segunda-feira, março 31, 2008

Richard Perle - Não há fases. Isto é guerra total



Richard N. Perle é um conselheiro político e lobista americano que trabalhou para a Administração Reagan como assistente do ministro da Defesa e, também, no Conselho do Comité Consultivo da Política da Defesa [Defense Policy Board Advisory Committee] de 1987 a 2004. Foi igualmente Presidente desse Conselho de 2001 a 2003 sob a Administração Bush.

O jornalista John Pilger entrevistou Richard Perle em 1987, quando este era conselheiro do presidente Reagan e falava sobre guerra total. Nessa altura, Pilger pensou que ele era louco. Recentemente Perle usou novamente esse termo sobre a «guerra ao terrorismo»

Richard Perle, presidente do Conselho do Comité Consultivo da Política de Defesa do Pentágono, comentou, em finais de 2002, os planos da administração Bush na guerra ao terrorismo:

- «Não há fases. Isto é guerra total. Estamos a lutar contra uma série de inimigos. São imensos. Esta conversa toda acerca de irmos primeiro tratar do Afeganistão, depois, do Iraque, de seguida olharmos em volta e vermos em que pé estão as coisas. Esta é a maneira mais errada de fazer as coisas... se deixarmos a nossa visão do mundo ir para a frente, se nos dedicarmos totalmente a ela, e se deixarmos de nos preocupar em praticar diplomacia elegante, mas simplesmente desencadearmos uma guerra total... daqui a uns anos os nossos filhos cantarão hinos em nosso louvor.»
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quinta-feira, março 27, 2008

Quem quer que controle o volume de dinheiro em qualquer país é senhor absoluto de toda a sua indústria e comércio

"Whoever controls the volume of money in any country is absolute master of all industry and commerce." - James A. Garfield, President of the United States


Os Bancos Centrais injectam triliões nos bolsos dos Senhores do Dinheiro




Miguel Sousa Tavares - Expresso 22/3/2008

A cor (suja) do dinheiro

Parece que, afinal, as notícias de que a Santa Sé teria declarado como novo pecado mortal ser-se rico demais eram ligeiramente exageradas. A Santa Sé não disse tanto - aliás, não se atreveu a relembrar o que está escrito no Novo Testamento há dois mil anos sobre o camelo e o buraco da agulha. Bem o podia ter feito, que vinha mesmo a calhar, agora que o mundo vive na iminência de uma recessão económica global e grave, causada pelo excesso de ganância dos muito ricos.

Alan Greenspan, ex-presidente da Reserva Federal americana, lembrou-se agora de avisar que vem aí a maior recessão económica dos últimos sessenta anos. Pena que não se tenha lembrado de avisar antes, quando, do alto do seu imenso poder de controlo e influência sobre o governo federal e o sistema financeiro americano, assistiu tranquilamente ao crescimento da ‘bolha imobiliária’ nos Estados Unidos, à ganância de banqueiros de vão de escada (escudados em bancos mais poderosos e supostamente mais responsáveis), incentivando os consumidores a recorrerem desenfreadamente ao crédito e assim manterem os preços especulativos do imobiliário. E quando assistiu também, sem uma palavra, aos esforços perseverantes do sr. Bush para derreter os excedentes orçamentais herdados de Clinton e voltar a endividar os Estados Unidos até ao tutano, para melhor satisfazer a sua clientela de amigos e correligionários com interesses no petróleo, na indústria de armamento ou na ‘reconstrução civil’ do Iraque.

E é pena, porque há centenas ou milhares de milhões de pessoas no mundo inteiro que agora vão pagar a factura dos lucros episódicos da banca e dos amigos de Bush, para quem a destruição e posterior ‘reconstrução’ do Iraque foi um negócio de mão cheia. Com o dólar em queda livre, a Europa vai pagar o reequilíbrio da balança comercial e do défice americano: excelentes empresas portuguesas, a cuja capacidade de reconversão e de inovação deve Portugal muito da recuperação do défice, vão agora ver todo o seu esforço comprometido pela concorrência desleal dos produtos americanos, vendidos mais baratos apenas porque o dólar implodiu. Pior ainda (sem, ao menos, terem a protecção de um espaço comum e uma moeda comum forte) estão os países emergentes do Terceiro Mundo, como a Índia ou a China, cujo esforço titânico para arrancar da miséria biliões de pessoas vai agora esbarrar com as dificuldades de exportação e com o preço do barril de petróleo, que não têm, a escalar todos os dias, na proporção em que o dólar vai descendo e devido a essa descida.


