domingo, janeiro 28, 2007

O aeroporto de Beja, o Alqueva, o Sócrates e os resorts

Sérgio Palma Brito - Diário de Notícias, 14 de Agosto de 2006

Um aeroporto em espaço rural?

No mais recente documento estratégico do Governo lemos: "Em 2008, estarão criadas as condições para dar-se início à exploração comercial do aeroporto de Beja (31 milhões de euros). O desenvolvimento do aeroporto terá justificação em função dos empreendimentos turísticos que estão a ser realizados no Alentejo a longo prazo. Adicionalmente, existem outros negócios (e. g. aeronáutica, manutenção, escola de treino...) que podem complementar a rentabilidade do aeroporto, mas que dificilmente justificam a sua viabilidade."

Sobre o plano de negócios do aeroporto de Beja, tenho lido os devaneios mais extraordinários, mas, talvez por ser alentejano, não os consigo entender.

A realidade é simples. Carga, não há. Mercado outbound (com destino ao estrangeiro), também não. Actividades aeronáuticas não se vislumbram.

Qualquer resort do litoral do Algarve está a mais de 120 km do aeroporto e, no interior, estará sempre muito mais perto de Faro.

Para servir a área de Lisboa, Beja só pode competir com a Ota em franjas de Setúbal-Sul. (...) Os resorts previstos para o Alentejo estão dispersos pela região. A maior concentração de camas vai de Tróia à Comporta e esta está a, pelo menos, 100 km. O posicionamento ambicioso dos resorts do Alentejo exclui-os do mercado charter de médio curso. Não vislumbro exemplo de um aeroporto para voos low-cost com a envolvente de Beja - alguém elaborou um benchmarking?


Comentário:

O aeroporto de Beja, orçado em 31 milhões de euros, é apenas a cereja no topo do bolo. Se já se construiu o Alqueva, o maior lago artificial da Europa, à custa do contribuinte para beneficiar os investidores turísticos, como não construir um aeroporto, igualmente à custa do contribuinte, para transportar os turistas aos resorts que vão ser construídos nas margens do lago?



Miguel Sousa Tavares – Expresso 10.06.2006:
O caso é que os contribuintes foram chamados a co-financiar o maior investimento público de sempre, porque lhes foi dito que, em obediência a um princípio de solidariedade nacional, havia que dar água e viabilidade agrícola ao Alentejo. Mas, afinal, descobre-se que não: que a melhor solução para Alqueva é continuarmos a comer alfaces espanholas e vender golfe aos ingleses. Seja. Mas enquanto que os contribuintes têm razões para sentirem que pagaram uma falsa necessidade pública, outros haverá, muito poucos, que vão fazer uma fortuna à conta do seu investimento: os proprietários de terras e os investidores turísticos. Sem Alqueva, eles não estariam minimamente interessados em investir lá, e, sem o esforço dos contribuintes, não haveria Alqueva. Isto significa, em termos práticos, que, através da mediação do Estado, o dinheiro de muitos vai ser transferido para o bolso de muito poucos. Há muitos palavrões jurídicos que me ocorrem para definir isto: desvio de poder, simulação de negócio, esbulho, fraude, enriquecimento sem causa, privatização gratuita de bem público, abuso de confiança, etc., etc. Ou, mais simplesmente, negócios à portuguesa: de um lado, o favor do Estado; do outro, a mal-chamada iniciativa privada.

9 comentários:

Anónimo disse...

Bravo caro Sofocleto... sem dúvida este aeroporto é o término de mais um investimento hipócrita do Estado com dinheiro dos contribuintes. Sob pretextos de solidariedade e bem-estar, "vejo-me" hoje mais pobre, com pior qualidade de vida porque o Estado prefere investir o dinheiro dos portugueses em embustes.

contradicoes disse...

Espanta-me a sua estranheza meu caro Sofocleto, pois neste País sempre assim foi sempre assim será, os Estado investe sempre nas infra-estruturas e depois os empresários montam os negócios. Sim porque negócios que envolvam capital de risco só acontecem com aventureiros que não têm conhecimentos nos executivos. Os outros prometem os investimentos e aguardam primeiro que o Estado lhes garanta a rentabilidade do negócio que só depois o montam. O lucro é garantido.
Um abraço do Raul

Diogo disse...

