quarta-feira, maio 14, 2008

Miguel Sousa Tavares - "Sr. Sócrates, chega de jogadas feitas na sombra"


Miguel Sousa Tavares (Expresso 10/05/2008)

Por favor, não governem mais!

«(...) E quem sentiu a necessidade urgente de mais auto-estradas a rasgar todo o interior já deserto, de um novo aeroporto para Lisboa, de um TGV de Lisboa para Madrid, outro do Porto para Vigo e de uma nova ponte sobre o Tejo para o servir? Quem foi que andou a gritar “gastem-me o dinheiro dos meus impostos a fazer auto-estradas, pontes, aeroportos e comboios de que não precisamos”? Porque razão, então, o lóbi das obras públicas, os engenheiros, projectistas, banqueiros e advogados que os assessoram, mais a ilusão keynesiana do primeiro-ministro, nos hão-de impingir o que não pedimos?

Fomos nós, porventura - ou os autarcas, os especuladores imobiliários e os empresários do turismo - que reclamámos a legislação de excepção dos Projectos PIN para dar cabo da costa alentejana e do que resta do Algarve? Foi nossa a decisão que a Comissão Europeia classificou como uma batota para contornar as normas de protecção ambiental e ordenamento do território?

Fomos nós que reclamámos a privatização da electricidade para depois a pagarmos muito mais cara ou que, inversamente, protegemos até ao limite o monopólio da PT nos telefones fixos, em troca de termos o pior e o mais caro serviço telefónico da Europa?

Fomos nós que nos revoltámos contra o queijo da Serra feito em mesas de mármore, a galinha de cabidela ou o medronho da Serra de Monchique? É em nome da nossa vontade e da nossa cultura que o «ayatollah» Nunes e a sua ASAE aterrorizam e enfurecem meio país?

Fomos nós que estabelecemos uma sociedade policial contra os fumadores, que quisemos encher Lisboa de radares para controlar velocidades impossíveis e ajudar a fazer da caça à multa o objectivo principal da prevenção rodoviária?

Fomos nós que concordámos em que os agricultores fossem pagos para não produzir, os pescadores para não pescar, as empresas para fazer cursos de formação fantasmas ou inúteis, alguns escritores para terem ‘bolsas de criação literária’ para escrever livros que ninguém lê, os privados para gerir hospitais públicos com o dobro dos custos?

Fomos nós que aceitámos pagar por caças para a Força Aérea que caem todos sem nunca entrar em combate, helicópteros que não voam por falta de sobressalentes, submarinos que não servem para nada, carros de combate que avariam ao atravessar uma poça de água?

Fomos nós que decretámos que o Euro-2004 era “um desígnio nacional” e, para tal, desatámos a construir estádios habitados por moscas, onde jogam clubes que vegetam na segunda divisão ou se aguentam na primeira sem pagar aos jogadores, ao fisco e à Segurança Social? E é a nossa vontade colectiva que anda a animar uns espíritos inspirados que já por aí andam a reclamar um Mundial de Futebol ou mesmo uns Jogos Olímpicos?

Ah, e a regionalização, essa eterna bandeira de almas ingénuas ou melífluas, que confundem descentralização com jardinização? Esse último disparate nacional que falta fazer e com o qual nos ameaçam ciclicamente com o argumento de que está na Constituição, embora nós já tenhamos respondido, clara e amplamente, que dispensamos a experiência, muito obrigado?