Milhares de pessoas em todo o mundo vão ser devolvidas à mais infame miséria de que se tinham conseguido erguer para pagar as aventuras da Halliburton, do sr. Dick Cheney, do sr. Donald Rumsfeldt e dos amigos do Texas desse completo cretino que é o Presidente dos Estados Unidos da América. Mas, mesmo nos Estados Unidos, e como seria de esperar, são os pobres que vão pagar a factura do desgoverno dos milionários: vinte ou trinta milhões de americanos estão condenados a virar «homeless» a curto prazo, se medidas como a que propôs a candidata e senadora Clinton (seis meses de moratória para a execução de qualquer hipoteca sobre casas) não forem adoptadas de emergência.

Os Estados Unidos vão precisar de injectar biliões de dólares de dinheiros públicos para evitar a falência em série do sistema financeiro e, por arrasto, de todo o sistema empresarial. O que lhes poderá evitar a repetição de 29 é que agora a economia é global e eles esperam poder evitar a falência de um Estado já altamente endividado através das trocas comerciais: vendem ao mundo inteiro mais barato e não compram nada de volta porque, com o euro a 1,60 dólares, ninguém consegue vender nada aos americanos. Ou seja: provocaram a crise e agora somos nós que temos de a pagar. Eis a demonstração prática da frase do Hamlet: “a loucura dos poderosos não pode passar sem vigilância”. Espero que alguém se lembre de escrever isto no caixão do sr. Greenspan.

Obviamente, devia haver lições a extrair deste cenário de catástrofe e das razões para ele. Entregue a si próprio, após a queda do muro de Berlim, o capitalismo internacional parece que fez questão de confirmar que tudo o que de pior os marxistas tinham dito dele ao longo de um século só pecava por defeito. Só pode ser uma comédia histórica ver a Igreja Católica (decerto impressionada pelo exemplo indecente dos irmãos da Opus Dei no nosso tão católico BCP e outros) insinuar que ser escandalosamente rico é capaz de ser pecado mortal, e ver o Partido Comunista da China declarar que “ser rico é glorioso e revolucionário”. O mundo está de pernas para o ar. Pois está, mas há lições a extrair.

Marx dizia que o dinheiro faz dinheiro e esse era o pecado original do capitalismo. Em contraponto, os capitalistas juravam que o dinheiro produz riqueza e, entre os dois, os sociais-democratas propuseram que o dinheiro criasse então riqueza e que o Estado tributasse essa riqueza - “de cada um segundo as suas possibilidades, a cada um segundo as suas necessidades”. Mas tudo isso foi antes da globalização.

Agora o que vemos é que, dos cem homens tidos como os mais ricos da Alemanha, quarenta tinham uma conta secreta numa «off-shore» do Liechtenstein, para fugirem ao fisco (também lá estão alguns portugueses, mas desconhece-se se o Governo se vai atrever a pedir os seus nomes à chanceler Merkel e agir em conformidade). Razão tinha o nº 1 da lista da ‘Forbes’, Warren Buffet, quando disse que doava um bilião de dólares para assistência social se houvesse um só presidente de banco americano que lhe conseguisse provar que pagava uma taxa mais alta de imposto que a sua secretária. (Já agora é interessante constatar que todos os bilionários do mundo - Buffet, Bill Gates, Carlos Slim, etc. - são conhecidos também pela sua veia filantrópica. E quantos milionários nossos conhecemos que financiem uma ala de hospital, um programa de saúde, um laboratório ou Faculdade na Universidade, um prémio literário ou artístico, um bairro social, um parque natural? Pior ainda é quando olhamos para a lista da ‘Forbes’ e constatamos que os grandes milionários portugueses que lá figuram devem a sua fortuna a relações íntimas com o poder, aqui ou em Angola, ou a simples especulação bolsista, sem que dêem ao país qualquer contrapartida de valor).


