há muito, a capacidade de desenvolvimento do país. Não percam tempo a tentar perceber se há mais “interesses” envolvidos na Ota ou em Alcochete: bilião a mais ou a menos, o que os interesses querem é um novo aeroporto, megalómano, de raiz e tão caro quanto possível.
Tenho a certeza, obviamente, de que entre a Ota e Alcochete - (e confirmando-se a inexistência de danos ambientais incomportáveis em Alcochete) - só mesmo um inimputável é que escolheria a Ota para um aeroporto internacional de Lisboa. Basta um olhar ao mapa para perceber que Alcochete fica mais perto, tem acessibilidades mais fáceis e está alinhado com o TGV para Madrid. Deve custar um terço da Ota e tem a inestimável vantagem de apenas envolver terrenos públicos - ao contrário da Ota, que tem alimentado intermináveis boatos e especulações sobre as jogadas com a propriedade dos terrenos. É ainda mais seguro em termos de navegação aérea, mais fácil e mais rápido de fazer e sem prazo de vida.
Mas também tenho enormes desconfianças sobre o fundamento sério desta súbita decisão governamental de ir estudar agora a alternativa Alcochete. É óbvio que, para já, ela salva do descalabro a campanha autárquica de António Costa, que vegeta sem nenhuma ideia nem projecto dignos desse nome. É óbvio também que a ‘pausa’ serve para não abrir um conflito com o Presidente e visa demonstrar que a célebre teimosia de Sócrates não é insensível à opinião da sociedade civil e à busca da melhor solução para o ‘interesse público’. Pois... mas, se assim fosse, se ambas as soluções estivessem afinal em aberto, não se percebe que continue em funções o ministro que há quinze dias jurava que na margem sul «jamais, jamais» (em francês), e que passou o último ano a pregar a política do facto consumado e do capricho pessoal. Em vez disso, e como vimos, logo no dia seguinte, Mário Lino recebeu, com o maior dos à-vontades, o lóbi autárquico da Ota, para lhe dizer que continuava com eles e que contassem com ele.
Há um ano, Mário Lino e José Sócrates diziam que tinham feito todos os estudos e que não havia dúvida alguma de que Lisboa precisava urgentemente de um novo aeroporto e que isso só podia ser na Ota. Depois, foi-se descobrindo que, afinal, os estudos não estavam feitos mas no início (o de impacto ambiental só agora começou), e que alguns deles, como o de engenharia, desmentiam a excelência da Ota. Descobre-se que nenhuma alternativa tinha sido seriamente estudada e algumas, como Alcochete, nem sequer tinham sido consideradas. Descobre-se que a “certeza” do esgotamento iminente da Portela não levava em consideração factores como a entrada em funcionamento do TGV e baseava-se em previsões de crescimento do número de turistas verdadeiramente mirabolantes. Descobre-se que a solução que o Governo quis impor à força é a mais cara, a mais incómoda para os passageiros, a mais insegura, a mais difícil de executar, a que menos interessa a Lisboa e a de menos futuro. E foi assim que foi tratada a obra pública mais importante das últimas e próximas décadas.
Tal como sucedeu com a regionalização, também agora os socialistas quiseram impor ao país um facto consumado, com “estudos” feitos e sem necessidade de discussão pública. Eu só espero que, como então sucedeu, também agora o país lhes dê a resposta que merecem. E que ninguém se deixe iludir por esta possível manobra de “pedimos desculpa por esta interrupção, a Ota segue dentro de momentos”.
10 comentários:
Os políticos não são mais do que marionetas ao serviço de interesses obscuros. Aliás, os únicos seres que se mantêm de pé sem coluna vertebral são as marionetas.
É assustador verificar como as eleições são, crescentemente, uma mera formalidade para escolher os políticos que vão para o poder e não para decidir o que eles vão fazer ao poder que o povo lhes outorga.
Ao Diogo
Não sei se conhece este titulo,
"Confissões de um mercenário economico"
É uma auto biografia de um senhor chamado John Perkins.
Conta como o EUA e as suas grandes empresas influenciam governos de todo o mundo persuadindo-os o construirem grandes obras, autoestradas, aeroportos, redes eletricas, etc. O esquema passa pela apresentação de relatórios fraudolentos, pagamento de luvas e muito mais.
A intenção é o endividamento, e por consequencia a total dependencia dos credores, Banco Mundial , FMI e outros.
Dividas contraidas a juros altissimos que comprometem o futuro de gerações.
Teem outra intenção, subjugar totalmente a vontade desse povo aos designios dos Americanos.
O trabalho do autor deste livro era coordenar uma equipa que apresentava aos governos escolhidos planos para modernização das suas economias.
John Perkins intitula-se a si próprio um ME (mercenário Economico).
Diga-me uma coisa, será que estamos a ficar assim tão modernos que tambem já cá temos gente desta.
P.S.- Se alguem quizer comprar o livro na Fnac é um pouco mais barato.Vale a pena
Um abraço a todos
Podem escrever-se obscenidades nos comments? É que apetece mesmo dizer que estes políticos e empresários tratam o país como de fosse uma prostitua e eles fossem os seus proxenetas...
Zei,
Não conheço o livro mas despertou-me a curiosidade. A persuasão de Perkins deve ter sido música para os ouvidos de Sócrates.
Diogo,
quando esta polémica começou, circulou um mail, onde se comparava o "saturadissimo" aeroporto de Lisboa com (salvo erro!) o de Huelva, por acaso mais pequeno e com muito maior movimentação de passageiros.
Julgo que, caso alguém ainda tenha acesso a essa pérola, que não seria descabido obrigá-lo a nova circulação, para relembrar alguns números.
é muito interessante ler este artigo do Jorge Figueiredo:
"Novo aeroporto - O falso problema e o verdadeiro"
Sabe uma coisa,
País no mundo deve ter cidadãos
mais individualistas que o nosso
(eu sou um deles), cada um tem
um programa de governo que o sa-
tisfaça a ele (eu tenho o meu) e
quase todos nós, individualmente.
estamos contra todos os governos
que até elegeram (é o meu caso),
apreciamos quando se faz obra e
desconfiamos que houve ali maros-
ca (eu desconfio).
Numa coisa sei eu que somos dife-
rentes: nunca tenho a certeza nem
quase a certeza de nada no que
se refere ao nosso país (isto
não tem nada a ver com filosofia
ou religião)
Quer um exemplo? trabalhei 36
anos no Areop. Lisboa (empresa
privada, nada de coisas...) e es-
tava convencido que aquele aerop-
estava quase absoleto. Depois de
o ler deixei de estar convencido
disso
Mesmo assim gostei de ler o seu
artigo.
-fernando marques (Sintra)
qualquer politico de africa nao governa pior que os de lisboa! No entanto este POBVO nao merece MAIS. Votem no gaju do PSque querem por em LISBOA. Ate o Castelode S. Jorge vao VENDER.................
Meus Amigos,
Só consigo conceber que os politicos deste País se metam a construir um aeroporto megalomano, quando tivermos uma saúde condigna (acesso a nutricionistas, oftomologistas,medicina dentária etc.)no S.N.S. acessivel, Sistema de Justiça acessivel a todos os cidadãos, enfim ... Estou farto de ver promiscuidade.
Enviar um comentário