Texto de Miguel Sousa Tavares - Expresso 23/06/2007
O desvario dos socialistas
(…) O que me custa a entender é que se queiram gastar biliões num aeroporto novo cuja necessidade está por provar, e mais uns biliões num TGV para o qual se desconfia que não haverá utilizadores que o justifiquem, ao mesmo tempo que há gente a viver como nos subúrbios de África e a tratar da saúde em hospitais que parecem saídos da Idade Média. Custa-me a aceitar a convivência entre o luxo e a miséria, entre um país pobre e um Estado esbanjador.
Os nossos socialistas ‘modernos’ têm dois fascínios fatais: as obras públicas e os interesses privados. A simbiose que daqui resulta é a pior possível. O Estado, empenhado em mostrar grande obra a qualquer preço, contrata com os grandes interesses privados tudo e mais alguma coisa: as estradas, as telecomunicações, o ensino, a saúde, a defesa. E dá de si tudo o que tem para dar: terrenos e dinheiros públicos, património e paisagem, empreitadas e fornecimentos, concessões e direitos de toda a espécie. A confusão de funções, de papéis e de interesses entre o público e o privado que daqui resulta é total e perturbante. Anteontem, na apresentação do TGV (e tal como já havia sucedido com a da Ota), o Governo falou, não para o país ou os seus representantes, mas para uma plateia seleccionada dos grandes clientes privados dos negócios públicos: bancos, seguradoras, construtoras, empresas de estudos, gabinetes de engenharia e escritórios de advocacia. E o discurso foi lapidar: “Meus amigos: temos aqui 600 quilómetros de TGV a construir e dez mil milhões de euros a gastar. Cheguem-se à frente e tratem de os ganhar!”.
Dois dias antes, na Assembleia da República, o PS uniu-se como um todo para votar contra a proposta do PP, apoiada por toda a oposição, para que o estudo de uma alternativa à Ota contemplasse também aquela que é a solução que o bom-senso defende: a da chamada Portela±1. No dia seguinte, no ‘Público’, o americano do MIT Richard Neufville, uma autoridade mundial em aeroportuária, explicava por que razão a questão do aeroporto de Lisboa se resolveria melhor e infinitamente mais barato com o simples aproveitamento de uma pista já existente e a construção de infra-estruturas mínimas e eficazes para as «low-cost». Mas os deputados socialistas, representantes nominais do interesse público, não querem sequer que a solução seja considerada. Porquê? A resposta só pode ser uma: porque na Ota e no TGV estão em jogo muitos interesses, muitos biliões, que o Governo promove e protege e que o partido compreende.
Temos agora a questão do TGV. (...) ninguém sabe para que servirão. Não há estudos sobre a utilização prevista e a relação custo-benefício da sua construção. Depois de tranquilamente nos esclarecerem que, quanto aos custos de construção, a hipótese de a sua amortização ser realizada com as receitas de exploração é “totalmente para esquecer”, a própria secretária de Estado dos Transportes duvida de que, por exemplo, a linha para Madrid consiga ser auto-sustentável. Ou seja, depois de um investimento de dez mil milhões de euros a fundo perdido, preparam-se para aceitar tranquilamente um défice permanente de exploração. Quanto é que ele poderá vir a ser, ninguém sabe, porque não se estudou o mercado para saber se haverá passageiros que justifiquem três comboios diários para Madrid. Mas, para que os privados, que ficarão com a concessão por troços, não se assustem com a vulnerabilidade do negócio, o Governo garante-lhes antecipadamente o lucro, propondo-se pagar-lhes segundo a capacidade instalada e não segundo a capacidade utilizada. Isto é, se num comboio com trezentos lugares só trinta forem efectivamente ocupados, o Governo garante às concessionárias que lhes pagará pelos 270 lugares vazios. Todos os dias, três vezes ao dia para Madrid e eternamente, até eles estarem pagos e bem pagos. Eis o que os socialistas entendem por ‘obras públicas’ e ‘iniciativa privada’!
