segunda-feira, julho 23, 2007

O ocaso dos partidos políticos?

Jornal Público - 21.07.2007

Texto de São José Almeida

Há um eleitorado de esquerda que não se revê no sistema que oscila entre os dez e os vinte por cento

Houve 20.006 eleitores que colocaram nos ombros de Helena Roseta uma enorme responsabilidade moral e histórica. Não que o número seja muito expressivo. Não que seja imensa gente. Mas é realmente muita gente. Tanta que garantiu a eleição de dois vereadores e o quarto lugar entre as forças políticas concorrentes, que pela primeira vez, na capital, não foram só partidos. Mas é seguramente o voto de gente que está farta, que gritou: "Basta!" É certamente o voto de gente que está cansada de ver os partidos do sistema alternarem no poder, dando palmadinhas nas costas uns dos outros e recorrendo sempre ao mesmo tipo de soluções, que dão origem ao mesmo tipo de problemas.

As eleições de Lisboa mostraram como o rei vai nu, como é cristalina a necessidade de mudança da forma de funcionar dos partidos do sistema político. Por um lado, a abstenção atingida de 62,61 por cento mostra como a descrença no sistema político leva à desistência e ao descrédito da própria representatividade eleitoral. Por outro lado, esta actual ordem de coisas é demonstrada pelo mais baixo número de votos colhido pelo PS na capital, 57.907 votos, menos 17 mil que Manuel Maria Carrilho, assim como pela hecatombe que atingiu todos os partidos. PCP (18.681 votos) e BE (13.348 votos) também baixaram drasticamente as votações. O CDS (7258 votos) foi varrido dos paços do concelho e o PSD (30.855 votos) dividiu-se, ficando parte ao lado do anterior presidente da câmara, Carmona Rodrigues (32.734 votos).

O desgaste do sistema político e partidário refém do aparelhismo mais tosco e manobrista viu-se de forma transparente nas eleições para a câmara da capital, mas já se viu também ao nível nacional, na candidatura de Manuel Alegre. E se há desgaste partidário fruto do aparelhismo, há também desgaste partidário fruto da falência de projectos. Não é por acaso que o CDS e o PSD se esboroam, o que é facto é que o programa político em curso pela acção governativa do PS de José Sócrates ocupou o espaço ideológico e as propostas de inspiração neoliberal, que tinham ficado fechadas sob a direcção Durão Barroso-Paulo Portas.

Mas para além da comprovação da crise provocada pelo anquilosamento actual dos partidos o resultado de Lisboa vem na continuidade do resultado para a eleição do Presidente da República, na qual Manuel Alegre, concorrendo também à margem do PS oficial, acabou por obter 20 por cento dos votos. Não é preciso ler nas cartas nem na bola de cristal para perceber que há uma linha de continuidade entre estes dois resultados. Basta apenas recordar, a nível formal, o papel que Helena Roseta teve na candidatura de Manuel Alegre. Mas há claramente uma continuidade ideológica nos dois movimentos. E seguramente uma continuidade de eleitorado.

Há um eleitorado de esquerda que não se revê no sistema que oscila entre os dez e os vinte por cento e que está disponível e quer tomar posição e ter em quem votar, mas que não quer dar o seu mandato a partidos em que não só não se revê, mas cujo modus operandi abomina. Um eleitorado que quer resposta de rigor a problemas concretos. Um eleitorado de esquerda para quem não basta ouvir um político dizer que é de esquerda e que é socialista e depois pôr em marcha um programa de reformas neoliberais centralizadas a nível europeu. Um eleitorado de esquerda que, mais do que palavras balofas sobre a revolução futura, quer ver hoje soluções reais que tenham em conta os interesses das pessoas e dirigentes políticos que giram a sociedade de forma a que todos estejam de igual forma perante a lei, haja bem-estar social e distribuição da riqueza.

É a esse eleitorado que Helena Roseta tem a obrigação moral e histórica de dar resposta. É público que a vereadora agora eleita já disse que vai manter o movimento Cidadãos por Lisboa até às autárquicas de 2009. Mas porquê não lançar novos movimentos de Cidadão por...? Porque não apostar noutras autarquias? E porque não apostar a nível temático e nacional? Porque não lançar o movimento dos Cidadãos pelo Ensino Público? Ou o movimento dos Cidadãos pelo Serviço Nacional de Saúde? Ou o movimento dos Cidadãos pelos Direitos de Género? Ou o movimento dos Cidadãos pelos Direitos dos Imigrantes? Grupos que integrem outros grupos ou personalidades com acção em áreas específicas ou cidadãos que se interessam por certos assuntos e deles percebem, mas que estão entregues à política do sofá lá de casa.

