quarta-feira, maio 26, 2010

Dra. Ella Lingens - uma médica testemunha de Auschwitz



No Wikipedia:

O objetivo principal do campo de concentração de Auschwitz-Birkenau não era o de manter prisioneiros como força de trabalho (casos de Auschwitz I e III) mas sim de exterminá-los. Para cumprir esse objetivo, equipou-se o campo com quatro crematórios e câmaras de gás. Cada câmara de gás podia receber até 2.500 prisioneiros por turno. O extermínio em grande escala começou na Primavera de 1942.

Os prisioneiros eram trazidos de comboio de toda a Europa ocupada pelos alemães, chegando a Auschwitz-Birkenau diariamente. Na chegada ao campo, os prisioneiros eram separados em dois grandes grupos – aqueles marcados para a exterminação imediata, e os que fiavam registados como prisioneiros. O primeiro grupo, cerca de três quartos do total, era levado para as câmaras de gás de Auschwitz-Birkenau em questão de horas; este grupo incluía todas as crianças, todas as mulheres com crianças, todos os idosos, e todos aqueles que, após uma breve e superficial inspecção pelo pessoal das SS, não se mostravam em condições de trabalhar.


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Dr. Ella Lingens

A austríaca Dr. Ella Lingens foi enviada como médica para o campo de prisioneiros [de Auschwitz], e conseguiu salvar muitos judeus da morte nas câmaras de gás. Seguiu depois na marcha da morte de Auschwitz para Dachau, e conseguiu sobreviver até ao fim da guerra. A 3 de Janeiro de 1980, o Memorial israelita Yad Vashem reconheceu-a (e ao marido) como "Justos Entre as Nações".


Excerto do «Procedimento judicial contra Mulka e outros», geralmente conhecido por:

«Julgamento de Auschwitz».

Autor: Bernd Naumann - Frankfurt am Main - 1965

Colecção «Os Grandes Processos da História» - Edição «Livros do Brasil».


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Ella Lingens, doutora em Medicina e em Filosofia, nascida na Alemanha e agora cidadã austríaca, reside em Viena e trabalha no Ministério de Administração Social austríaco. Foi levada para Auschwitz em 1943, como prisioneira política, em virtude de ter ajudado judeus a fugir, e era a única médica não judaica prisioneira no campo. Considerava o «Auschwitz cooperativo austro-germânico» uma infâmia tão grande que ainda não se conseguiu refazer desse sentimento. A testemunha falou das probabilidades de sobrevivência:

- O acaso desempenhava um papel decisivo. As primeiras semanas determinavam a vida ou a morte. Dependia tudo de se ter a sorte de arranjar ou não trabalho interno.

Acrescentou que também ficara a dever a vida ao acaso:

- O oficial médico Dr. Rohde perguntou-me onde estudara. Quando lhe respondi que estudara em Marburgo, redarguiu-me: «Então deve-me ter conhecido.» E mencionou o nome de uma taberna onde bebera muitos copos de vinho. Pensei para comigo que talvez aquilo fosse uma sorte e repliquei: «Com certeza, Herr Untersturmführer, conheci-o de vista.» Ele convenceu-se de que me salvou a vida, e eu tenho a certeza de que o fez por razões sentimentais, por lhe lembrar a sua juventude. Salvou-me a vida, é verdade. mas mandou para a morte dezenas de milhares de pessoas. Creio não existir nenhum SS que não se possa gabar de ter salvo a vida a alguém. Não havia sádicos e o número de criminosos patológicos, no sentido clínico, não ia além de cinco a dez por cento; os outros eram homens perfeitamente normais e conscientes da diferença entre o bem e o mal. Todos eles sabiam o que se passava.E acreditavam seriamente que - como Rohde disse à prisioneira Ella Lingens - os sobreviventes daquele inferno poderiam «beber um copo de vinho juntos, depois da guerra».

Segundo a testemunha, as condições de vida no campo «melhoraram um pouco, com o passar do tempo, mas com uma lentidão terrível. Os prisioneiros tinham de viver com um máximo de 700 a 800 calorias por dia, e o prisioneiro médio não resistia mais de quatro meses. Nenhum prisioneiro chegado a Auschwitz antes do Verão de 1944 sobreviveu, a não ser que tivesse um trabalho especial».