Será que não se pode acalmar um bocadinho os nossos esforçados governantes? Pedir-lhes que parem com os “projectos estruturantes”, os “desígnios nacionais”, os “surtos de desenvolvimento”, os PIN, os aeroportos, pontes e auto-estradas, que deixem de se preocupar tanto com o que comemos, o que fumamos, o que fazemos em privado e o que temos de fazer em público? Eu hoje já só suspiro por um governo que me prometa ocupar-se do essencial e prescindir do grandioso: um governo que prometa apenas tentar que os hospitais públicos funcionem em condições dignas e que não haja filas de espera de meses ou anos para operações urgentes, que os professores e alunos vão à escola e uns ensinem e outros aprendam, que os tribunais estejam ao serviço das pessoas e da sua legítima esperança na justiça e não ao serviço dos magistrados ou dos advogados, que as estradas não tenham buracos nem a sinalização errada, que as cidades sejam habitáveis, que a burocracia estatal não sirva para nos fazer desesperar todos os dias. Um governo que me sossegue quanto ao essencial, que jure que não haverá leis de excepção nem invocados “interesses nacionais” que atentem contra o nosso património: a língua, a paisagem, os recursos naturais.

Mas não há dia que passe que não veja o eng.º Sócrates a inaugurar ou a lançar a primeira pedra de qualquer coisa. E encolho-me de terror perante esta saraivada de pedras, que ora ajuda a roubar mais frente de rio a Lisboa, ora entrega mais uma praia a um empreendimento turístico absolutamente necessário para o “desenvolvimento”, ora lança mais uma obra pública inútil e faraónica destinada a aliviar-me ainda mais do meu dinheiro para o dar a quem não precisa. Vivo no terror dos sonhos, dos projectos, das iniciativas de governantes, autarcas e sábios de várias especialidades. Apetece dizer: “Parem lá um pouco, ao menos para pensar no que andam a fazer!”

Além de mais, já não percebo muito bem o que justifica tanto frenesim. Já temos tudo o que são vias de transporte concessionado para as próximas gerações: auto-estradas, pontes, portos, aeroportos (só falta o comboio, mas os privados não são parvos, vejam lá se eles querem ficar com o negócio prometidamente ruinoso do TGV!). Já temos tudo o que é essencial privatizado (só falta a água e palpita-me que não tarda aí mais esse ‘imperativo nacional’). É verdade que ainda faltam alguns Parques Naturais, Redes Natura e REN por urbanizar, mas é por falta de clientes, não por falta de vontade de quem governa. Já faltou mais para chegarmos ao ponto em que os governos já não terão mais nada para distribuir. Talvez então se queiram ocupar dos hospitais, das escolas, dos tribunais. Valha-nos essa esperança.»


Comentário: Mas é o próprio Miguel Sousa Tavares que, numa lógica desassombrada, assenta uma forte machadada na esperança de um período de obras menos faraónicas, menos inúteis e menos ruinosas:

Miguel Sousa Tavares (Expresso 07/01/2006): «Todos vimos nas faustosas cerimónias de apresentação dos projectos [Ota e TGV], [...] os empresários de obras públicas e os banqueiros que irão cobrar um terço dos custos em juros dos empréstimos. Vai chegar para todos e vai custar caro, muito caro, aos restantes portugueses. O grande dinheiro agradece e aproveita.»

«Lá dentro, no «inner circle» do poder - político, económico, financeiro, há grandes jogadas feitas na sombra, como nas salas reservadas dos casinos. Se olharmos com atenção, veremos que são mais ou menos os mesmos de sempre.»
.

15 comentários:

alf disse...

a sociedade tem de manter em movimento, tem de produzir nem que seja para destruir a seguir. Nós temos uma sociedade organizada sobre o trabalho, pior, sobre o emprego.

Queremos empregos não é? então, é preciso fazer coisas. Mas a nossa eficiencia produtiva é tal que podemos fazer tudo o que é realmente necessário à população toda usando como mão-de-obra apenas uma pequena parte. E os outros?

E, claro, em Portugal tem de ser obras de construcção civil. Com uma população maioritariamente analfabeta funcional, que mais se pode fazer?

E não vale a pena culpar esta ministra da educação - a culpa já vem do D . Carlos, que era responsavel por um pais com uns 99% de analfabetos e esteve-se nas tintas. Leva tempo a corrigir isso.

Suponho que ninguem fala da peste que foram os nossos reis porque ao pé deles o Salazar ainda ía parecer um santo...

Diogo disse...