E porque não reunir, federar, todos esses movimentos cívicos e políticos autónomos sob o chapéu-de-chuva de um movimento nacional, que se assuma legalmente como um partido e seja activado para concorrer a eleições? Não é assim, por exemplo, que se faz política em democracias como a dos Estados Unidos? O que impede a sociedade portuguesa de romper com o atavismo de estar agarrada a estruturas partidárias esclerosadas que não resolvem os problemas das pessoas, que deixaram de existir para resolver os problemas das pessoas? Por que razão não pode a sociedade portuguesa avançar para uma prática política em que as pessoas sejam chamadas a participar pelas suas causas, por aquilo com que se identificam e essas várias lutas serem depois agregadas e unidas em plataformas eleitorais e em listas de um partido que funcione como face jurídico-constitucional? Não foi isso que tentou o Bloco de Esquerda quando se fundou, apesar de rapidamente ter evoluído para a fórmula tradicional de partido de poder?

Porque não pode a democracia participativa ser complementar da democracia representativa? Até que ponto assumir uma política de cidadania e de causas não será o passo necessário para ultrapassar a crise de descrédito das formações partidárias existentes e da própria democracia representativa e assegurar a proximidade aos eleitores?

Há oportunidades na história que não se repetem. E a urgência de mudar a forma de fazer política em Portugal ficou mais uma vez expressa nestas eleições.

25 comentários:

xatoo disse...

a máquina oligárquica de auto-preservação dos Partidos está bem oleada.Veio no jornal de hoje: Roseta teve de ir pedir um empréstimo bancário para suprir despesas efectuadas com a campanha eleitoral que, como se sabe não foi comparticipada por ser "intercalar"
Com que meios económicos vão as "alternativas participativas" poder concorrer com os filhos de Hondt?

Anónimo disse...

Acho que os políticos andam todos atrás de dinheiro e proeminência social. O governo é só um trampolim.

Diogo disse...

Xatoo,

Temos de compensar a propaganda oligárquica, que é a única que tem acesso aos jornais e televisões, com a mensagem boca a boca - o Marketing do Boca a Boca. Para isso é preciso cada vez mais Internet, o único meio que pode fazer um bypass aos media. Contra a concentração do dinheiro só podemos opor o aumento da comunicação peer to peer.

Tenho notado que mesmo a malta dos blogues ultraliberais tem uma percepção cada vez mais clara das aldrabices do sistema. A Internet é porosa. No fundo estamos todos a falar uns com os outros. O «consenso» mediático está a começar a levar pancada da comunicação em rede.

Aurora disse...

Não compreendo aquela «Não é assim, por exemplo. que se faz política em democracias como a dos Estados Unidos?»

Agradecia que elucidasse este cidadão ignorante.

Nuno

Diogo disse...

Caro Nuno,

Julgo que a São José Almeida se refere aos movimentos de cidadãos que têm uma grande tradição nos Estados Unidos. Com uma experiência de «menos estado» têm habitualmente uma maior propensão do que os europeus para se juntarem e resolverem os próprios problemas.

Essa tradição de «menos estado» não impediu, contudo, que as indústrias da Defesa e do Petróleo tomassem conta desse mesmo estado e o utilizem a seu bel-prazer.

Anónimo disse...

Neste atabalhoado de ideias da SJA confundem-se 2 termos básicos e completamente distintos entre si: o de partido político e o de associação cívica. Esta proposta não é nova, deve ter pelo menos a idade do amadurecimento da mais velha democracia do Mundo. Quando a democracia se estabiliza os cidadãos tendem a descurar a política. Erro fatal, porque a democracia é o sistema político que mais depende da participação política dos cidadãos anónimos. A esta tendência (o desinteresse dos cidadãos pelos partidos), surge correlativamente um outro: o interesse pela participação e associação cívica. Embora não seja tão visível como noutros países, mesmo no marasmo em que se tornou Portugal podemos verificar esta dupla tendência.