A Dra. Lingens falou a seguir de uma leva de duas mil mulheres, chegadas a Auschwitz, algum tempo antes dela:

- Quando cheguei, ainda estavam vivas duzentas e sessenta. As outras tinham todas morrido. Não foram gaseadas; morreram, simplesmente.

A Dra. Lingens nunca assistiu ao injectamento (sic) nem ao gaseamento de prisioneiros, mas teve conhecimento de alguns pretextos usados para pronunciar tais sentenças de morte. Um dia, por exemplo, o oficial médico pediu uma lista dos internados atacados de malária, a fim de serem transferidos para outro campo, onde não havia mosquitos.

- Acreditei nas suas palavras e fiz uma lista de todos os doentes nessas condições, mas uma médica checa abordou-me e disse-me: «Por favor, mencione apenas os que estiverem muito doentes.» Expliquei-lhe que a transferência seria a melhor coisa que se poderia fazer aos doentes de malária e declarei que mencionaria todos. «Meu Deus, que vai fazer? Serão todos mortos.» Foi a primeira indicação que tive do que se passava em Auschwitz. Risquei da lista a maioria dos que inscrevera. Por singular coincidência, esses prisioneiros foram, de facto, transferidos e eu senti-me cheia de remorsos e arrependi-me de não ter indicado todos, como fora minha intenção inicial. Só mais tarde vim a saber que tinham sido levados para Lublin e gaseados. Nunca sabíamos quando os mandávamos para a câmara de gás ou para a liberdade.

Noutra ocasião, o Dr. Mengele teve a ideia de retirar do campo as mulheres grávidas. Uma patologista indicada pela Dra. Lingens foi, realmente, transferida e continuou a encarregar-se de trabalhos laboratoriais para Mengele, em Cracóvia.

- Mengele mandou-lhe flores e felicitou-a pelo nascimento do filho. Também aconteciam coisas destas. Por tudo isto, desempenhávamos um papel, mas na realidade ignorávamos o que fazíamos. Não raro, as mulheres lambiam a comida como cães. A única torneira ficava ao lado da latrina, e o fio de água que dela escorria servia também para arrastar os excrementos. As mulheres bebiam ou tentavam levar com elas um pouco de água, nalguma vasilha, enquanto, ao seu lado, as suas companheiras de sofrimento se sentavam nas latrinas. Ao mesmo tempo, as guardas batiam-lhes, com cacetes, e homens das SS andavam de um lado para o outro, a observar.


Latrinas em Birkenau

O Inverno de 1943-1944 foi verdadeiramente horrível: «No Outono, éramos trinta mil, no campo das mulheres; na Primavera. o número baixara para vinte mil, principalmente devido a subnutrição e doença. Vi doenças que só costumamos encontrar nos livros de estudo. Nunca imaginei que me seria dado ver algumas delas, como, por exemplo, o pênfigo, uma doença raríssima, em virtude da qual grandes extensões de pele se desprendem e o paciente morre ao fim de poucos dias.»

As doenças mais correntes eram o tifo, uma diarreia teimosa - a «doença do campo» -, a febre tifóide e paratifóide, a erisipela e a tuberculose. No hospital da Dra. Lingens encontravam-se setecentos enfermos «e no mesmo bloco, com todas essas pessoas doentes, também nasciam crianças. Nem sequer as podíamos lavar; limpávamo-las o melhor possível, com papel de seda. Lembro-me de que, uma vez, a mulher do comandante Höss mandou um casaquinho cor-de-rosa, com desejos de felicidades, para aquele inferno. Li que em todos os relatos das atrocidades cometidas se tem falado muito em parques infantis e coisas semelhantes. Não existe nada de falso em tal afirmação. Eu própria vi um homem desenhar bonequinhos encantadores nas paredes do bloco das crianças, por lhe parecerem apropriados. Havia impulsos humanos deste género, mas estavam em contradição absoluta com a realidade».


Pintura Mural na parede esquerda da área comum da barraca das crianças de Auschwitz-Birkenau:


A testemunha disse lembrar-se do Dr. Mengele, «exactamente como costumava parar, com os polegares enfiados no cinturão da pistola. Lembro-me também do Dr. König e, para ser justa, devo dizer que; antes de fazer certas coisas, se embriagava sempre muito, assim como o Dr. Rohde. Mengele, porém, não precisava disso; fazia-as a sangue-frio».