Alguma coisa deve estar tremendamente confusa na cabeça dos socialistas e do engenheiro José Sócrates. Eles não perceberam que não são nenhuma comissão liquidatária dos dinheiros e património públicos em nome dos ‘superiores interesses da economia’ (agora, vai a ria de Alvor, em projecto PIN...). Eles não perceberam que o interesse público não é construir aeroportos e comboios de luxo de que o país não precisa, para ‘estimular a economia’ e encher de dinheiro fácil empresários que não sobrevivem sem o Estado; que não é entregar todo o património natural e a paisagem protegida a especuladores imobiliários sem valor nem qualificação; que não é ‘emprestadar’ o CCB ao comendador Berardo para lhe resolver o problema de armazenamento da sua colecção de arte. Se isto é a esquerda, que venha a direita!
Comentário:
Isto não é a esquerda, nem o centro nem a direita. Isto é uma comissão liquidatária ao serviço da alta gatunagem. A propósito, eis alguns dos grandes clientes privados dos escandalosos negócios públicos:
15 comentários:
Corrijo - Estamos a ser «governados» por ladrões ao serviço de uma grande corja :)
Que este país está a saque
ninguém tem qualquer dúvida
somos governados por trastes
que não deixam na penúria
Isto não é a esquerda, nem o centro nem a direita.
Eu concordo, não é um problema de ideologia. Muitos portugueses, da extrema esquerda à extrema direita, do mais socialista ao mais ultra-liberal, todos já perceberam que a coisa não é ideológica, tem outro nome que todos sabem qual é, ligada não aos partidos, mas ao poder.
No entanto deixe-me dizer-lhe uma coisa importante. Dos partidos de poder, há um que dá mais nas vistas. Quem negociou os contratos ruinosos com a LusoPonte ? Quem negociou os contratos ruinosos das Scut's ? Quem lançou o Euro2004 ? Quem quer fazer a Ota ? Quem quer agora fazer o TGV adoptando precisamente o modelo ruinoso das Scut's, de deixar a factura e muitos juros para os governos e gerações seguintes ? Sabemos todos quem foi esse partido de poder.
O outro partido do poder, também poderiamos queixarmo-nos. A Expo, no entanto a Expo deixou um conjunto de obra feita que é realmente utilizada pela população, pelas empresas, instituições, pelo turismo, etc. Também poderiamos dizer que o outro partido de poder também sempre foi muito vago relativamente à Ota e ao TGV. Mas a verdade é que nunca tiveram os tomates de se meterem em tal megalomania. Tomates que parece que não faltam a outros....
Caro Anónimo,
Concordo com o que diz embora eu não faça distinção entre os partidos do poder. Não há ideologias. PS e PSD são financiados com os mesmos dinheiros e apoiados mediaticamente pelos mesmos grupos. Existem para se alternarem no poder. Quando a rapinagem através de um dos partidos se torna insustentável aos olhos da opinião pública, avança o outro partido com uma agenda semelhante mas uma retórica mais fresca. PS e PSD são na realidade um partido único com duas cabeças.
Na Expo-98 o Estado gastou, segundo creio, cerca de 350 milhões de contos. Dos milhões de turistas que se esperavam vieram apenas cem mil espanhóis da zona raiana. O Parque das Nações tornou-se uma selva de betão. No fundo, o Estado gastou uma fortuna para expropriar e limpar um valioso terreno junto ao rio e entregá-lo de mão beijada aos construtores. Para este resultado o Estado não precisava de ter gasto um tostão.
Assim isto nunca mais vai para a frente
Na Expo-98 o Estado gastou, segundo creio, cerca de 350 milhões de contos. Dos milhões de turistas que se esperavam vieram apenas cem mil espanhóis da zona raiana. O Parque das Nações tornou-se uma selva de betão.
Diogo, permita-me que discorde parcialmente de si, e ainda bem que surgiu essa oportunidade.