Agora querer que um movimento cívico (que são sempre single issues) se transforme num partido político é tornar a questão numa pescadinha de rabo na boca. Porque se quisermos ter uma discussão verdadeiramente sadia acerca do aperfeiçoamento da democracia temos de nos deixar de tretas acerca de pessimismo e optimismo antropológico, e atermo-nos ao simples facto do REALISMO antropológico. A Democracia nunca será um sistema de governo ideal (e como tal, utópico) pela simples razão de que a democracia é a ciência das coisas possíveis (ou se quiser, dos males menores). Pode ser aperfeiçoada? Seguramente. Tem defeitos? Não há qualquer dúvida sobre isso! Mas é o sistema (daqueles que já foram experimentados pela humanidade) que oferece menos violações aos direitos humanos. Os partidos políticos são a deriva de tudo isto: organizações formadas por Homens, cuja única função é a procura do poder, e ao consegui-lo, a sua consecução. Ver nos partidos políticos algum rasto filantrópico é estar a evitar a realidade. Um partido é aquilo que é, e vejam a propósito disto a tenacidade com a qual o BE lutou para não ser conotado enquanto partido político, e toda a sua argumentária se baseia na distinção entre o BE e o formato tradicional de um partido.

Uma associação cívica nasce por consequência, não de uma visão global acerca do destino de uma comunidade (como um partido), mas de uma preocupação isolada e pontual. Um exemplo: uma associação de cidadãos que lute para despenalizar a eutanásia. Terá esse grupo alguma consciência colectiva (cada participante terá a sua, o que não equivale a dizer que seja partilhada pelos demais) acerca de questões ambientais, judiciais ou fiscais?

A realidade a que a SJA se refere no texto é à importância que os LOBBIES têm nos EUA. Ora, como se sabe, LOBBY é uma palavra da qual os portugueses fogem como o diabo da cruz. Para o português médio não há diferença alguma entre um lobby e uma associação secreta, nem aparentemente de uma organização mafiosa, filo-fascista e/ou um cientista louco que quer dominar o mundo. O português concebe as confederações patronais como um lobby (o que em português vernacular é sinónimo de grupo de FDP); a Maçonaria / Opus Dei como um lobby (uma só delas será um lobby, dirá qualquer português, dependendo para tal se o tal tuga se posicione à direita ou à esquerda); as associações de homossexuais são também um lobby (podera -pensará o nosso tuga-, esses tarados...). Agora, um sindicato não é, para o mesmo tuga, um lobby. Não pode ser um lobby. É quando muito uma associação filantrópica, sem quaisquer interesses classicistas (no sentido marxista do termo), nem corporativistas (mesmo um ateu da Intersindical, se benzerá ao ler estas linhas), ou quiçá, uma agremiação excursionista. Tudo isso sim! Um lobby, jamais!

Um movimento cívico é, no verdadeiro sentido da palavra, um LOBBY. E a sua função será sempre pressionar os poderes fácticos e órgãos de soberania para que o seu single issue vá para diante. Querer formar uma associação cívica, que posteriormente se desenvolva enquanto partido político, mas que não comungue dos pecados capitais (e eu diria mais: capitalistas) de um partido político, é novamente olhar para a democracia com um caleidoscópio utópico colado aos olhos. E como diria Jean-Luc Domenach: "a intrusão da utopia na política coincidiu muito precisamente com a do terror político na sociedade".

Diogo disse...

Dou-lhe razão em quase tudo, meu caro Mágico Realismo, mas penso que esquece um dado novo e fundamental - o avanço tecnológico nomeadamente na informática e nas telecomunicações.

Até à actualidade e devido ao tamanho colossal das comunidades onde nos inserimos, comunicando apenas com um grupo restrito de pessoas, não havia outro remédio do que termos como sistema político a democracia indirecta (vamos-nos ficar apenas pela democracia), com os seus representantes eleitos, os seus partidos, as suas virtudes, os seus defeitos e os seus males maiores e menores.

E, evidentemente a par dos partidos, os lobbies, na acepção alargada da palavra: movimentos cívicos com os seus «single issues», sindicatos, associações patronais, corruptores por conta de empresas, etc.