Tarde e a más horas outra vez, Alan Greenspan vem dizer que espera que a crise ensine que o sistema financeiro não pode continuar em auto-regulação. Infelizmente, não é certo que, mesmo agora, os governos aprendam a lição. Eles acham que o sistema financeiro é tão importante que não se lhe pode tocar nem com uma flor. E um dia, como agora sucedeu em Inglaterra e nos Estados Unidos, acordam em sobressalto e correm a meter dinheiro dos contribuintes para evitar a falência dos bancos - enquanto os seus administradores se retiraram com reformas escandalosas em paga do bonito serviço que deixaram. É verdade que a economia não é uma ciência certa. Mas a ética nos negócios e o decoro são-no: têm regras que todos conhecemos.
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quarta-feira, março 26, 2008

Guerra do Iraque – baixas americanas abaixo do que o governo Bush desejaria?

Jon Stewart, do Daily Show, entrevista o Tenente-General dos marines William B. Caldwell, que passou 13 meses no Iraque, a quem faz uma pergunta enigmática:

Jon Stewart: "As histórias que ouvimos da armadura corporal ou do carro blindado não chegar a tempo. São exagero? Aconteceu mesmo? Atrasaram mesmo a chegada de alguns camiões à linha da frente? Ou não percebemos bem o que se passou? "


O que nos leva a questionar: será que os inquilinos da Casa Branca estarão pouco satisfeitos com a morte de apenas quatro mil soldados americanos no Iraque? Desejariam mais baixas? Sentir-se-ão incomodados com a aparência de demasiada facilidade para as suas forças militares? Afinal morreram 50.000 jovens americanos no Vietname. Não deveriam haver mais baixas americanas no Iraque ao fim de cinco anos de guerra? Para dar ideia de uma autêntica insurgência?


Para finalizar, aparece um pequeno excerto da senadora Hillary Clinton a fazer um discurso de campanha eleitoral: «Digo-vos isto, o melhor emprego que já tive na preparação para ser candidata foi um emprego que tive a estripar peixe...»


Vídeo legendado em português:

segunda-feira, março 24, 2008

Os guerreiros de Buda financiados pelos assassinos de Bush


Por Infortibet

Em 1951 os comunistas tomaram o poder no Tibete. No decurso dos dois séculos anteriores nem um único país do mundo havia reconhecido o Tibete como país independente. Durante estes duzentos anos a comunidade internacional considerara o Tibete como parte integrante da China ou, pelo menos, como um estado vassalo. Já em 1950 a Índia dizia que o Tibete era um componente da China. A Inglaterra que, há quarenta anos, ocupava uma posição privilegiada no Tibete seguiu a posição indiana ao pé da letra.

Unicamente os Estados Unidos mostraram-se hesitantes. Até à Segunda Guerra os EUA consideravam o Tibete como pertencente à China e chegaram a travar os avanços da Inglaterra no Tibete. Mas, após a guerra, os EUA quiseram fazer do Tibete uma fortaleza religiosa contra o comunismo.

Ao contrário do que se passou com a questão coreana, ficaram completamente isolados. Não puderam por de pé a mínima coligação internacional. Em 1951, a maioria da elite tibetana, ela própria, inclusive a Assembleia geral ampliada, aceita o acordo negociado com a China quanto a uma "libertação pacífica".

Mas isso muda quando, em 1956, as autoridades decidiram aplicar uma reforma agrária nos territórios tibetanos da província de Sichuan. A elite local não aceita que se toque nas suas propriedades e nos seus direitos. Isto iria conduzir ao levantamento armado de 1959.

