segunda-feira, março 17, 2008

O insaciável «triângulo negro» da precarização, da escravização e da exclusão





Excerto de um artigo de Fernando Dacosta, publicado na revista Visão nº 625 de 24/02/05:


"Prevê-se que em cada cinco crianças nascidas hoje, três jamais arranjarão emprego estável. "

"Corrompida, a liberdade imergiu-as em novas (outras) desigualdades, indignidades, como as do crescente, insaciável «triângulo negro» da precarização, escravização, exclusão. Direitos penosamente conquistados (na saúde, na assistência, no trabalho, no ensino, no lazer, na cultura) estão a ser dissolvidos em cascatas de perfumado cinismo light. Os jovens que entram no mundo do emprego fazem-no a prazo, a contrato volátil, vendo-se, sem a mínima segurança, impedidos de construir uma vida própria, entre zappings de subtarefas e de pós-formações ludibriadoras. "

"O problema não tem no sistema vigente, o que poucos ousam admitir, solução visível. Enquanto isso há quem, para se confundir (confundir), culpabilize por ele a baixa taxa de natalidade e, lestamente, se proponha incentivá-la – incentivá-la para aumentar o número de crianças abandonadas?, para disparar a percentagem de jovens sem ocupação?, para renovar de carne fresca e farta os canhões, as camas, os catecismos, os esclavagismos? Prevê-se, com efeito, que em cada cinco crianças nascidas hoje em Portugal, três jamais arranjarão emprego estável. "

"A queda, por exemplo, de descontos para a Previdência (que tanta ondulação provoca) não advém da falta de trabalhadores com vontade de fazê-los – aos descontos; advém, sim, da falta de trabalho para serem feitos. Há já mais de 600 mil desempregados «seniores» e de 80 mil jovens à procura do primeiro emprego (40 mil licenciados), sem que ninguém, ao que se observa, se dinamize com isso. Nesta fase, as teses «coelheiras» só iriam agravar, não resolver, os problemas demográficos existentes. "

"Subir a idade da reforma para os 70 anos (aos 50 um trabalhador começa a ser tratado pelos superiores e colegas como um estorvo), aumentar os horários laborais (a produção tornou-se não insuficiente mas excessiva para o mercado), congelar os salários líquidos (enquanto a inflação os baixa) como defendem certos especialistas (que preservam, no entanto, para si retribuições e reformas milionárias) apenas desarticulará o mecanismo social que a humanidade vem, penosamente, construindo no sentido de tornar a existência mais digna e solidária. "

"As velhas gerações , a sair de cena, agarram-se às influências que julgam, julgavam, manter, merecer. Disfarçando desesperos, socalcam sem resultados patéticas vias sacras de cunhas, súplicas, empenhos, hipotecas, tráficos. As crispações que não sentiram quando, décadas atrás, iniciaram as suas carreiras (eram de outro tipo as, então, sofridas) experimentam-nas agora em relação à insegurança inquietante dos filhos e netos. Ingénuas, acreditaram que bastava, como no seu tempo, um curso superior para se ficar protegido, promovido. Fizeram os seus tirá-lo sem reparar que as universidades se transformaram de clubes VIP em fábricas massificadoras, cada vez mais vazias de elitismos internos e poderes externos. "

"Só os filhos-família de famílias dominantes (na direita, no centro e na esquerda, na economia, na política e nos lobbies) dispõem de privilégios garantidos, defendidos."



Comentário:

Concordo em absoluto com o texto de Fernando Dacosta. Só quando percebermos que o mundo baseado no «emprego» está a agonizar, será possível avançar para outras formas de organização social, de produção e de redistribuição da riqueza.

A escravidão do emprego, sempre tão procurado, tão louvado e tão desejado, tem os dias contados.
.

20 comentários:

xatoo disse...

"Nunca nenhuma classe social abandonou o palco da História sem que uma outra classe com um poder maior a obrigasse a fazê-lo"
Karl Marx

onde está a actual organização social autónoma?

Qualquer que seja a nossa opinião sobre a experiência passada do socialismo possivel, uma coisa é inegável. Foi a primeira vez na história humana em que uma sociedade existiu não espontaneamente, não na base do desenvolvimento espontâneo da história, independente da vontade humana, mas com base numa concepção humana.
Na realidade o socialismo definiu, em grande medida, os contornos do avanço civilizacional no século XX. E deixou uma marca indelével em todos os aspectos do século. A partir de então, a humanidade nunca mais se conformará em deixar o seu destino ao sabor das forças cegas da história. A vitória do socialismo, não necessariamente sob a forma que assumiu originalmente, mas talvez sob outra forma, representando uma visão que vai além do capitalismo no sentido da emancipação social, é garantida e inevitável.
Nestas condições, como disse outrora Rosa Luxemburgo e diz hoje Fidel Castro, a escolha que se coloca diante da humanidade é entre o socialismo e a barbárie.

alf disse...