Contudo, a internet está a começar a colocar esta realidade de pernas para o ar. Ao ligar-nos virtualmente a um número cada vez maior de pessoas em formato «peer to peer» amplificou-nos enormemente os horizontes comunicacionais. Do isolamento receptivo (a informação só nos chegava pelos media), passámos à comunidade informacional em rede. Graças à Net, discuto, troco impressões, comunico, recebo e transmito informação como nunca foi possível até hoje. A Net possibilitou-nos a todos a comunicação virtualmente com um número astronómico de outros indivíduos. Os elementos isolados das grandes comunidades começaram a falar uns com os outros.

Este facto novo, a comunicação em rede, está a permitir contornar tanto os media como os nossos representantes eleitos. Ao fazê-lo está a possibilitar novas formas de democracia directa, sem delegados. A informática e as telecomunicações permitem o voto electrónico, a qualquer hora do dia, várias vezes por dia e sobre qualquer assunto. O paradigma político está a mudar. Estamos a regressar em novos moldes à democracia directa. Estamos a regressar à antiga Grécia. A uma Grécia virtual.

xatoo disse...

não existe qualquer contradição entre "partido político e associação cívica", além do mais, nem é disso que o artigo fala.
Para quem não leu o "Império" e o "Multitudes" de Tony Negri e Michael Hardt é dificil chegar lá. A estratégia proposta defende que a luta de classes se processa agora entre os diversos poderes vassalos do império único em construção e multidões, as mais diversas, com os mais variados interesses que se formam para contestar esse Poder. Depois de cumprido o objectivo por que lutaram, essas maiorias podem-se dissolver ou não, consoante a sua natureza.
Por isso é tão importante os meios de comunicação instantâneos baseados nas tecnologias informáticas e nas telecomunicações avançadas de que o Diogo fala. Todos esses meios são potenciais ferramentas de intervenção e participação num tipo de cidadania activa alargada "just in time".
Por exemplo o "novo tratado europeu" podia já estar a ser debatido e votado em linha pela grande maioria dos europeus. Mas isso seria arruinar as oligarquias,,, e votar os politicos inúteis ao desemprego - só precisávamos de técnicos eficazes e quadros responsáveis pela transparência do sistema

Anónimo disse...

Caro Diogo:

Concordo consigo ao afirmar que as TIC´s desempenharão um papel fulcral nos próximos tempos no que à difusão de informação diz respeito. Um qualquer cidadão tem hoje em dia um acesso muito mais directo a muito maior informação, mas também a muito mais desinformação. Também no que à internet respeita não consigo ver aí o Edén mítico da renovação do ser humano: sendo que a net é construída por homens ela estará sujeita aos caprichos, erros e desvios deste. Além disso, penso que essa democratização da informação se produz largamente por um excesso de informação. Quantidade que o cidadão médio não tem a capacidade para absorver convenientemente (ou seja, de uma forma crítica) e, portanto, assimilará aquilo que deseja assimilar (quando houver uma predisposição acerca de um determinado input), ou assimilará aprioristicamente tudo, num caos informativo total.

De qualquer das formas posso inferir das suas palavras que acredita que a democratização da internet vai contribuir para uma nova reorganização dos movimentos sociais e cívicos. Acredito que sim, e os movimentos anti-globalização estão aí para o provar. Mas olhar para um movimento anti-globalização e não o ver também ele como um lobby (com as virtudes e defeitos que daí advêm) é cair no mesmo erro que no comment anterior referi.

Apesar de tudo, a grande arma do capitalismo foi ter potenciado uma classe média, que atingiu um patamar de vida que lhe permite usufruir de certos luxos que em gerações anteriores estavam vedadas aos seus antecessores. Agora, esses luxos têm um custo: e aqui é que o capitalismo têm o seu verdaediro maquiavelismo. Dando à classe média a capacidade de usufruir uma só vez que seja desse luxo, faz-se com que essa classe já não esteja disposta a correr demasiados riscos de forma a poder usufruir uma vez mais de ditos benefícios. O crédito hipotecário desempenha aqui um papel para travar qualquer sentimento corporativista de classe, no que à classe média diz respeito. Faço-lhe a mesma pergunta que um artigo que li há tempos fazia: quando foi a última vez que viu uma revolução social ditada por uma "luta de classes"?

Caro Xatoo,

Compreendo que para um comunista a identificação entre partido político e moviemnto cívico seja total, porque na construção do estado comunista os interesses do partido (único, claro está!) e das associações cívicas (aquelas que o partido único não ilegaliza) são exactamente os mesmos.