Capesius? Ouvira apenas dizer que administrava a farmácia do campo.

Havia uma «ilha de paz» no campo de Auschwitz: o campo de trabalho Babice.

- Era obra de um único homem, do Oberscharführer Flacke. Não sei como o conseguia, mas o seu campo estava limpo e a comida era asseada. As mulheres tratavam-no por «paizinho», e ele até arranjava ovos, no exterior. Mais tarde foi para Birkenau e os homens da sua zona disseram: «Flacke veia para, cá; há-de correr tudo bem.» Não sei o que lhe aconteceu. Falei com ele uma vez e disse-lhe: «Tudo quanto fazemos é tão horrível, tão inútil! Quando esta guerra terminar seremos todos assassinados; não se deixará sobreviver nenhuma testemunha.» E ele respondeu-me: «Espero que sejamos bastantes para evitar isso.»

- Pretende dizer que, em Auschwitz, cada um podia escolher, por si, ser bom ou mau? - perguntou o juiz à testemunha.

- É isso, exactamente, o que pretendo dizer.

Em fins de 1943, a Dra. Lingens viu, pela primeira vez, como as pessoas eram conduzidas para as câmaras de gás. Camiões carregados de mulheres aos gritos tinham parado perto dos guardas, ao portão.


Câmara de Gás de Auschwitz

- Sabíamos que iam morrer e desejávamos dizer-lhes qualquer coisa, mas ignorávamos o quê.

O juiz Hofmeyer observou constar que lançavam crianças às chamas, ainda vivas, e perguntou à testemunha o que sabia a tal respeito.

- Vimos uma grande fogueira e pessoas a andar à sua volta e a atirar coisas para as chamas, Vi um homem transportar algo que mexia a cabeça e observei: «Meu Deus Marushka, ele vai lançar ao fogo um cão vivo!» E a minha companheira respondeu-me: «Não é um cão; é uma criança.» Pensei que não podia ser, que era impossível que fosse uma criança. Desejo esclarecer, a este respeito, que sou míope e me tinham dado, no campo, uns óculos. Mas não me atrevi a pô-los, pois não desejava acreditar em semelhante monstruosidade, não queria ver se era, realmente, uma criança. Mais tarde, porém, outras internadas confirmaram que tal acontecia e, por isso, tive de acreditar.

Pintura de um sobrevivente do Holocausto

[...]

A testemunha declarou julgar que o espaço disponível, no campo, contribuía para determinar quantas pessoas tinham de ser mandadas para as câmaras de gás. Falou a seguir dos corpos empilhados próximo do seu bloco, a todo o comprimento deste e com uma altura de cerca de noventa centímetros.


Declarou ser verdade os ratos roerem os cadáveres, assim como mulheres inconscientes, e disse ter visto arrancar cobertores a mulheres escolhidas para extermínio, com as palavras: «Não precisará mais dele.» Nas barracas do hospital encontravam-se seiscentas mulheres doentes, ou mais, em cento e oitenta camas. Estavam infestadas de piolhos, os portadores do tifo, mas os despiolhamentos eram muito temidos e, aliás, três dias depois da limpeza havia tanta bicharada como antes.

Até que chegou Mengele. Foi o primeiro a livrar de piolhos todo o campo das mulheres: mandou gasear todas as ocupantes de um bloco, desinfectou-o, instalou uma banheira e deixou as ocupantes do bloco contíguo tomarem lá banho, e assim sucessivamente. Depois desta operação, o Recinto A ficou livre de piolhos. Mas começou tudo com o gaseamento de setecentas e cinquenta mulheres do primeiro bloco.


6 comentários:

MSP disse...

Dra. Lingens: «O Inverno de 1943-1944 foi verdadeiramente horrível: No Outono, éramos trinta mil, no campo das mulheres; na Primavera. o número baixara para vinte mil, principalmente devido a subnutrição e doença… As doenças mais correntes eram o tifo, uma diarreia teimosa - a doença do campo - a febre tifóide e paratifóide, a erisipela e a tuberculose. No hospital da Dra. Lingens encontravam-se setecentos enfermos e no mesmo bloco, com todas essas pessoas doentes, também nasciam crianças… Li que em todos os relatos das atrocidades cometidas se tem falado muito em parques infantis e coisas semelhantes. Não existe nada de falso em tal afirmação. Eu própria vi um homem desenhar bonequinhos encantadores nas paredes do bloco das crianças…»

Tifo, hospitais, nascimentos, parques infantis… Singular campo de extermínio…

alf disse...