Não há estranheza nenhuma meu caro Raul. Já há muito que me apercebei que os governos estão ao serviço do dinheiro. Todos os últimos grandes desígnios nacionais não passam de jogadas mal amanhadas: Expo 98, os estádios do Euro 2004, o Alqueva, a Ota e os TGVs. Os portugueses estão a ser esbulhados de forma infame.

Anónimo disse...

Não vejo qual é a estranheza. Uma das funçoes do Estado é justamente criar condições atractivas para os investidores criarem empresas e empregos.

Diogo disse...

Caro Anonymous,

Depende do investimento do Estado, da dinâmica económica gerada e dos empregos que forem criados. Será que se teria investido um chavo no Alqueva se se soubesse que o objectivo eram resorts? Os empregos criados com este investimento serão mais e melhores do que com outros tipos de investimentos? Ou tudo não passou de uma jogada entre políticos, grandes proprietários de terras e investidores turísticos?

Anónimo disse...

O primeiro-ministro, José Sócrates, anunciou ontem, em Beja, que estão garantidos os 900 milhões de euros para concluir "mais rapidamente" o Alqueva, até 2015, projecto de "enorme importância nacional" e que "já está a dar frutos".

"Alqueva é um projecto nacional. Precisamos de o completar muito mais rapidamente do que aquilo que tinha sido inicialmente previsto", declarou Sócrates.

"A pressa que o Estado tem de completar Alqueva é porque sente que o me rcado está a reagir. Alqueva está a despertar interesse do ponto de vista turístico", afirmou José Sócrates, defendendo a necessidade de "responder à vontade do s empreendedores que querem desenvolver os seus projectos".

xatoo disse...

o ano passado, uma noticia de jornal dizia que o aeroporto de Beja já tinha tido 5 Admnistrações sem que uma única pedra do empreendimento tenha sido lançada desde que os alemães abandonaram a gestão da base militar ali existente.
O mal do "nosso (deles) país", a todos os niveis, sempre foi este: sustentar administrações e admnistradores a pão-de-ló,
enquanto no terreno a seara é pilhada. (p/e, desde há 30 anos para cá, os alemães da Base compraram quase todas as propriedades de valor no litoral alentejano). Como os Conselhos de Administradores ganham (principescamente) bem, desde que vá chegando para eles o resto é cagativo,,,

Anónimo disse...

Bem eu conheço bem esta Base Aerea,e sei quanto o Estado Portugues perdeu desde que foi criada.Tudo estava pronto para funcionar sim porque se sempre poderam aterrar avios de grande porte vindos da Alemanha.Nao consigo entender como vai precisar gastar tanto dinheiro para aterrar um aviao civil.Fico com impressao que tem muita gente que vai aproveitar destes milhoes.Primeiro se deixou tudo ao abandono para que a natureza podesse distruir tudo,agora se fala em reconstruir.Se atö agora passou por 5 Administraçoes na face de distruimento ,podem imaginar quantas vao ser precisas para construir??

Anónimo disse...

Tanto dinheiro seus hipócritas? realmente até tenho vergonha de ser português! Querem tudo para Lisboa e Litoral? Nós no Alentejo também pagamos impostos, andamos a pagar ampliações de portelas, otasl, cril e crel, auto estradas de norte a sul (via litoral) e o alentejo chupa no dedo? tembém temos direito a ver alguma coisa resultado dos nossos impostos! Elefante branco é a ota e afins! mamarrachos que se fazem em lisboa, tipo centro cultural de belém, já nem falo da expo, essa ainda revitalizou uma zona horrivel! é para ricos, mas prontos... o alentejo não quer que tenham pena dele, quer apenas não continuar a ser injustiçado! já viram bem os tesouros que a região tem e a riqueza que pode gerar? não falo do golf! olhem para a andaluzia espanhola (o alentejo lá do sitio) e vejam as diferenças! só não se faz quando não ha vontade para tal!