Agora, olhe para a realidade: numa democracia não existe monolitismo partidário. E numa democracia a liberdade de associação é um direito tutelado constitucionalmente. O que permite a qualquer um de nós associar-se (e qualquer pessoa colectiva de direito só precisa de ter 3 pessoas para o ser, se não estou em erro...), e assim lutar sobre qualquer coisa que nos passe pela veneta. Isto claro está sem passar pelo crivo do partido único (calculo que aqui resida o seu grande factor de estranheza -para não lhe chamar outra coisa...- em relação à democracia).

Fala o meu amigo em "luta de classes", esse grande relevo do alto Paleolítico da história das ideias políticas. Pois bem, faço-lhe a mesma pergunta que fiz ao Diogo. E a propósito disso lembrei-lhe de uma frase fantástica da Natália Correia, escrita em pleno Verão quente de 75 (ah, que saudades dirá V....): "A revolução marxista vai deter-se em Lisboa. A roda do mundo atingirá o limite da rotação, e desandará. Na economia misteriosa da história, Portugal é o peso minúsculo que fará inclinar todo o conjunto".

xatoo disse...

"olhe agora Vc para a realidade" caro "Mágico Realismo"
Vc começa por me rotular de "comunista",e, sem me conhecer, fica despachado do empecilho de dar uma explicação racional. Assim, peço-lhe que me defina o produto que me quer vender - é que isso de "comunismo" é um supermercado tão grande e com tanto produto à venda que é absolutamente necessária uma informação prévia para saber lidar com o rótulo.
Como lhe disse, (uma suspeita agora confirmada) Vc não leu Negri, justamente uma das linhas filosóficas "pós-comunistas"
Por isso Vc responde com retórica aplicável ao século XIX,,,

Diogo disse...

Meu caro Mágico Realismo,

Sobre o caos informativo que a Net vai trazer, esse caos já existe hoje com os actuais media, donde as pessoas continuarão a assimilar o que desejaram assimilar, mas sem passar pelo crivo da censura, do silêncio, da propaganda e da distorção a que o monopólio dos media nos acostumaram. A informação está toda disponível, tratada ou em estado bruto, para todos os gostos e feitios.

Obviamente que um movimentos anti-globalização é um lobby. Mas a democracia directa é isso mesmo. Somos todos lobbies. Individualmente ou em grupo consoante o assunto. E o governo será uma constante interacção e negociação entre lobbies. Mas acabaram-se os representantes, e com eles, o poder dos grupos económicos que de facto os controlavam e, por reflexo, nos controlavam a nós.


«a grande arma do capitalismo foi ter potenciado uma classe média»

Você aqui confunde capitalismo com industrialismo. E o industrialismo é fruto da tecnologia, não de uma ideologia. Logo a revolução social não é ditada pelo laissez faire mas pela evolução tecnológica. É esta que vai modificar a forma como trabalhamos (ou não), a forma como comunicamos, a forma como vivemos e a forma como tomamos as decisões em grupo. É ela que vai alterar a democracia.

Anónimo disse...

Caro xatoo,

Não é difícil partir do princípio que V. é comunista: basta uma rápida consulta aos blogs em que V. participa. Está tudo lá: as abundantes citações a Marx e a "O Capital"; a cruzada anti-privatizações; a defesa do estatalismo; o anti-consumismo; e até mesmo a defesa do regime castrista. Como deve imaginar o conglomerado dessas ideias não virá propriamente de um popperiano ou de um burkeano. Quanto a Negri engana-se, já o li e até lhe digo mais: não gostei, nem concordei. Hardt confesso que nunca li, mas se afina pelo mesmo diapasão também não faço grande questão em vir a ler. É que editar livros no século XXI não é exactamente a mesma coisa que escrever no século XXI e o "pós-comunismo" (sic) de que V. fala tem de primeiro fazer a catarse do comunismo em si para depois falar do "pós" propriamente dito.

Anónimo disse...

Caro Diogo:

Acredita mesmo que as novas formas de participação e associativismo cívico, bem como a produção e divulgação de informação por si produzidas vão deixar de necessitar do poder dos grandes grupos económicos? Parece-me que o caso recente da Helena Roseta, que teve que pedir um empréstimo para cobrir as despesas da sua campanha vem demonstrar o contrário.

