Miguel Sousa Tavares - Expresso 12/4/2008
E por que não uma ponte?
«Confesso que não tinha pensado muito no assunto, talvez porque, tendo gasto demasiado tempo e atenções a perceber bem o que era o embuste do aeroporto da Ota ou o luxo do TGV não me sobrou igual atenção e disponibilidade para olhar mais de perto a questão da nova ponte sobre o Tejo. Resolvida, parcialmente bem, a questão do novo aeroporto de Lisboa (eu faço parte do restrito número dos que ainda não estão convencidos da necessidade de novo aeroporto), resolvida, como mal menor ou bem inútil, a megalomania do TGV, aí está, por acréscimo e decorrente das duas decisões anteriores, a nova ponte sobre o Tejo.»
«Escutando e lendo o que se dizia sobre o assunto, concluí que a discussão versava apenas sobre a sua melhor localização: o Governo queria Chelas-Barreiro, a CIP queria Beato-Montijo, e alguns outros, a que se veio juntar o líder do PSD, queriam Algés-Trafaria. E foi só quando o Governo apresentou a sua “decisão final” por Chelas-Barreiro (já se percebera que, tendo cedido no aeroporto, não iria ceder na ponte, por uma questão de imagem de autoridade), que eu comecei a olhar melhor para os fundamentos da decisão e, de súbito, me assaltou a pergunta: para que serve a nova ponte?»
«Vejamos: a ponte será rodoviária, com seis faixas de rodagem, e ferroviária, com duas faixas para o TGV e outras duas para comboios normais. Olhemos então para cada uma destas utilidades.»
«A utilidade rodoviária é incompreensível: a Vasco da Gama, inaugurada há dez anos, está muito longe, longíssimo, do limite da sua capacidade e não será o trânsito do novo aeroporto de Alcochete que a irá esgotar. A necessidade de fazer uma nova estrutura rodoviária para uma procura que não existe é, aliás, uma tendência que se vem acentuando no lançamento de uma teia de auto-estradas, anunciadas com orgulho pelo Governo ou de paternidade reclamada pela oposição. Há dias, um casal estrangeiro meu amigo, que tinha acabado de conhecer a A-2 e a A-6 num dia de semana, comentava comigo que nunca, em lado algum, tinha visto auto-estradas tão boas e tão desertas, ao que eu respondi que nós éramos um país bem mais rico do que as estatísticas económicas mostravam: um terço da população activa, com crise ou sem ela, viaja compulsivamente para destinos exóticos distantes, no Verão, no Natal e na Páscoa; temos 1,5 fogos por habitante e continuamos desenfreadamente a construir segundas habitações no que resta de litoral ou interior ainda disponível; temos mais de um automóvel por família e mais de um telemóvel por habitante; e temos auto-estradas para todo o lado e algumas sem portagens, que fazem corar de inveja esses casos de sucesso económico sem auto-estradas nem TGV que são a Irlanda, a Suécia, a Noruega, a Dinamarca. Logo, a nova travessia rodoviária do Tejo em Lisboa (ainda no ano passado se inaugurou mais uma, em Santarém) é inútil para as necessidades existentes. Mas é, sem dúvida, muito útil para as necessidades a criar.»
«Se eu vivesse no Barreiro - ou no Montijo ou na Trafaria - de certeza que acharia brilhante a ideia de me fazerem uma ponte à porta de casa e ligada a Lisboa: em vez de vir de barco, vinha de carro. Mas aí, justamente, é que está o gato: a nova ponte, segundo o estudo do LNEC, terá um tráfego de 65.000 carros/dia em cada sentido, dos quais apenas uma parte será roubada à ponte 25 de Abril. Assim, mais uns 40.000 carros chegarão todos os dias a Lisboa, ajudando a congestionar uma das saídas da cidade, já hoje congestionada ao final do dia, e tratarão de ajudar a entupir mais ainda o trânsito no centro e a agravar a situação caótica do estacionamento. Ou seja: não servindo para resolver um problema que não existe, a nova ponte vai, por si só, criar um problema novo. Não deixa de ser notável que o presidente da Câmara, António Costa (que mantém teimosamente em vigor a demagógica proibição de circulação de carros na Baixa, aos domingos) a única coisa que tenha a dizer sobre isto é que espera receber parte das receitas das portagens: consente que durante cinco dias da semana haja mais 40.000 carros na cidade e, aos domingos, dá uma de politicamente correcto!»
«Mas a nova ponte vai servir também para comboios. Para comboios normais e para o TGV Lisboa-Madrid. E aqui é que as coisas se tornam ainda mais chocantes: o TGV Lisboa-Madrid, confessado pela própria secretária de Estado dos Transportes, é uma obra cujo investimento nunca será recuperado - é a fundo perdido - e cuja exploração “dificilmente será rentável”. Isto é, os custos da sua exploração serão inferiores às receitas e pela simples razão de que não há clientes que justifiquem o TGV: é uma obra reconhecidamente inútil à partida e que só vai para a frente porque Sócrates, à semelhança de todos os outros construtores que o antecederam, acha que “Portugal não pode ficar fora da rede europeia de alta velocidade”. Parece que é uma questão de prestígio patriótico. Vamos, pois, ter uma ponte para servir um TGV que não serve para nada, a não ser para perder dinheiro do Estado. Se isto não consegue escandalizar os portugueses, já nada mais conseguirá.»