O Parque das Nações é um dos mais bem sucedidos investimentos públicos jamais feitos em Portugal. Você não pode olhar para as visitas da Expo, que essas pouco interessam. Tem que olhar para os quase 10 anos que se seguiram. O Turismo de Lisboa, realidade que eu conheço bem de perto, soube aproveitar extraordinariamente bem o Parque das Nações. Lisboa hoje a nivel turistico é uma cidade na moda, e o contraste entre a cidade velha e o parque das nações é do agrado dos turistas, que enchem a Net de belas fotografias da arquitectura do parque, do ocenário, da torre, da pala do siza, etc,etc.
Simultaneamente, houve uma explosão no turismo de eventos e congressos. Lisboa tem sido nos últimos anos uma das 6 ou 7 cidades com maior nº de congressos/grandes eventos e participantes no mundo. É uma coisa que passa despercebida porque já é banal, mas a quantidade de eventos internacionais que trazem centenas ou milhares de pessoas para a FIL é impressionante. E são pessoas com elevado poder de compra, quadros médios e superiores. E que nos inquéritos adoram Lisboa, querem voltar e recomendam aos amigos.
Olhe por exemplo para a quantidade de hoteis que se construiram em Lisboa nos últimos anos, e os que estão em construção. é uma industria que está a trazer muita riqueza, muitos empregos à Grande Lisboa. A Expo já está mais do que paga...
E era aí que eu queria chegar. Olhe por exemplo para o Euro2004. Deixou-nos um património para o futuro, que desses riqueza ao país ? Não, não deixou nada, apenas estádios vazios e câmaras municipais à beira da falência, com os orçamentos municipais hipotecados.
Quanto ao imobiliário da Expo. É verdade, fizeram uma grande obra que ainda por cima correu bem. É normal que o Imobiliário ajudasse a amortizar o dfeice. So que não souberam parar. Deviam ter parado, mesmo que isso constituisse um defice ao Estado. O Estado já mais do que recuperou esse defice. E de há uns anos para cá estão a estragar o que de bom fizeram. Estão a transformar aquilo numa selva como diz.
Mas diga-me, qual foi o partido de poder responsável por essa degradação do projecto inicial ? Pois ...
Esqueci-me de acrescentar, que o fim da Portela fará seguramente cair a competitivade de Lisboa como destino de congressos e city-break's...
Mais uma vez, há quem queira estragar o que de bom se fez. E fazer bem em Portugal tem sido tão raro ....
«O Parque das Nações é um dos mais bem sucedidos investimentos públicos jamais feitos em Portugal»
Caro Anónimo, permita-me que discorde de si. O grande objectivo da Expo-98 foi entregar aqueles terrenos, muito bem situados, à grande especulação imobiliária ao preço da chuva. E o Estado gastou nisso 350 milhões de contos.
Tivesse o Estado organizado um concurso público para expropriação e urbanização da zona, com a obrigação da construção de parques de exposições e congressos, oceanário e outras atracções turísticas, e os privados tinham-se esgatanhado para conseguir a sua suculenta talhada. Deste modo tinha-se conseguido rigorosamente o mesmo que lá está sem o Estado ter gasto um único tostão. Pelo contrário, poderia ter ganho muito.
Eu não gosto do Parque das Nações. É betão, é frio, é impessoal. A Estação do Oriente é uma central de camionagem. O restaurante da Torre fechou. Os moradores queixam-se da sobreconstrução, do trânsito caótico e do excesso de gente.
Quanto à Expo-98, propriamente dita, a imagem que me ficou foi a de uma velhota de 80 anos que ficou mais de 7 horas na fila para o pavilhão da Alemanha…
«o Governo falou, não para o país ou os seus representantes, mas para uma plateia seleccionada dos grandes clientes privados dos negócios públicos: bancos, seguradoras, construtoras, empresas de estudos, gabinetes de engenharia e escritórios de advocacia. E o discurso foi lapidar: “Meus amigos: temos aqui 600 quilómetros de TGV a construir e dez mil milhões de euros a gastar. Cheguem-se à frente e tratem de os ganhar!”»