Impressionante...

Há uns meses ouvi uma enfermeira-freira que esteve numa povoação no norte de Moçambique para os lados de Mueba na altura da operação «Nó Górdio» a narrar o quotidiano das populações que todos os dias eram bombardeadas (era uma antiga base da Frelimo que esta tinha abandonado sob a ameaça de um ataque português e agora atacava dos montes vizinhos). É espantoso como as pessoas conseguem prosseguir as rotinas da vida em situações em que nunca sabem se chegarão vivas ao fim do dia. Ou se vão acordar de mais uma noite em que ninguém dorme na cama mas escondido debaixo de qq coisa.

As que conseguem viver a rotina. As que não conseguem enlouquecem. Não há meio termo.

A história que essa senhora me contou era muito mais impressionante que qualquer filme de terror que já tenha visto. Nós somos uns felizardos que nem imaginam o que seja estar numa guerra.

Quanto aos campos de concentração, todas as guerras têm problema de saber o que fazer aos prisioneiros - por exemplo, que aconteceu aos milhares de soldados feitos prisioneiros pelos russos e pelos alemães? Como sustentar toda esta gente durante um guerra?

A guerra é um horror que está para além da nossa imaginação. Até porque a necessidade de sobreviver deflagra em nós personalidades terríveis que desconhecemos possuir.

Anónimo disse...

O crime é cimento das organizações. O crime e o seu encobrimento.
Li com atenção e interesse o seu poste, Diogo! Também li com atenção e interesse o que os comentadores que me antecedem aqui deixaram... enfim...

Luís Teixeira Neves

Johnny Drake disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Johnny Drake disse...

RETIRADO DE UM BLOGUE CRENTE NO HOLOCONTO:

“Meu nome é David Galante, sou originário da Ilha de Rodes na Grécia, sou sobrevivente de Auschwitz. Fomos transladados pelos nazis para Auschwitz em um grupo de 1.800 judeus que viviam em Rodes, a viagem foi muito longa, quase 27 dias de viagem, entre barcos e trens, até chegar a Auswchitz.
Tinha três irmãs e um irmão.
Eu estava na enfermaria, estava muito doente, estava, digamos, quase morrendo, mas fomos libertados pelas tropas russas. Quando nos libertaram eu pesava 39 quilos, havia ficado em pele e osso e estive dois meses no hospital com os russos, em dois meses cheguei a aumentar 20 quilos."

VOU REPETIR, CASO NÃO TENHAM REPARADO:

"(...) Eu estava na enfermaria, estava muito doente, estava, digamos, quase morrendo (...)".

PORTANTO: UM CAMPO DE "EXTERMÍNIO", ONDE OS PRISIONEIROS SÃO MANTIDOS VIVOS... NA ENFERMARIA???!!!!

Passado tantos anos a ler sobre o "Holocausto", uma das conclusões a que cheguei foi:
não existia gente mais sádica do que os Nazis!
E havia dois grupos. O primeiro dedicava-se a tatuar número nos braços e a rapar o cabelo dos prisioneiros... para depois os irem gasear!
O segundo, mandava trabalhar os prisioneiros quase até à morte, para depois ficar a vê-los na enfermaria a morrerem lentamente...

Diogo, ignorante não é o que não sabe, mas sim o que nada faz para aprender!

Saudações!!!

JD

Diogo disse...

MSP – De facto, tifo, hospitais, partos, parques infantis... Para um campo de extermínio é esquisito.


Alf – A questão aqui é a existência de câmaras de gás e uma política de extermínio deliberado. Então quando é que você posta alguma coisa?


Luís Teixeira Neves – Fiquei sem perceber a sua opinião.


Drake – O «holoconto» transformou-se numa religião. Quem acredita (depois de milhares de horas) de filmes, vídeos, simpósios, livros, reportagens, etc. tem dificuldade em duvidar.