De "Público", de 5 de Abril, transcrevo, com a devida vénia, um artigo de Pedro Ribeiro na secção "Visto", intitulado, tal como cito em epígrafe, "O Papa e a bola".
"A morte de João Paulo II foi anunciada meia hora antes do início do jogo da Superliga entre o Boavista e o Sporting. O que terá colocado um dilema complicado aos programadores da TVI: mantém-se a bola ou substitui-se a partida por uma emissão especial sobre a morte do sumo pontífice católico?
A TVI resolveu transmitir o jogo, passando em rodapé títulos sobre a morte do Papa e, ocasionalmente, dividindo o écran entre imagens do Bessa e do Vaticano. Para alguns católicos a decisão pode parecer insultuosa. Até porque a TVI nasceu como uma estação de inspiração católica.
A mim parece-me que a TVI fez bem. O canal é privado e já nem sequer é católico; não tem as mesmas obrigações do serviço público ou da Rádio Renascença. (...)
Para a minoria da população que não é católica, ou que sendo católica preferia ver o jogo, a TVI prestou um bom serviço. De resto, os números de Marktest revelam que as audiências da TVI foram superiores às das outras estações - o que não justifica a decisão por si só, mas demonstra que muitos portugueses reflectiram sobre o desaparecimento do Papa enquanto viam o Boavista-Sporting. (...)
E João Paulo II, sócio honorário de muitos clubes, até gostava de futebol."
Curiosa ideia a de Pedro Ribeiro ! O facto de as audiências do Boavista-Sporting na TVI terem sido superiores às das outras estações demonstra que os portugueses "reflectiram" sobre o desaparecimento do Papa enquanto viam a bola !
Porventura uma original variante da filosofia oriental, a conhecida "Meditação transcendental". Temos assim, em versão lusa (ou de Pedro Ribeiro), a "Meditação em assuntos transcendentais enquanto se vê a bola na TV".
Refinando um pouco a dita filosofia e usando um bocadinho a imaginação, no recente Chelsea-Bayern, por exemplo, é certo que se perderiam bons lances de futebol, entre outros um óptimo golo de Frank Lampard, mas ganhar-se-ia em "reflexão" sobre o papel de Blair na recente guerra do Iraque. E entender-se-ia, porventura, o golo de Ballack, de penalty (inexistente ou, pelo menos, muito duvidoso) perto do final, como símbolo de "ressarcimento" de passadas e dolorosas memórias alemãs.
E, no campo mais estrito, "nacional", que melhor jogo para reflectir sobre a (des)Educação em Portugal e sobre o negócio do Turismo (ou destruição das áreas costeiras, como se preferir) , do que o Académica-Estoril de domingo passado ?
Uma dúvida, no entanto, me perturba. É que, ao brilhante raciocínio de Pedro Ribeiro, podemos aplicar algo muito em voga, o célebre "princípio do contraditório", tão citado quando foi "impedido" de "cronicar" na TV, um mui afamado comentarista de perfil aquilino e ribeiro transbordante de sabedoria.
E se, "por supuesto", a TVI tivesse decidido não transmitir o Boavista-Sporting, ocupando o espaço televisivo com uma emissão especial sobre a morte do sumo pontífice ? Será que, em tal eventualidade, haveria portugueses que seriam capazes de "reflectir" sobre o Boavista-Sporting ou até ouvir o relato radiofónico do mesmo enquanto a TVI transmitia a dita emissão especial ?
Como são ínvios e árduos os caminhos e desígnios do Senhor !
3 comentários:
Um regresso em grande Emílio. O artigo está excelente.
Toda a gente sabe que J.Paulo II aproveitava todos os Roma-Lázio para discorrer sobre o ecumenismo.
Excellent, love it! » »
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