quinta-feira, junho 09, 2005

Imoralidades adquiridas

Ministro das Finanças (Luís Campos e Cunha ) declara no Parlamento - 9 Junho 2005



«Truques» com dias contados

O ministro de Estado e das Finanças, Luís Campos e Cunha, afirmou hoje no Parlamento que «terminou o tempo das hesitações e dos truques contabilísticos» no combate ao défice orçamental.

No debate parlamentar sobre o programa de estabilidade e crescimento (PEC), o ministro disse que a estratégia assenta em cinco pontos: o reforço da Administração Pública e da gestão dos recursos humanos, a promoção da sustentabilidade da segurança social, a melhoria da qualidade da despesa pública, a simplificação e moralização do sistema fiscal e a realização de privatizações.

Campos e Cunha justificou ainda a necessidade de reduzir a despesa corrente primária - a que o Estado faz sem contar com os encargos que tem com a dívida pública - o aumento dos impostos e a redução do défice.

Sobre a primeira, disse que é pela redução das despesas que se procede a uma real consolidação orçamental. Pormenorizou que os encargos com pessoal e com transferências para as famílias representam 33 por cento do produto interno bruto, ou 80 por cento da despesa corrente primária ou ainda 90 por cento de todos os impostos e contribuições.

«O aumento dos impostos deriva de não ser realista pensar em baixar a dívida sem aumentar a receita fiscal», disse.

Sobre a redução do défice, argumentou que a «sustentabilidade da despesa pública não é questão ideológica», uma vez que o Estado tem de pagar o que gasta. Ideológica será a discussão sobre o papel do Estado e as suas funções, argumentou.



Fernando Madrinha – Expresso – 4 de Junho de 2005:

O lixo debaixo do tapete

Sucessivas levas de políticos legislaram para si privilégios que são um luxo num país pelintra.

(...)

Uma das questões mais sérias na política é a autoridade moral de quem decide sobre a vida de todos. Pois bem, também aqui tivemos esta semana exemplos clamorosos de privilégios absurdos e da resistência larvar que grassa em alguns sectores políticos, começando pelo partido do Governo, perante a ameaça de os perderem. Primeiro, soube-se que Alberto João Jardim se tinha reformado com a simpática pensão de mais de quatro mil euros, que vai acumular com uma parte do vencimento de presidente do Governo Regional. Depois, que o próprio ministro das Finanças goza de uma pensão bastante mais generosa - o dobro da de Alberto João - a que ganhou direito com uma passagem pelo Banco de Portugal e que acumula com o vencimento de ministro. Como eles dizem e repetem, tudo é transparente e legal. Têm absoluta razão. Só que o problema é mesmo esse: ser tudo legal. Ao longo dos últimos 30 anos, sucessivas levas de políticos cuidaram de legislar para si privilégios de luxo num país pelintra. E acautelaram essas almofadas para o seu futuro, não só nas funções políticas - da câmara mais pequena e remota até ao topo do Estado - mas, em especial, nos cargos que abicham em empresas e bancos públicos por onde circulam à vez e onde garantem mordomias que deixam a pensão de Jardim a anos-luz.

Essas almofadas tanto podem chamar-se pensões como subsídios de reintegração, como subvenções vitalícias ou outra coisa qualquer. Permitem, por exemplo, a um deputado que nunca pediu a palavra no hemiciclo e que só passou por lá meia dúzia de anos o conforto de uma reformazita, pouco depois dos 30. Por isso espanta e indigna ouvir-se um ministro e um líder parlamentar - logo o ministro das Finanças e logo o chefe da bancada socialista - referirem-se a esses privilégios como «direitos adquiridos». Algum deles é capaz de ir agora explicar aos 500 mil desempregados porque perderam o elementar direito ao trabalho que até está consagrado na Constituição e que também julgavam adquirido?



Comentário:
Neste caso, em concreto, sinto-me dividido. Um homem com as competências de Campos e Cunha merecia, seguramente, um lugar de maior prestígio que o de Ministro das Finanças de Portugal. Eu colocava-o, ou como embaixador português em Bagdade, ou como adido cultural no Irão. Em qualquer caso, a curto prazo, a despesa nacional diminuiria uns bons milhares de euros.