Caro Alf, se como diz, e bem em minha opinião, a nossa eficiência produtiva é tal que «podemos fazer tudo o que é realmente necessário à população toda usando como mão-de-obra apenas uma pequena parte», e com o desenvolvimento exponencial da tecnologia essa eficiência produtiva aumentará também exponencialmente resultante na subsequente diminuição dos postos de trabalho.

Não se tem de produzir nem que seja para destruir a seguir. Tem de se produzir na medida das nossas necessidades (e isto inclui toda a gente). Que sobre mais tempo livre para toda a gente não me repugna nada. Que os resultados da produção caiam apenas nos bolsos de alguns é que não. E que se façam projectos inúteis também não.

contradicoes disse...

Mas como uma enorme diferença em relação aos casinos, onde aqui tem de existir o factor sorte para acertar na roleta, quando no caso das grandes empreitadas a roleta está viciada e contempla todos quantos estão envolvidos na negociata, chegando até
a beneficiar o simples fiscal da obra
ou medidor orçamentista.

Anónimo disse...

Técnicos Oficiais de contas
Contabilidade-Irs-Administração de Condomínios
Email: marquesemartins@gmail.com

xatoo disse...

as "grandes obras" a nivel de macro economia estruturam os niveis abaixo do emprego, do consumo e dos pequenos comércios e serviços. Uns são grandes, outros são pequenos. Sempre foi assim. Então, qual é a utilidade de estarmos a perder tempo a ler o MST? - se o que o homem escreve tivesse alguma razão de ser, se eventualmente os seus correlegionários do Expresso (com o Dr. Balsemão do Bilderberg à cabeça)chegassem alguma vez ao poder visivel, iriam mudar alguma coisa?, por acaso propunham-se acabar com o sistema capitalista?
claro que não.
o que o sr. MST escreve são apenas "teasers" (na gíria militar manobras de diversão) para agregar opiniões de leitores de um grande meio de comunicação social, que assim ficam com a ilusão que há contestação e que esses graves problemas que nos afectam a todos podem eventualmente ser resolvidos por uma alternativa.
Claro que é um embuste; este MST, mascarado com bitaites de esquerda, ainda é mais perigoso que todos os trauliteiros da direita burra e dura juntos
.

Anónimo disse...

Spin Doctor:

http://maisoumenospolitica.blogspot.com/2007/12/interessante.html

Diogo disse...

Xatoo,

As grandes obras têm cada vez menos impacto na economia e no emprego. Já não vivemos num mundo keynesiano. E se as «grandes obras» são inúteis, o impacto é profundamente negativo. Está-se a desviar dinheiro e energia directamente para os bolsos dos banqueiros e empreiteiros, recursos que seriam vitais noutros campos.

Miguel Sousa Tavares é o único que chama ladrão ao Sócrates num jornal de grande tiragem. É o único que relaciona directamente, com os nomes todos, os «nossos governantes» com os bancos, com os empreiteiros e chapa-o em letras garrafais no Expresso. Sousa Tavares é mais prejudicial aos Sócrates do que muitas manifestações de rua.

xatoo disse...

é capaz de ser, mas,
e a seguir ao Sócrates vem o PSD, certo?

xatoo disse...

vale a pena ler com muita atenção o link deixado pelo Alexandre Leite; parece que foi feito à medida do MST:
Estas manobras de diversão nunca são descobertas, ou quando são, já serão no final de toda esta estrutura de manipulação for "desmontada". "Quando ficar visível para todos, o que está a ser feito, foi mal feito e com base em pressupostos errados e dados cozinhados, não vale a pena dizerem uns que foram ludibriados, e outros avaliaram mal a situação", porque não há nada a fazer.

"We can´t overcome the capacity of the Spin Doctors to dominate the news because they save so much work by putting stories in our hands"
.

R disse...

É engraçado ler um dos mais chauvinistas que mais lucra com o estado das coisas, vir miar contra quem lhe dá o fogo para se aquecer nas noites frias.