Quanto à confusão entre o capitalismo e o industrialismo. Penso que não estou a confundir os dois termos. O capitalismo rasga com os outros sistemas económicos com uma permissa muito simples: retribuir o trabalho produzido (braçal ou intelectual) com uma corelativa soma monetária. E já não com outros bens, característica de outrso sistemas económicos, que visavam apenas uma economia de subsitência. Assim, o capitalismo estimula a capacidade de criar riqueza monetária, para que o trabalhador invista o seu dinheiro (consuma) onde melhor lhe aprouver, gerando desta forma mais riqueza. O industrialismo, por sua vez, que potenciou o capitalismo, mas não se esgota nele, visava retribuir o mínimo possível o trabalho do operário, dotando-o de uma capacidade passiva apenas numa economia (novamente) de subsistência.

Penso é que o capitalismo, como ideologia económica, mas também como mundividência, raramente é bem aplicado, ficando à mercê da triste condição humana que desvirtua as mais básicas leis do mercado, condição sine qua non para a plena execução do capitalismo.

Diogo disse...

Caro mágico realismo,

«Acredita mesmo que as novas formas de participação e associativismo cívico, bem como a produção e divulgação de informação por si produzidas vão deixar de necessitar do poder dos grandes grupos económicos?»

Não tenho dúvidas. A produção e divulgação de informação por cidadãos anónimos está a contornar os media. As concepções postadas na Net de professores de física, os posts de economistas, as opiniões de médicos e pareceres de profissionais e curiosos de todos os ramos estão a cuto-circuitar os media. Fotografias ou vídeos colocados na Net estão a contornar os media. Não é por acaso que os próprios media recorrem cada vez mais à Net para as «suas notícias e opiniões». E não é por acaso que os media estão a perder leitores e telespectadores. A Internet está a ultrapassá-los em informação. Paulatinamente os cidadãos anónimos estão a ultrapassar os media. O caso do Portugal Profundo é paradigmático. O poder dos grandes grupos económicos está a ficar para trás.


«O capitalismo rasga com os outros sistemas económicos com uma premissa muito simples: retribuir o trabalho produzido (braçal ou intelectual) com uma correlativa soma monetária.»

Aqui você mistura capitalismo com a divisão do trabalho e o consequente crescimento maciço da troca dos bens produzidos, que implica a utilização da moeda. Mas o mercado em sentido lato não é capitalista nem comunista. O mercado é um PBX em que um operário de Smolensk (da antiga União Soviética) troca o fruto do seu trabalho pelo de um escriturário de Detroit. O mercado é fruto da divisão do trabalho, por sua vez apanágio do industrialismo. A moeda é o óleo desse PBX. Capitalismo e comunismo são duas ideologias saídas do industrialismo. O industrialismo é um paradigma tecnológico e social.


«O industrialismo, por sua vez, que potenciou o capitalismo, mas não se esgota nele, visava retribuir o mínimo possível o trabalho do operário»

Mais uma confusão sua. O industrialismo é a base tecnológica que alberga as «modernas» ideologias – comunismo e capitalismo. O industrialismo não é uma ideologia.


«Penso é que o capitalismo, como ideologia económica, mas também como mundividência, raramente é bem aplicado, ficando à mercê da triste condição humana que desvirtua as mais básicas leis do mercado, condição sine qua non para a plena execução do capitalismo.»

Sem dúvida que a competição justa tem sido desastrosamente desvirtuada. Mas está a surgir um paradigma novo: a tecnologia está a substituir os trabalhadores. Em breve chegará aos gestores e depois aos accionistas. Uma empresa privada vive das vendas. Sem compradores (trabalhadores assalariados) para os seus produtos, a empresa não subsiste. Sem empresas privadas é o fim do capitalismo tal como o conhecemos.

R disse...

Só mesmo os políticos é que não percebem. E eles também não têm legitimidade para se queixarem da abstenção. Lembram-se de quando os deputados deixaram a comissária para os assuntos europeus a falar sozinha no parlamento?

xatoo disse...