A preparação da revolta armada durara anos, sob a direcção dos serviços secretos americanos, a CIA. Está escrito, preto no branco, em
The Cia's Secret War in Tibet (A guerra secreta da CIA no Tibete), de Kenneth Conboy (University Press of Kansas, 2002, 300 páginas), uma obra a propósito da qual o especialista da CIA, William Leary, escreve: "Um estudo excelente e impressionante sobre uma importante operação secreta da CIA durante a guerra fria".

Outro livro, Buddha's Warriors: The Story of the CIA-Backed Tibetan Freedom Fighters, the Chinese Invasion, and the Ulitimate Fall of Tibet (Os guerreiros de Buda – A história dos combatentes tibetanos da liberdade sustentados pela CIA), de Mikel Dunham (Penguin, 2004, 434 páginas), explica como a CIA transferiu centenas de tibetanos para os Estados Unidos, treinou-os e armou-os, lançou armas por meio de para-quedas sobre o território, ensinou às pessoas como podiam utilizar armas de fogo estando a cavalo, etc.

O prefácio desta obra foi redigido por "Sua Santidade o Dalai-Lama". Sem dúvida este último considerou uma honra o facto de a rebelião separatista armada ter sido dirigida pela CIA. Neste prefácio, ele escreve: "Apesar de eu acreditar que a luta dos tibetanos não possa ser vencida senão através de uma abordagem a longo prazo e por meios pacíficos, sempre admirei estes combatentes da liberdade pela sua coragem e sua determinação inquebrantáveis" (página XI).


Comentário:

No seguimento desta política imperial de tenaz com que os neocons americanos pretendem encurralar a Rússia e a China, têm-se sucedido as chamadas revoluções floridas e coloridas em países fronteiriços destes dois países por forma a instalar regimes «amigos dos EUA». Tivemos assim:

> A Revolução Rosa na Geórgia em 2003, que afastou Eduard Shevardnadze e instalou o «pró-ocidental» Mikheil Saakashvili.

> A Revolução Laranja na Ucrânia em 2004, que afastou Viktor Yanukovych e instalou o «pró-ocidental» Viktor Yushchenko.

> A Revolução das Tulipas no Quirguistão em 2005.

> A Revolução dos Cedros, no Líbano, que se seguiu ao assassínio do líder Rafik Hariri em 2005.

> Os Protestos de Açafrão em Myanmar em 2007.


E agora no Tibete? Chamar-se-á Revolução do Lótus? E será flor que se cheire?

sábado, março 22, 2008

Outra «brincadeira» de Cheney & CIA, agora deste lado do Atlântico?




Diário de Notícias - 21/3/2008

«A Europa está atenta às novas mensagens de Ussama ben Laden e mantém-se vigilante face a uma ameaça terrorista que é permanente. Numa cassete de áudio divulgada na quarta-feira à noite por uma organização americana que vigia os sites de grupos islamitas radicais, a SITE, uma voz atribuída ao número um da Al-Qaeda diz que a Europa deve ser castigada por causa da publicação das caricaturas de Maomé

«Actualmente pode haver uma ameaça acrescida por parte de militantes extremistas no estrangeiro contra interesses dinamarqueses...»

«As mensagens de Ussama ben Laden, para a França, mostram que a ameaça terrorista é permanente...»

«A Itália, por seu lado, está a levar muito a sério as acusações feitas naquela cassete de cinco minutos, nomeadamente as que são dirigidas ao Papa Bento XVI...»

«Na Alemanha o Ministério do Interior lembrou que o país se mantém na mira do terrorismo...»


«A cassete de Ben Laden, que diz que "a resposta será aquilo que verão e não o que ouvirão", poderá ter mais que ver com o aniversário do profeta Maomé do que com os cinco anos da guerra do Iraque. "No dia 12 do terceiro mês islâmico [quarta-feira à noite para os não muçulmanos] assinala-se o nascimento e também o falecimento do profeta", explicou ao DN o xeque Zabir Edriss.»