é como diz amigo diogo. O texto do Fernando Dacosta, que eu muito admiro, não passa do lamento dos escravos libertados.

Os jovens de hoje, para grande aflição das respectivas mãezinhas, não estão nada interessados em "emprego para a vida". A estabilidade não é dada pelo patrão, é dada pelo Estado.

Não há nenhum problema de sobrevivência para os jovens, pois a riqueza produzida é sempre crescente, e é isso que interessa. O que pode ter de ser ajustado é a redistribuição da riqueza

Se alguém quiser ter uma visão do que pode ser o futuro, encha-se de paciência e veja a etiqueta "Sociedade" do meu blog. Em 15 minutos ficará a saber o seu próprio futuro como trabalhador e como pensionista...

Diogo disse...

Xatoo: «onde está a actual organização social autónoma?»

Estamos a caminhar para ela a passos largos:

- Vou ao Jumbo e abasteço-me sem contactar com ninguém. Nem com o caixa.

- De caminho meto gasolina no carro sem também sem contactar com ninguém. Saio do carro, meto gasolina e pago com via verde ou cartão.

- Numa caixa automática de bebidas posso escolher entre mais de duas dezenas de produtos como: café, descafeinado, capuccino, galão, etc.

- Chegado a casa posso cozinhar os alimentos de várias maneiras com um microondas.

- De seguida trato de uma data de assuntos (bancários, pagamentos, marcações, etc.) na Internet.

Por fim, escrevo artigos e leio artigos de outros na Internet sem receber nem pagar um tostão.


Se observarmos a automatização crescente de fábricas e de escritórios, a direcção parece-me clara: produção automatizada somada ao faça-você-mesmo recorrendo a elevada tecnologia. Aqui não haverá lugar para o «trabalhador» nem para o «capitalista».

Como diz, e bem, Dacosta:

- «em cada cinco crianças nascidas hoje em Portugal, três jamais arranjarão emprego estável.»

- «O problema não tem no sistema vigente, o que poucos ousam admitir, solução visível»

Diogo disse...

Alf,

Você leu o texto completamente ao contrário. A situação actual dos jovens é completamente desastrosa. Passam a vida a responder a empregos que não existem, não conseguem arranjar um trabalho razoavelmente pago, não podem comprar uma casa, não podem comprar um carro, não têm dinheiro para ter filhos e não têm direito a ter uma vida.

Em que planeta é que você vive Alf?

Anónimo disse...

A isto se chama a Robotização Existencial. A automatização da sociedade cresce a um grau alarmante.
Lembro-me quando trabalhava em Lisboa,nas passadeiras, quando mudava para o sinal verde para os peões (hordas de autómatos - eu incluido)se osgarmizavam a atrevessar, se alguém caísse ninguém parava e se tivesse de ser passava por cima.
Hoje vivemos nas ditaduras das 9H às 17H, muitas vezes, mais cedo e até mais tarde. Quem ousa criticar dentro do seu micro-universo (empresa) tem outro tipo de castigos e torturas. Não tão físicas, como outrora, mas mais psicológicas. O chicote sempre existiu, hoje, é psicológico.

Zorze
http://extrafisico.blogspot.com

Diogo disse...

Zorze,

Quanto mais avançada for a automatização, menos as pessoas estarão ligadas ao ritmo das máquinas. A tecnologia permite ao homem regressar ao seu próprio ritmo e largar de vez todas as correias de transmissão.

Rikhard disse...

infelizmente eu sou um bocado utópico, mas creio que se não começar-mos a pensar em seguir utopias acabaremos por nos destruir.

não será estranho com toda a tecnologia que hoje dispomos a humanidade continuar a subjugar os seus filhos tal como o fazia à centenas de anos, será normal no sec xxi continuar e cada vez mais a haver escravidão?

Não será estranho haver cada vez mais pobres, até mais do que na idade média (proporcionalmente), apesar de ter-mos a capacidade para alimentar toda a gente?

se não mudar-mos o foco, o objectivo da humanidade estamos condenados.

e o foco quanto a mim terá de ser o do conhecimento e do de sai-mos do planeta em direcção às estrelas.

cumps,

rj

Anónimo disse...

É por isso que fico furioso com as políticas de incentivação da natalidade. Estão todos doidos? Querem mais jovens desempregados no futuro? E os pais que não têm tempo para os filhos quando estão empregados? E os que de repente se vêm desempregados e que não os podem sustentar? No momento actual trazer crianças ao mundo é pura inconsciência!

Anónimo disse...

Empregos há muitos, VOCÊS é que não querem trabalhar.
Sim, estou a falar contigo, és um calão.