«Resta a utilidade de servir comboios normais que servirão o novo aeroporto. Independentemente de eu ainda não estar convencido também da necessidade do novo aeroporto, acredito que, sendo uma coisa necessária, a outra também seja e que esta é a melhor solução para tal. Mas, sendo assim, a nova ponte poderia ser simplesmente uma ponte ferroviária de duas vias para comboios normais. Seguramente que teria muito menos impactos ambientais e paisagísticos sobre as vistas de Lisboa, minimizaria em muito os danos à navegação do estuário do Tejo de que se fala e, certamente, não custaria os 1.700 milhões de euros anunciados pelo Governo - e que, se tivermos sorte e conforme é de costume, acabarão por ser apenas o dobro. Além de mais, evitava-se ainda uma factura extra e não contabilizada, que é o custo da indemnização a pagar à Lusoponte, concessionária da ponte Vasco da Gama. Pois que se descobriu agora que anteriores governos, decerto assessorados por excelentes advogados, garantiram à Lusoponte, não só a prorrogação do prazo da concessão na vigência do contrato, mas ainda a exclusividade das receitas das travessias do Tejo, sob pena de indemnização. É verdade, sim, houve quem, em nome do Estado português, cedesse a uma entidade privada o direito exclusivo à cobrança de portagens na travessia de um rio - coisa jamais vista desde o feudalismo medieval.»
«E assim, meditando no assunto, cheguei a esta conclusão, seguramente absurda: a nova ponte Chelas-Barreiro não serve para nada. Isto é, serve para alimentar o lóbi das obras públicas, o mais poderoso do país, e a crença de que o Estado deve ser o motor da economia e o maior cliente da mal chamada iniciativa privada, deste modo desmentindo na prática todas as anunciadas apostas de José Sócrates na qualificação, nas novas tecnologias e na investigação como instrumentos de transformação e modernidade do país. Esta é a mesma velha política de sempre e uma das raízes mais fundas do nosso atraso económico e da perversão da nossa democracia.»
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7 comentários:
O betão, claro. Prioridade "nacional".
Cumprimentos.
http://nacionalistas.wordpress.com/2008/04/16/nem-ministra-nem-sindicatos-pela-luta-autonoma-dos-estudantes-e-professores/
Prezado Diogo
o aeroporto é necessário para fins militares (contra a Russia).
a ponte ainda não sei.
Teoricamente, se for construído com desempregados, custa nada.
Em custos "homólogos".
Homologicamente também a inflação (quase) não existe !
Cumprimentos
Ralf
O terceiro mundo da Europa! Só podia ser.
Um abraço. Augusto
Condor,
Exacto, betão! Da mesma qualidade com que se fizeram os Estádios do Euro. Tão úteis todos eles.
Ralf,
O aeroporto, quanto muito, será necessário para fins militares contra Madagáscar. Quando os seus terroristas deitarem abaixo o nosso Cristo-Rei.
Augusto,
Mas uma boa parte da Europa está a ir pelo mesmo caminho. O betão, e os bancos por trás dele, dominam em todo o lado.
O proteccionismo estatal das Empresas de Obras Públicas e Construção Civil não é da agora sempre existiu e vai continuar a existir porque é aí que a corrupção predomina em larga escala não só a nível governamental como autárquico e os esquemas funcionam na perfeição porque não são apanhados nem quem corrompe nem quem é corrompido. De resto só se verificou um abrandamento em matéria de Obras Públicas porque as empresas se lançaram no mercado imobiliário que foi um el-dourado durante cerca de 3 décadas e algumas até se saíram muito bem nos negócios em que se envolveram com as autarquias. É natural que agora que o mercado imobiliário entrou em recessão as empresas de Obras Públicas se virem novamente para as obras de grande dimensão nas quais se envolvem centenas de milhões de euros porque como se sabe ou melhor se desconfia são muitas dezenas a partilharam do bolo. Daí serem reconhecidas estas necessidades de investimento público que não são mais que contribuições para hipotecar o futuro das novas gerações.
com a falência da bolha no imobiliário, a próxima bolha é mesmo esta: as grandes obras de regime e as indústrias monopólios de Estado, energia, petróleo, telecomunicações.
Se até aqui os pequenos ainda metiam um pouco o dedo na construção civil privada, agora os investimentos são cada vez mais com quem sequestrou os aparelhos do Estado - até porque os pequenos deixam de ter acesso ao crédito, ou fazem-no com juros exorbitantes.
Estão criadas as condições para grandes movimentos de massas onde se possam aliar os pequenos e médios patrões e todos os trabalhadores em geral, em luta contra a nova escravatura a que o Estado os quer sujeitar - e expulsar esses canalhas de conseguirem objectivos que são prejudiciais à grande maioria da população
quis colocar uma questão ao autor do blogue aqui linkado "Portugal e os Judeus" nmas eles não aceitam comentários. Sabem que o dito "memorial" se trata de uma manipulação grosseira. Como não o pude fazer lá, deixo aqui a questão (pode ser que alguém responda:
Esclareça-me uma coisa Professor: Os "judeus ricos" como o banqueiro Jacob Fugger também foram vítimas de "semitismo"?
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