quinta-feira, julho 03, 2008

Anti-semitismo: Hitler versus Churchill, Eisenhower e de Gaulle



Expresso - 28/06/2008


Texto de João Pereira Coutinho

É a clandestinidade de «Mein Kampf» na Alemanha que alimenta os neonazis. Uma edição crítica destinada a explicar Hitler é a atitude correcta


«A Segunda Guerra foi um acontecimento desnecessário na história contemporânea? Pat Buchanan, em livro que tem alimentado debates ferozes (Churchill, Hitler, and the Unnecessary War), defende que sim. A Segunda Guerra não se explica sem a profunda injustiça do Tratado de Versalhes, que destroçou uma Alemanha de joelhos. E não se explica sem o desejo bélico de Churchill, que arrastou os Estados Unidos para a dança e recusou a paz possível com a Alemanha. E, como conclusão, Buchanan acrescenta: se dúvidas houvesse sobre a inutilidade e a imoralidade da guerra, bastaria citar o Holocausto. O extermínio de seis milhões de judeus, mais do que um produto do anti-semitismo, foi sobretudo uma consequência lógica do conflito.

Não cabe aqui uma crítica aos argumentos de Buchanan, que aliás não constituem propriamente uma novidade entre os «revisionistas». Importa apenas dizer que, sobre o último ponto, uma das formas mais eficazes de mostrar a inevitabilidade do Holocausto passa pela publicação e leitura do livro (ou, em rigor, dos dois livros) que Hitler publicou antes de chegar ao poder. Trata-se de Mein Kampf e não deixa de ser estranho que a obra, disponível em todo o mundo, esteja banida na Alemanha até 2015. O Estado da Baviera, que detém os direitos, impede a publicação integral do texto porque acredita que o livro de Hitler é um convite à propagação de ideias neonazis e um insulto às vítimas do Reich.

É contra esta proibição que os historiadores alemães têm marchado. Duplamente marchado. Primeiro, porque é a clandestinidade do livro, e não a sua livre publicação, que alimenta o fanatismo neonazi. E, depois, porque é importante uma edição crítica antes de 2015, ou seja, antes do dilúvio editorial; uma edição destinada a explicar e a desmontar a mentalidade expansionista, revolucionária e anti-semita de um homem que acabaria por assombrar a Humanidade.

É a atitude correcta. Porque, ao contrário do que escreve Buchanan, as ideias precedem os actos. E as más ideias, os piores actos.»


Comentário:

Afirma João Pereira Coutinho que «uma das formas mais eficazes de mostrar a inevitabilidade do Holocausto passa pela publicação e leitura do Mein Kampf que Hitler publicou antes de chegar ao poder e que está banido na Alemanha até 2015». E defende ainda Coutinho a publicação de uma edição prévia destinada a explicar e a desmontar a mentalidade expansionista, revolucionária e anti-semita de um homem (Hitler) que acabaria por assombrar a Humanidade.

Mas talvez ainda mais importante que o esclarecimento do anti-semitismo do Mein Kampf, seria uma explicação racional para a completa omissão sobre as câmaras de gás nazis, sobre o genocídio de judeus e sobre as seis milhões de vítimas judaicas, nas obras pós-guerra de Eisenhower, Churchill e de Gaulle.



Três das mais conhecidas obras sobre a Segunda Guerra Mundial são a «Cruzada na Europa» do General Eisenhower (Crusade in Europe - New York: Doubleday [Country Life Press], 1948), «A Segunda Guerra Mundial» de Winston Churchill (The Second World War - London: Cassell, 6 vols., 1948-1954), e o «Memórias da Guerra» do General de Gaulle (Mémoires de guerre - Paris: Plon, 3 vols., 1954-1959). Nestas três obras não há uma única referência às câmaras de gás nazis.

A «Cruzada na Europa» de Eisenhower é um livro de 559 páginas; os seis volumes de «A Segunda Guerra Mundial» de Churchill têm um total de 4.448 páginas; e o «Memórias da Guerra» do General de Gaulle possui 2.054 páginas. Em nenhuma destas três obras, publicadas entre 1948 e 1959, se encontra uma única referência às câmaras de gás nazis, ao genocídio de judeus, ou às seis milhões de vítimas judaicas da Guerra.

As câmaras de gás, utilizadas para assassinar milhões de Judeus não mereceriam nem que fosse apenas uma referência passageira, nas obras de Eisenhower, Churchill ou de Gaulle?

O que será mais anti-semita? O Mein Kampf de Hitler que sugere "ab anteriori" o Holocausto judeu, ou o silêncio "a posteriori" dos grandes estadistas ocidentais?
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5 comentários:

augustoM disse...

Se a Segunda Guerra Mundial foi um acontecimento desnecessário ou não, não sei, só sei que a guerra é a única forma de o homem discutir os problemas. Já assim foi a primeira, a da Crimeia, e de todas as partes, onde a palavra foi substituída pela bala. Por outro lado não será a guerra uma forma de regular as populações? Quantos milhões seríamos hoje se não tivessem ocorrido das duas guerras mundiais? Existe qualquer coisa que nos escapa.
Um abraço. Augusto

Zorze disse...

Caro Diogo, aí está uma muito incómoda pergunta.

Caro augustom, "Quantos milhões seríamos hoje se não tivessem ocorrido as duas guerras mundiais?", bem ... Normalmente a seguir a uma guerra ocorre o fenómeno baby-boom, como factor de equilíbrio, julgo que, não será por aí.

Abraço,
Zorze

xatoo disse...

Bem visto Diogo. De Churchill não é de admirar porque ele próprio era tambem judeu. Deverias averiguar também o comportamento da outra parte envolvida na guerra, muito importante pq tb era judeu e que nada disse sobre o alegado holocausto: Estaline, aliás Iosif Vissarionovich Djugashvili. Porquê a URSS escondeu tão tenebrosa fatalidade mais ou menos até à década de 1970?
Esse é o lado que falta investigar, mas Moscovo, depois de tantos anos, ainda não abre os arquivos. Mas é preciso cuidado, e não embarcar em sites ou obras ultra-reaccionárias. Talvez vasculhando a sua longa obra se consigam descobrir pistas credíveis; porém é muito trabalhoso e tarefa para académicos; demasiado complexa para ser levada a cabo por blogosféricos apressados como nós.

Anónimo disse...

O Holocausto possui uma reserva moral que deve ser defendida contra todas as arremetidas, mas a proibição do negacionismo é um equívoco. Por muito complicado que isso possa parecer, só assim será possível vivermos em conjunto nas sociedades democráticas de hoje. Não há outra maneira. Se abrimos esta caixa de Pandora, não mais a conseguiremos fechar.

Rikhard disse...

boas,

mais uma pergunta pertinente que fazes diogo, confesso que nunca li muito sobre o assunto, e como tal sou um grande desconhecedor desta temática, mas tenho acompanhado estes teus posts e quero ver se aprendo mais qq coisa.

abs,

rjnunes