Os putos de hoje querem é plaistatyonis, e tem aversão ao trabalho duro.
Mas os piores são os comunas licenciados da treta, que não suportam trabalho honesto,há por aí excelentes coisas temporárias e trabalho a voltar hamburgers no fast food.
Dá para comerem metade do mês, que mais querem ?
Não querem é fazer nenhum, 400€ são muito mais do que merecem.
Estes calões são uns exploradores, se calhar queriam mais do que o salário mínimo para fritar hamburgers, não querem sujeitar-se ?, merecem morrer à fome, cambada de comunas.

Nunca pagarei a nenhum dos meus empregados mais do que o salário minimo, que é altíssimo em Portugal.
Não queriam mais nada, nem todos podem ter profissões nobres e ser politicos, banqueiros ou especuladores,alguém tem de fazer o trabalho sujo.

O trabalho é a coisa mais importante, tu existes só para trabalhar e dar lucro, o ser humano realiza-se no trabalho, tudo o resto é secundário.
E nem sequer pensem que a familia é mais importante porque é falso, a maioria destes comunas calões não pode sustentar uma familia.
E o que não existe, não pode ser importante, isto é lógico.

O trabalho é DEUS todo poderoso, e quem não trabuca, não deve manducar.
É muito bem feito que não possam ter filhos e vivam com os pais até aos 50, idade que geralmente se suicidam, não merecem melhor. E poupa-se na segurança social, para as reformas duplas e triplas de quem realmente merece.

Mas há que ter compreensão com esta gentalha, eu sou um homem profundamente religioso, e acho que o governo faz bem em fazer coisas para aumentar a natalidade, é que já estou com dificuldade para arranjar putos para a minha fábrica.
Vou ter de aumentar os turnos dos meus estagiários recibo verde part time de 12 para 16 horas e começar a usar correntes na porta da casa de banho.

Há muito trabalho, para quem quer trabalhar.

Deixo-vos aqui uns links da internet que confirmam o que eu digo, e exijo que leiam, antes de escreverem comentários utopico-comunas.

http://www.jobsletter.org.nz/art/rifkin01.htm
http://www.geocities.com/grupokrisis2003/maquina-trabalho.htm
http://vinculando.org/brasil/conceito_trabalho/fim_do_trabalho_centralidade.html

"...sai-mos do planeta em direcção às estrelas !?"
Deves estar a teclar em linuche.
Sim, vais para as estrelas, mas vais com contrato a prazo e salário minimo, para minerar pitroleo em vênus.
Ou julgas que aqui o pessoal que manda, vai deixar vocês tótos da informática e nanotecologia usarem conhecimento para se libertarem ?
eh eh a tecnologia, como sempre vai servir para vos controlar.
Os "useless eaters", ou seja a ralézita, não pode ter acesso à informação, porque lhes faz mal à cabecinha, vais ver o que vai acontecer à net daqui a uns tempos.
E soldados, polícias robôs, e campos de "trabalho" para ajudar as multidões, serão comuns dentro em breve.
Vocês, vão continuar como sempre, a trabalhar. E a trabalhar.

Abandonem toda a esperança.

xatoo disse...

ehehehe
Darth Vader speaks - desliguem a ficha wireless dos chips a esse cabrão

Diogo disse...

Excelentes links, Anónimo das 23:23.

augustoM disse...

Olá Diogo

O artigo do Fernando Dacosta é muito pragmático, talvez até, desculpa o termo, um pouco ultrapassado.
Vivemos outros tempos, outros paradigmas, são as formas futuras que nos interessam e não os modelos do passado. Estabilidade no emprego, segundo o antigo pensamento, não pode continuar a existir, mas as melhores condições de trabalho, o que é completamente diferente.
Em tempos escrevi no blog um texto titulado Capital Versus Trabalho, no qual dizia, resumindo, que o capital depende do trabalho, como o trabalho depende do capital., um não subsiste sem o outro, o que é preciso é harmonizar esta interdependência. Se não houver compradores, o capital desaparece, se não houver trabalhadores não há compradores. Teríamos muito pano para mangas, mas com as mangas do futuro.
Um abraço. Augusto

Diogo disse...

Olá Augusto,

Dacosta diz: «O problema não tem no sistema vigente, o que poucos ousam admitir, solução visível»

Ele não está agarrado ao passado. Dacosta olha para o futuro. Ele chama a atenção para os absurdos do presente em que continuamos agarrados ao emprego en quanto este está em desaparecimento.

À medida em que o capital é cada vez mais automatizado, temos menos necessidade do emprego, do trabalhador e do capitalista. É um presente-futuro de que ele nos fala.

