Desde que subiu ao poder,
o governo de Sócrates tem apresentado medidas draconianas para combater os sucessivos défices: encerramento de serviços da administração pública, aumento do imposto sobre os combustíveis, introdução do pagamento de portagens em SCUTs, redução do período de subsídio ao desemprego, dispensa de centenas de milhar de funcionários públicos, aumento das taxas moderadoras na saúde, cortes no investimento público, etc. A maior parte dos economistas são unânimes no aplauso à coragem, determinação e discernimento do nosso Premier.
Paralelamente a estes cortes, Sócrates decidiu, há muito, apostar a fundo
nos chamados investimentos estruturantes:
Diário de Notícias - 1 de Julho de 20055 de Julho de 2005 - o primeiro-ministro garantiu que as linhas ferroviárias de alta velocidade e o novo aeroporto da Ota serão concretizados e que o Governo está "determinado" em acabar com anos de hesitações em relação a estes projectos.
Serão 14 mil milhões de euros para o TGV (quase três mil milhões de contos), mais três mil milhões de euros para o novo aeroporto da Ota (600 milhões de contos).
Mas o que é «Sócrates» afinal?Jornal Público, 17 de Dezembro de 2003: Manuel Queiró acredita que o traçado do TGV, anunciado na Cimeira Ibérica do mês passado, "
não é um projecto do Governo", mas sim de "um grupo exterior". "Este não é um projecto de um Governo, é um projecto de um grupo exterior que se impôs sucessivamente aos dois [últimos] Governos", denunciou o dirigente do CDS/PP, anteontem à noite, em Coimbra, num debate onde foi discutido o impacte do transporte ferroviário de grande velocidade na região centro.
"
É de um grupo exterior que não tem rosto, que não aparece ou só dá a cara fugazmente", reforçou o ex-deputado centrista, sem contudo nomear responsáveis." Na sua opinião, "é o menos transparente do ponto de vista político, [uma vez que] não foi apresentado à opinião pública, ao Parlamento e nem sequer ao Conselho de Ministros."
Miguel Sousa Tavares – Expresso – 07/01/2006É como a Ota e o TGV: ninguém ainda conseguiu explicar direito a lógica de interesse público, de rentabilidade económica ou de factor de desenvolvimento. Mas todos vimos nas faustosas cerimónias de apresentação dos projectos, não apenas os directamente interessados -
os empresários de obras públicas, os banqueiros que irão cobrar um terço dos custos em juros dos empréstimos - mas também flutuantes figuras representativas dos principais escritórios da advocacia de negócios de Lisboa.
Vai chegar para todos e vai custar caro, muito caro, aos restantes portugueses. Não há nada pior e mais perigoso do que a relação dos socialistas com o grande dinheiro: são saloios, deslumbrados e complexados. E o grande dinheiro agradece e aproveita.
Lá dentro, no «inner circle» do poder - político, económico, financeiro -,
há grandes jogadas feitas na sombra, como nas salas reservadas dos casinos. Se olharmos com atenção, veremos que são mais ou menos os mesmos de sempre. Jogando com o que resta do património público, com o dinheiro que receberemos até 2013. Cá fora, na rua e frente a eles, estão os que acreditam que nada pode mudar, mude ou não mude o mundo. Sobreviveremos depois disso?
Miguel Sousa Tavares - Expresso – 20/10/2006Em primeiro lugar, grave não é que se diminua o investimento em 3%: grave é que, enquanto se vai cortar em coisas que são importantes para estimular a economia ou defender a justiça social,
se mantenha a aposta nos projectos megalómanos e irresponsáveis da Ota e do TGV para Madrid. Por que é que o PSD não faz disso cavalo-de-batalha? Porque, tal como sucede com o PS,
nesses ruinosos projectos estão envolvidas as empresas que lhe garantem o grosso dos seus financiamentos, para onde os seus dirigentes esperam retirar-se mais tarde ou que os seus deputados/advogados irão patrocinar, após cessada a sua passagem pela política?
Mas a apetência de Sócrates por «investimentos estruturantes» não é de agora:
A 12 de Fevereiro de 2005 António José Seguro lembrou as responsabilidades de Sócrates na realização do Euro-2004: "
Hoje, como no Euro-2004, houve um homem que lançou a semente, a semente de uma força que ninguém pode parar. Esse homem chama-se José Sócrates, futuro primeiro-ministro de Portugal", acentuou.
O Correio da Manhã de 21/05/2004 avaliava o impacto do Euro 2004:E o dinheiro investido neste espectáculo de grande escala também não teve grande retorno. Quase seis meses depois do Euro 2004,
alguns estádios onde foram investidos milhões de euros para receber a prova estão «às moscas». Dos recintos do Euro2004, só os dos «três grandes» tiveram sucesso comercial.
Numa auditoria desenvolvida pelo Tribunal de Contas junto dos estádios de Guimarães, Braga, Leiria, Coimbra, Aveiro, Loulé e Faro, ficou claro que todos custaram mais do que o orçamentado, e que
as autarquias se endividaram para os próximos 20 anos. As sete autarquias que receberam jogos do Euro 2004 contraíram empréstimos bancários no valor global de 290 milhões de euros para financiar obras relacionadas com o campeonato. Na sequência destes empréstimos,
as câmaras terão que pagar juros no montante de 69,1 milhões de euros, nos próximos 20 anos, refere o relatório de auditoria do Tribunal de Contas.
Comentário: Quando Jorge Sampaio se despediu dos portugueses como Presidente da República, fê-lo sem grandes alaridos. Podia no entanto ter sido mais audaz. Bastava ter pegado no discurso de despedida do Presidente Americano Eisenhower de 1961 e adaptá-lo à realidade lusitana,
substituindo o termo «complexo militar-industrial» pelo termo «complexo financeiro-empreiteiro». Seria literalmente:
«
Esta conjunção de uma imensa instituição bancária e uma enorme indústria de construção é um facto novo na experiência portuguesa. A influência total – económica, política, e até espiritual – é sentida em qualquer cidade, repartição ou ministério do Governo. Nós reconhecemos a necessidade imperativa deste desenvolvimento. Mas não podemos deixar de compreender as suas graves implicações. O nosso trabalho, recursos e meios de vida estão todos envolvidos; assim como a própria estrutura da nossa sociedade.»
«
Temos de nos precaver contra a aquisição de influência injustificada, desejada ou não, por parte do complexo financeiro-empreiteiro. O potencial para o crescimento desastroso de poder indevido existe e persistirá.»