Comentário:

Seis anos e meio depois do 11 de Setembro, Cheney prepara o assalto ao Irão com um atentado de igual envergadura na Europa?



quarta-feira, março 19, 2008

O fim do trabalho-emprego


Autor: André Langer.

Texto em português do Brasil

A sociedade salarial ou sociedade do trabalho está em crise. O emprego de tempo integral e para todos já não existe mais e o tempo em que o foi não voltará. No segundo capítulo definimos o conceito de emprego e de trabalho, delimitando dessa maneira, por um lado, sua abrangência e sua relevância e, por outro, enriquecendo o significado daquilo que denominamos trabalho. Isso nos permite, agora, avançar ainda outro aspecto: o trabalho-emprego pode, sim, acabar. Seu fim pode ser proclamado e mesmo reivindicado. Mas, notemos bem, o trabalho cujo fim está próximo é o trabalho-emprego. Ou ainda dito com outras palavras: "o trabalho cujo fim é evidenciado não é o trabalho no sentido antropológico, mas esta atividade nascida com o capitalismo industrial, ou antes imposta à força pelo desenvolvimento capitalista como parte destacável do corpo, mercadoria quantificável".

Uma realidade visível a olhos vistos se dilata em todos os lados: "Tornado precário, flexível, intermitente, com duração, horários e salários variáveis, o emprego deixa de integrar num coletivo, deixa de estruturar o tempo cotidiano, semanal, anual e as idades da vida, deixa de ser a base sobre a qual cada um pode construir seu projeto de vida".

Por conta dessa concepção estrita de trabalho podemos mesmo reivindicar a perda da centralidade do trabalho. Para André Gorz isso é algo necessário.

É necessário que o 'trabalho' perca sua centralidade na consciência, no pensamento, na imaginação de todos; é preciso aprender a ter sobre ele um olhar diferente; não mais pensá-lo como isso que se tem ou não se tem; mas como isso que nós fazemos. É preciso ousar querer nos reapropriar do trabalho.

Por conta do declínio em quantidade, mas também em qualidade do trabalho, a maioria das pessoas não pode identificar-se com seu trabalho porque a economia não requer trabalho pago suficiente para fornecer empregos estáveis em período integral para todos [...] Paralelamente à impossibilidade efetiva de identificar-se com um emprego, surge uma relutância crescente em identificar-se com um trabalho que não favoreça o desenvolvimento da personalidade e a autonomia.

A atração pelo trabalho-emprego repousa em grande parte na relação que guarda com a fonte de recursos necessários para a sobrevivência.

Mas, também subjetivamente parece que o trabalho está perdendo espaço na vida e na consciência das pessoas. Outras esferas da vida passam a ser mais importantes e valorosas, fazendo com que o trabalho seja descentrado. Nesse sentido, afirma Offe, o que é paradoxal é que, ao mesmo tempo em que uma parcela sempre crescente da população participa do trabalho assalariado dependente, há um declínio no grau em que o trabalho assalariado, digamos, 'participa' na vida dos indivíduos envolvendo-os e ajustando-os de diferentes maneiras.

A ética do trabalho, fundamental para o surgimento e a evolução da sociedade do trabalho, parece estar se encaminhando para a sua crise. E isso por vários motivos:

O trabalho exclui a atuação moral. O trabalho estaria se enfraquecendo como "dever ético", na medida em que já não permite mais que os homens possam atuar nele moralmente. O processo de racionalização do trabalho atualmente em curso parece excluir cada vez mais o chamado "fator humano" e as potencialidades de cada trabalhador.

A vida não está mais no trabalho. Boa parte dos trabalhadores já não pauta mais a sua vida pelo trabalho, pois a "vida" está em outro lugar, fora do trabalho, nas relações familiares, de proximidade. "A satisfação com atividades que não são de trabalho contribui mais do que qualquer outro fator para a satisfação na vida". Gorz faz referência a diversas pesquisas realizadas na Europa e que apontam para um crescente divórcio entre trabalho-emprego e vida. O emprego não dá conta dos desejos reais que as pessoas têm. A não identificação com o trabalho que têm agiliza a desafeição ao trabalho.