Dá uma vista a estes links deixados pelo anónimo de cima:

http://www.jobsletter.org.nz/art/rifkin01.htm

http://www.geocities.com/grupokrisis2003/maquina-trabalho.htm

http://vinculando.org/brasil/conceito_trabalho/fim_do_trabalho_centralidade.html

contradicoes disse...

À época da escravidão
já não é possível voltar
mas existe muito patrão
que anda por aí explorar

Trabalhadores com salário mínimo
e sem mais quaisquer regalias
optam pelo rendimento mínimo
pois assim têm mais valias

xatoo disse...

segui os links que o Anónimo deixou, e o mais relevante que li foi isto:
O extraordinário poder da Magia Branca para conseguir as coisas que deseja. Garantia 100%.
- Sobre as "profecias" do Rifkin: basta olhar pela janela mais próxima para ver que é assim. E depois? Acertou naquilo que os neocons fizeram. Enganou-se no outro livro onde previu que a Europa ultrapassaria os EUA. Hoje quem tenha 1000 dólares e 1000 euros para comprar um gadget qualquer vai comprar onde? onde a moeda fôr mais barata, parece-me evidente.
- Quanto ao resto dos outros dois links: a teoria do fim do trabalho é original do Robert Kurz e do Grupo Krisis,
o que signifca que aquela tanga toda em brasileirês é toda plagiada
Vê lá se arranjas coisas mais crediveis que mereçam o teu entusiasmo amigo Diogo
.

xatoo disse...

fui ver melhor. afinal o tal brasuca Atanásio Mykonios que assina a prosa (que subentendi ser dele) deixa um link para o Kurz, creio que não é plágio, é mesmo um copy-past.
E aí estamos no meu terreno: "Com Marx para além de Marx" cito do Edit (um prolongamento/cisão do Krisis)
Mas, sem primeiro perceber Marx, nada feito. Não adianta falar, nem de Rifkins, nem Toflers, nem Viviannes Forresters, etc (todos marionteas sociais democratas comprometidos com o sistema.

Anónimo disse...

http://www.whywork.org/rethinking/whywork/critique.html

http://www.box.net/shared/z4zmarpyvd

http://www.atrolha.com.br/asp/trabalhos.asp?id=187

http://acd.ufrj.br/~confrariadovento/numero5/ensaio01.htm

http://diarioeconomico.sapo.pt/edicion/diarioeconomico/edicion_impresa/destaque/pt/desarrollo/1028246.html

Amostra III - Calendário maia
http://poeiracosmica.verdadeabsoluta.net/cms/?p=21
"...consideram que essa data marcará o fim de um tipo de mundo, o que por definição pode ser várias coisas: o fim da hegemonia dos Estados Unidos, o fim do trabalho como nós conhecemos hoje, o fim do dinheiro"

O extraordinário poder da white magic (magia branca): www.whitemagic.biz

Diogo disse...

Xatoo: «Vê lá se arranjas coisas mais crediveis que mereçam o teu entusiasmo amigo Diogo»

O fim do trabalho-emprego está à vista de todos. Só não vê quem não quer.

alf disse...

diogo

todas as pessoas que eu conheço e sabem fazer alguma coisa têm trabalho. Mais: os mais jovens passam a vida a mudar de emprego; e mudam porque podem, porque lhes apetece fazer algo diferente, porque querem "saber os seus limites", porque querem ganhar mais.

Mas claro que existe imensa oferta de emprego não qualificado, que pode ser preenchido por pessoas de qq parte do mundo, levando a que quem anda nesses empregos se veja confrontado com uma situação de grande precariedade.

De quem é a culpa? Dos patrões exploradores? Nada disso, é nossa, classe média, porque somos nós os responsáveis por uma legislação que o permite.

Na Dinamarca isso não é possível, não aceitam emigrantes, logo não há ninguém disponível para trabalhar barato e precariamente.

Notem que eu não culpo os emigrantes de nada, até os aprecio pela sua iniciativa, mas isso não obsta a que sejam usados por nós, classe média e de bem na vida, para termos serviços mais baratos, a começar pelas empregadas domésticas.

Agora em Espanha o problema está a pôr-se com os emigrantes portugueses na construção civil. Isto mostra logo a diferença para Portugal - cá, se existissem uns emigrantes dispostos a trabalhar por metade do preço, agarravamo-nos logo a eles e chamavamos aos portugueses que queriam ganhar o dobro uns chupistas, não era?

Mas em Espanha não vai ser assim, não vão deixar degradar os ordenados por causa dos emigrantes. É isso que faz deles um pais com futuro.

Diogo disse...

Caro Alf,

Concordo, em parte, consigo. Mas mesmo a nossa vizinha Espanha tem uma geração de 1000 euristas – jovens (até aos quarenta e tal) que não conseguem ganhar o suficiente para ter uma casa ou um filho. O futuro é sombrio.