"Hardt confesso que nunca li"
quanto a Negri "engana-se, já o li e não gostei"

carissimo "Magico Realismo"
as duas obras, (onde se define pela primeira vez o conceito de "biopolitica" adaptado à era do Império) que lhe citei são escritas (ambas as duas como diria o Marcello da TV) em parceria conjunta, (diria ele ótravez) pelos dois autores: Tony Negri e Michael Hardt
Como é que Vc se sente apto, com à vontade, para tecer comentários sobre aquilo que apenas tresleu? tanto que metade da autoria da obra, se lhe escapou?,,

portanto partindo daí, da contatação dessa ligeireza de análise, é fácil concluir que os seus juizos de valor estão todos errados:
- o "estatismo" quando Marx advogou o fim do Estado
- o "anti-consumismo" visto como um anátema quando toda a gente já concluiu que não pode haver "consumo infinito" sobre recursos finitos
- as "anti-privatizações" quando na verdade é o contrário que se passa: os privados apropriam-se e controlam o aparelho do Estado em seu beneficio exclusivo
- "a defesa do regime castrista" quando realmente se trata de um pequeno povo cercado por um boicote criminoso que teima em ser independente não se vergando aos interesses do imperialismo norte americano.

mas deixe lá que nem tudo são desgraças (não há ninguém 100 por cento mau, dizia o Mao) - divertiu-me à brava quando citou esse tal de Burke; quem é o gajo? algum autor de banda desenhada?

Anónimo disse...

Xatoo,
O livro de Negri que li foi o Time for Revolution, livro do qual Negri é o único autor.

Os meus juizos estão todos errado, constatação óbvia dentro da dogmática comunista (ponha-lhe o prefixo que quiser, que não deixa de ser comunista lá por isso...).

Marx advogou o fim do estado? Então porque é que os regimes comunistas nunca se desenvolveram da ditadura do proletariado para o verdsadeiro comunismo, tal como o concebeu Marx?

O anti-consumismo é uma evidência? Observe bem os seus hábitos diários e depois então poderemos verdadeiramente falar sobre este tópico.

A "leiagrariazação" dos restantes meios de produção já deu o que tinha a dar... Enquanto a sua solução for a via comunista, deixe lá estar as privatizações onde estão!

A cassete do costume acerca da defesa acérrima do Castrismo...

Não me diga que teve que ler dois livros para chegar a tão concludentes evidências. Disse-lhe noutro comment que Negri era umautor do século XXI, mas aquilo que escreve (e aquilo que V. defende) são realidades, sim, mas do século XIX.

PS: Burke, ao contrário, das suas "musas" inspiradoras não se deu ao luxo de fazer futurologia, como o materialismo dialéctico e lenga-lengas que tais... É portanto um autor datado, sem ter sido ultrapassado pela evidência histórica. Poderá o seu amigo MArx dizer o mesmo?

Anónimo disse...

Caro Diogo,

Novamente, não penso que tenha entrado em confusões terminológicas, mas a discussão também não é bem essa.

Como resumo da discussão creio não andar muito longe ao concluir que divergimos no seguinte: o meu caro amigo acredita num optimismo antropológico. E esse optimismo leva-o a crer que, em alguma altura da sua vida gregária, o Homem tenderá para a sua reabilitação. E que na discussão em curso, as TIC´s terão um papel indelével, graças à sua independência face aos poderes fácticos e sobretudo económicos.

Divirjo de si, pura e simplesmente, porque não consigo vislumbrar na trajectória humana essa tendência do homem para uma viragem brusca no sentido da sua redenção. E, na discussão que estávamos a ter, penso que as novs formas de associativismo e participação cívicas, mais cedo ou mais tarde cairão nas malhas que o capitalismo teceu para se perpetuar.

Diogo disse...

Caro Mágico Realismo,

Eu não acredito num «optimismo antropológico» (o que quer que isso seja). Mas constato uma evolução tecnológica exponencial:

«Lei de Moore: O fundador da Intel, Gordon Moore, constatou que a cada 24 meses a capacidade de processamento dos computadores dobra, enquanto os custos permanecem constantes. O princípio pode ser aplicado também a outros aspectos da tecnologia digital como chips de memória, discos rígidos e até a velocidade das conexões da Internet». A isto pode-lhe acrescentar o software, a genética e, em maior ou menos grau, todas as outras ciências.

Também não defendo que o «Homem tenderá para a sua reabilitação». O Homem não está doente sob o ponto de vista moral ou social. O que está gravemente doente é a actual organização económica da sociedade. É um paradoxo que numa altura em que nunca na história houve tanta capacidade de gerar riqueza, as pessoas vivam cada vez pior: o desemprego, a precariedade com toda a insegurança que ela implica, e a pobreza espalham-se pelos «países ricos». Das antigas classes médias, por cada pessoa que «sobe» economicamente, dez ou cem vêm os seus rendimentos diminuídos. Algo está profundamente errado no actual paradigma.