Precarização do trabalho e desemprego. Quanto mais precário o trabalho mais ele contribui para que não mais seja visto como fator de realização ou de desenvolvimento das potencialidades. Pelo contrário, as condições precárias do trabalho impedem uma identificação com ele. O desemprego de longa duração ou freqüentemente intermitente não é capaz de manter uma afeição pelo trabalho. Offe cita um estudo no qual se faz basicamente a seguinte afirmação: quanto mais tempo as pessoas passam fora do emprego, mais percebem que o trabalho não é mais um foco suficiente para organizar a vida.

Estas evidências nos levam à afirmação de que "o trabalho não é apenas objetivamente amorfo, mas também está se tornando subjetivamente periférico".

Não bastasse isso, o capitalismo acaba por colocar em crise não apenas o trabalho, mas também diversas noções relacionadas a ele e seu gerenciamento. A emergência do trabalho imaterial conduz a caminhos ainda mal vistos e afeta o próprio capitalismo, na medida em que categorias como "valor", "trabalho", "propriedade", "riqueza" e "capital" são categorias em profunda transformação. Mas, aprofundar isso seria outro desafio, que foge dos limites deste trabalho.
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segunda-feira, março 17, 2008

O insaciável «triângulo negro» da precarização, da escravização e da exclusão





Excerto de um artigo de Fernando Dacosta, publicado na revista Visão nº 625 de 24/02/05:


"Prevê-se que em cada cinco crianças nascidas hoje, três jamais arranjarão emprego estável. "

"Corrompida, a liberdade imergiu-as em novas (outras) desigualdades, indignidades, como as do crescente, insaciável «triângulo negro» da precarização, escravização, exclusão. Direitos penosamente conquistados (na saúde, na assistência, no trabalho, no ensino, no lazer, na cultura) estão a ser dissolvidos em cascatas de perfumado cinismo light. Os jovens que entram no mundo do emprego fazem-no a prazo, a contrato volátil, vendo-se, sem a mínima segurança, impedidos de construir uma vida própria, entre zappings de subtarefas e de pós-formações ludibriadoras. "

"O problema não tem no sistema vigente, o que poucos ousam admitir, solução visível. Enquanto isso há quem, para se confundir (confundir), culpabilize por ele a baixa taxa de natalidade e, lestamente, se proponha incentivá-la – incentivá-la para aumentar o número de crianças abandonadas?, para disparar a percentagem de jovens sem ocupação?, para renovar de carne fresca e farta os canhões, as camas, os catecismos, os esclavagismos? Prevê-se, com efeito, que em cada cinco crianças nascidas hoje em Portugal, três jamais arranjarão emprego estável. "

"A queda, por exemplo, de descontos para a Previdência (que tanta ondulação provoca) não advém da falta de trabalhadores com vontade de fazê-los – aos descontos; advém, sim, da falta de trabalho para serem feitos. Há já mais de 600 mil desempregados «seniores» e de 80 mil jovens à procura do primeiro emprego (40 mil licenciados), sem que ninguém, ao que se observa, se dinamize com isso. Nesta fase, as teses «coelheiras» só iriam agravar, não resolver, os problemas demográficos existentes. "

"Subir a idade da reforma para os 70 anos (aos 50 um trabalhador começa a ser tratado pelos superiores e colegas como um estorvo), aumentar os horários laborais (a produção tornou-se não insuficiente mas excessiva para o mercado), congelar os salários líquidos (enquanto a inflação os baixa) como defendem certos especialistas (que preservam, no entanto, para si retribuições e reformas milionárias) apenas desarticulará o mecanismo social que a humanidade vem, penosamente, construindo no sentido de tornar a existência mais digna e solidária. "

"As velhas gerações , a sair de cena, agarram-se às influências que julgam, julgavam, manter, merecer. Disfarçando desesperos, socalcam sem resultados patéticas vias sacras de cunhas, súplicas, empenhos, hipotecas, tráficos. As crispações que não sentiram quando, décadas atrás, iniciaram as suas carreiras (eram de outro tipo as, então, sofridas) experimentam-nas agora em relação à insegurança inquietante dos filhos e netos. Ingénuas, acreditaram que bastava, como no seu tempo, um curso superior para se ficar protegido, promovido. Fizeram os seus tirá-lo sem reparar que as universidades se transformaram de clubes VIP em fábricas massificadoras, cada vez mais vazias de elitismos internos e poderes externos. "

"Só os filhos-família de famílias dominantes (na direita, no centro e na esquerda, na economia, na política e nos lobbies) dispõem de privilégios garantidos, defendidos."