E os felizes contemplados foram:
MSF, OPCA, Mota/Engil, Soares da Costa, Somague, Teixeira Duarte e Bento Pedroso, Fernando Ulrich, do Banco Português de Investimento, e de Santos Ferreira, da Caixa Geral de Depósitos.
Vejo esta e muitas outras denúncias, pertinentes, prementes, mas os aviões vão voar e os comboios andar, disso ninguém tenha dúvidas. Como já escrevi anteriormente, qual é a diferença entre não se poder falar e falar para o boneco? Para quando o controle da Democracia? Se for o Pacheco Pereira a responder dirá que ela controla-se a si mesmo, está-se mesmo a ver, não está?
Um abraço. Augusto
a propósito da especulação imobiliária feita em torno da Parque Expo
o que é um facto e que a receita teve tal "sucesso" que já se preparam para novas edições; p/e quando o candidato A.Costa fala no desmantelamento da Portela já está a preparar o terreno.
assim, quem votar nele já sabe ao que vai: mais um projecto megalómano numa cidade que perde cada vez mais habitantes.
Em todos os lados que tenho ido, verifica-se que as cidades são geridas em função dos seus habitantes naturais. Aqui não. Fazem-se coisas absolutamente desnecessárias, para os estrangeiros apenas com o olho o lucro.
Portugal tem 10 milhões de habitantes, mas tem um parque habitacional que poderia alojar 25 milhões! enquanto grande parte do construido ameaça derrocada e está desocupado
A proporção na capital não deve andar longe da mesma proporção, contudo vem aí mais do mesmo. Em vez de se tratar da reabilitação e do problema fulcral dos transportes colectivos, não - para a próxima década vamos levar com um programa de "um Santana de esquerda"
Ao Diogo
Não sei se será impressão minha, mas parece-me que o governo nos está a preparar para o facto de ir retificar o novo tratado da UE no parlamento, mas a promessa não foi essa, pois não?
Gravissimo, em minha opinião.
As implicações do tratado carecem de um debate serio, e o referendo é, em minha opinião, imprescindivel.
Um abraço
Estou de acordo com a maior parte das medidas deste governo. Mas não, no que diz respeito à construção de um outro aeroporto. É mais do que duvidoso que seja necessário, dado que, a médio termo, o número de passageiros poder vir a diminuir em vez de aumentar (dado o aumento do preço dos combustíveis). Quanto ao TGV é a loucura total.
O Sousa Tavares disse: «...gente a viver como nos subúrbios de África e a tratar da saúde em hospitais que parecem saídos da Idade Média.» e podia ter-se referido a muitas outras misérias.
Gostava de ler a vossa opinião se é mais importante o TGV e a OTA ou resolver primeiro estes problemas que no fundo são os problemas dos tesos.
Augusto: «Como já escrevi anteriormente, qual é a diferença entre não se poder falar e falar para o boneco? Para quando o controle da Democracia?»
Essa é a grande questão dos dias de hoje meu caro Augusto. Com os políticos, os media e os tribunais todos nas mãos dos grandes interesse económicos, que fazer?
Com a concentração de milhões de pessoas em estados, tivemos de delegar a nossa vontades em representantes eleitos. Mas estes, hoje, não passam de mandatários dos que os realmente os financiam.
Julgo que devemos voltar à democracia directa, a funcionar em rede, possível através da Internet. Juntamo-nos em grupos de dezenas, centenas ou milhares e colocamos todos estes tipos em tribunal: políticos corruptos, juízes a soldo, empresários da construção civil, banqueiros, gestores ladrões, etc.
Juntamos provas (e existem tantas) e vamos para os tribunais. Se os juízes se mostrarem «complacentes» ou demorados, metemos os juízes em tribunal.
A Internet possibilita a interacção entre a sociedade civil sem o crivo dos media. Vamos a isso!
Enviar um comentário