Defendo que o emprego tem os dias contados. As pessoas trabalharão para si próprias numa nova base tecnológica. A fábrica, totalmente automatizada, tomará o papel que a natureza teve na antiguidade:

A natureza, sem qualquer intervenção humana, colocava os coelhos, os veados, as aves, os peixes, os frutos e as couves à «disposição» do homem. Cada um construía a sua casa, tecia as suas roupas, caçava os animais e recolhia as plantas de que se alimentava. A natureza produzia autonomamente os bens e o Homem servia-se e adaptava-os às suas necessidades.

O papel da natureza será (em parte) o papel da nova «fábrica automatizada». Esta produzirá bens que serão distribuídos pelas sociedades. O individuo poderá acrescentar-lhe algum trabalho próprio de adaptação às suas necessidades específicas.

Neste novo cenário o «capitalismo» não tem lugar». Não há vendas, não há lucros, não há acumulação de capital. Não existirão malhas capitalistas para absorver as novas formas de associativismo e participação cívicas. Não há redenção. Há libertação de uma estrutura económica obsoleta.

xatoo disse...

Mágico:
"Marx está mais actual que nunca!, ora leia lá este saboroso extracto do Marx Século XXI", pelo Robert Kurz:

"Quien fue considerado muerto está más vivo que nunca. En su calidad
de teórico activo y crítico, Karl Marx fue dado ya por muerto
más de una vez, pero siempre consiguió escapar de la muerte histórica y teórica. Tal hecho se debe a un motivo: la teoría marxista sólo
puede morir en paz junto con su objeto, o sea, con el modo de producción capitalista".
(é muito útil ler o resto)

xatoo disse...

o Diogo não é comunista, no entanto chega às mesmas conclusões, correctas diga-se de passagem, que os analistas marxistas.
Portanto, há uma diferença entre o uso pejorativo que o pensamento reaccionário cunhou ao termo "comunista" e as diversas sensibilidades socialistas (libertárias e outras) que vêem no Marxismo uma ferramenta útil de estudo social

Anónimo disse...

Caro Xatoo,
está a tentar convencer-me a mim ou a si próprio?

xatoo disse...

para mim é indispensável
para os outros não faço a minima ideia mas,
quem desconhece, arrisca-se a padecer de pensamento deficiente
cordialmente
sempre a considerá-lo

Anónimo disse...

A propósito...o António Negri não foi em tempos um terrorista das Brigadas Vermelhas?

Ah...de facto é uma autoridade na matéria...a única "revolução" que tentou fazer, resultou em assassínios, roubos e acabou a fazer cera na cadeia.

É este o profeta do futuro?

P.S -Eu li a bíblia, "Imperio" de Hardt e Negri , apesar de ter gasto duas embalagens de Alka Seltzer, para conter os vómitos em pura nausea filosófica.
Encontram-se lá todas as maneiras de ser "contra", de destruir o status quo, e nenhuma proposta concreta e pragmática de o melhorar ou sequer uma visão do futuro.

A multitude? O que é a multitude?

Existe tal entidade?
Digam-me onde, porque eu nunca a vi.

O Negri deve-a ter visto nos delírios da cela.
A fé desponta nesses retiros espirituais.
Uns vêm anjos, deus, santos, gajas boas, etc.
O Negri tem epifanias de "multitude".

Amén

Anónimo disse...

É fartar vilanagem
Portugal não é pobre. Portugal é um pais muito rico.
Senão como se explica que neste pais se distribuem tachos e depois quando o governo muda (a alternancia, agora bailas tu depois bailo eu), distribuem-se indemnizações.
Até um tachista politico que que apenas por dizer qualquer coisa sobre o PM vem agora depois das consequencias (? Não será jogadas desta corja a que ele pertence?) vem agora pedir 50 mil contos de indemnização.
E o Zé trabalhando e pagando impostos para esta corja de sanguessugas.
Os DG da SS que foram nomeados politicamente no governo de Gutteres e saneados por Durão vão agora receber 1 milhão de euros. Fonix, este pais é mesmo rico, o meu pais, dá pra tudo.
É fartar vilanagem, comam tudo, quem vier atrás que feche a porta