Comentário:

Concordo em absoluto com o texto de Fernando Dacosta. Só quando percebermos que o mundo baseado no «emprego» está a agonizar, será possível avançar para outras formas de organização social, de produção e de redistribuição da riqueza.

A escravidão do emprego, sempre tão procurado, tão louvado e tão desejado, tem os dias contados.
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quinta-feira, março 13, 2008

José Sócrates



Diário de Notícias - 23.01.05

Texto de Filipe Santos Costa

Há vinte anos, ninguém suporia que José Sócrates havia de ser político de altos voos. Há vinte anos, precisamente - 1985 foi o período mais negro da biografia política do actual candidato socialista ao cargo de primeiro-ministro. Dois anos antes, o jovem Zé tinha conquistado a federação do PS de Castelo Branco, para espanto de todo o partido e, sobretudo, de Mário Soares, que com esse resultado sofria a primeira derrota às mãos de Guterres, Constâncio, Sampaio e companhia, os opositores do soarismo que ficaram conhecidos como o grupo do ex-Secretariado. Quando ganhou a federação de Castelo Branco, Sócrates era um rapaz de 25 anos de quem se sabia três coisas tinha mais ambição que currículo, vinha da Covilhã e era protegido de António Guterres.

Em 1985, enfrentava por fim os seus primeiros embates eleitorais como líder distrital. Foi o desastre. Nas legislativas, o PS albicastrense teve o seu pior resultado de sempre, cilindrado pelo PRD. Com 16%, os socialistas viram-se reduzidos a apenas um parlamentar - do mal o menos, Guterres conseguiu voltar ao Parlamento, de onde tinha sido afastado por Soares.

Ainda Sócrates lambia as feridas das legislativas quando lhe caiu em cima o desaire seguinte nas autárquicas o PSD conquistou seis dos onze concelhos do distrito e o PS ficou reduzido a três câmaras. Como se não bastasse, Zé perdeu onde mais lhe doía: a Covilhã, o seu concelho, cuja câmara era socialista desde 1975. A vitória do PSD na Covilhã já era má notícia, mas a coisa foi pior. Nessa noite fria de Dezembro, enquanto Sócrates deitava contas à derrota, o seu pai festejava com os vencedores. Também ele tinha ganho: o arquitecto Pinto de Sousa era o número dois da lista do PSD para a câmara da Covilhã. Ajudou a derrotar o filho Zé.
Fernando Pinto de Sousa era um histórico do PSD da Covilhã. Ainda a revolução fumegava e já o arquitecto, homem respeitado na cidade, ajudava a fundar o PPD no concelho. O seu empenhamento político e cívico vinha dos tempos da ditadura era leitor da Seara Nova, acompanhava as iniciativas da Sedes, e assumia-se como "um grande admirador" de Francisco Sá Carneiro, cujos passos políticos acompanhava desde os tempos da Ala Liberal. "Admirava-lhe a capacidade de lutar pela democracia mesmo na Assembleia Nacional, no seio da ditadura", conta ao DN.

Quando o regime caiu, Pinto de Sousa pôs mãos à obra lançou o PPD na Covilhã e tomou conta dos destinos do partido no concelho entre 1975 e 1977. Numa terra de tradição operária, que era conhecida como a Manchester portuguesa, pelo peso da industrial têxtil, os militantes do PPD podiam ser poucos, mas eram bons e sabiam resistir. Na JSD, havia mais um punhado de rapazes que ajudava a fazer as campanhas e a colar cartazes. José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa era um deles.