Vergonha Sr. Miguel Sousa Tavares, que por ventura já que fala nos "fundos literários" que cospem livros que ninguém lê, eu pergunto se alguém leu o seu, ou algum dos seus.

Diogo disse...

Xatoo,

O artigo do Alexandre Leite está muito bom. Simplesmente não acho, de forma nenhuma, que o Sousa Tavares seja um Spin Doctor, sempre a inventar assuntos para nos desviar do essencial.

Os gastos fabulosos que se têm feito e outros que se preparam com os Estádios, as Expôs, os aeroportos, os TGVs, as auto-estradas, etc, não são peanuts para distrair a maralha. São, a par dos roubos incomensuráveis dos bancos e da globalização-privatização criminosa dos serviços públicos, um dos vértices da extorsão que se está abater sobre os portugueses. Conhecer um vértice da ladroagem é meio caminho andado para perceber os outros e para entender a verdadeira natureza daquilo a que chamamos «democracia».

Sousa Tavares está muito longe de ser um Karl Rove. Muito pelo contrário.

Anónimo disse...

Se calhar fala-nos sobre o essencial, apontando o dedo à ferida, mas não apontando o dedo à "faca" que provocou a ferida!

Os discursos como o dele são na generalidade contra os governantes, indiciando que eles são incompetentes ou que são fracos e cedem aos lóbis, apontando como solução um governo "competente" e "forte". Mas aqui não há um problema de competência! O Sócrates tem sido bastante competente a fazer o seu serviço. Não é por ele ser "incompetente" que os hospitais fecham. É por ser competente que os consegue fechar e mesmo assim manter-se com níveis altos nas sondagens! E claro que ele vai "ceder" aos lóbis pois é para eles que ele trabalha!

Como li hoje no Resistir.Info:
"Àqueles que procuram desesperadamente uma solução para este problema dentro do sistema temos a dizer, francamente, que não podemos pensar em nenhuma. O máximo que se pode fazer é alterar radicalmente a natureza do próprio sistema: uma drástica redistribuição do rendimento e da riqueza em favor daqueles menos ricos e um programa maciço de investimento social em favor daqueles que mais precisam dele. Mas o capitalismo só é capaz de seguir esta estrada numa extensão limitada e só sob coacção extrema — e uma vez anulada a pressão ele reverte para os seus velhos caminhos. Mais cedo ou mais tarde (desde que uma catástrofe nuclear ou ambiental não pare o relógio) o mundo será forçado a procurar um caminho melhor e mais humano."

E o MST não quer mudar o sistema, quer "moralizar" o sistema. Quer que o sistema funcione... mas mais devagar. "Parem lá um pouco", deixem-nos respirar, metam umas eleições pelo meio, e depois podem continuar!

(o texto dos Spin Doctors não é meu! É do autor do blogue que indiquei.)

Anónimo disse...

Por favor mudem o sistema
Governativo!!!!!
É preciso Presidência da Republica???
....espero que todos aqui tenham conhecimento das despesas (dinheiro do povo)...

É necessário tantos deputados que nada contribuem para o melhoramento do País e apenas por lá estão vestidos de "Armanis" e falam , falam para nada dizer??
Mas afinal que pensa o povo português???
Dizem que há chulos na prostituição...e este governo e presidência e antes destes e antes quem são???
Tudo isto é surreal.
Beijos Diogo

Anónimo disse...

Pois... é mais ou menos isso que ele faz...

Anónimo disse...

TODA ESTA FANTASIA DE GOVERNAÇAO SO ACONTECE PORQUE TODO ESTE GOVERNO JULGA NOS ANALFABETOS ,MAS A VERDADE É QUE NOS SOMOS UM PAÍS DE FUTEBOL ....TEMOS QUE NOS JUNTAR E GRITAS BASTA OU ACABAMOS TODOS COMO ANIMAIS A FUGIR DE CAÇADORES COMO ACONTECEU EM OUTROS TEMPOS ...........