Sócrates tinha 16 anos quando aconteceu o 25 de Abril e já trazia de casa o gosto pelas coisas da política. Filho de pais separados (a mãe, a irmã e o irmão viviam em Cascais), tinha compreendido com o pai, com quem vivia, o que era a segregação social da Covilhã, onde os dez mil operários das fábricas de lanifícios não podiam frequentar os mesmos cafés que os patrões. Pouco tempo antes da revolução, as aulas de filosofia e sociologia do antigo 7.º ano (o actual 11.º) despertaram-no para leituras inesperadas e começou a pegar nos livros proibidos que o pai tinha na sua biblioteca. Impressionou-se com um, em particular O Socialismo Reformista, de Edward Bernstein, um dos autores sociais-democratas de quem o pai era adepto. Da obra de Bernstein, Sócrates ainda hoje tem na ponta da língua uma citação "A democracia é o reino do compromisso".

A biblioteca de Pinto de Sousa era um oásis. "Eu encomendava livros do estrangeiro através da Seara Nova", conta o pai do actual líder do PS. Apesar do fascínio pela social-democracia, o pai procurava ler tudo e o seu Zé "lia o que queria dos livros que estavam nas estantes. Ele lia com bastante sofreguidão", recorda o progenitor. "Nunca o condicionei, sempre fui muito tolerante e dei-lhe grande liberdade".

A exaltação dos tempos revolucionários aumentou no jovem Sócrates a sofreguidão por leituras políticas e debates. "No liceu e nos cafés, só se falava de política", recorda Jorge Patrão, o amigo de infância que levou Sócrates a filiar-se na JSD.

Jorge inscreveu-se em Junho de 74, Zé seguiu-o poucos meses depois, inebriado pela social-democracia do nome do partido. O comunismo é que nunca os encantou. "O nosso modelo eram as sociedades nórdicas como alternativa aos regimes marxistas, porque valorizávamos mais a iniciativa privada", conta Jorge Patrão.

Mesmo miúdo, José Sócrates já discutia política com sangue na guelra. "Sempre foi muito teimoso e adorava uma boa discussão, um bom debate. Ele sempre teve sentido de competição, mas tinha bom perder e bom ganhar", relata o amigo Jorge.

Nas intermináveis discussões sobre democracia, experiências políticas e modelos de sociedade, também participava Luís Patrão, irmão mais velho de Jorge, que estudava Direito em Coimbra. Nas férias, Luís trazia relatos da cidade dos estudantes que aguçavam nos outros o bichinho da política. Falava-lhes do que ouvia nas aulas de Vital Moreira e de Gomes Canotilho, apresentava-lhes outros livros e outros autores. "Julgo que essas conversas também foram importantes para os despertar para uma consciência reformista", considera Luís Patrão, que, anos mais tarde, seria chefe de gabinete de António Guterres, em São Bento, e actualmente desempenha a mesma função na sede do PS ao lado do amigo Sócrates.

Nas conversas de café, até às tantas, o jovem Zé já demonstrava algumas das características que hoje lhe conhecemos a combatividade, o verbo fácil, a boa memória para citações. "Tinha uma cultura geral acima da média e estava bem preparado para o debate político", conta Jorge Patrão. E vontade de ir para o terreno. Em 75, Sócrates andou ao lado de Pedro Roseta, cabeça de lista do PSD por Castelo Branco nas eleições para a Assembleia Constituinte.

Em Dezembro de 75, Patrão e Sócrates foram ao congresso de Aveiro, o primeiro e último do PSD em que participaram. Para eles, a referência partidária nem era Sá Carneiro, que pouco lhes dizia, mas Emídio Guerreiro, o rosto da ala esquerda do partido. Mas nesse congresso Guerreiro bateu com a porta e, com ele, saíram mais uns quantos militantes. Entre eles, os dois "jotas" da Covilhã. Na semana a seguir ao congresso, Jorge e José comunicaram ao PSD local que abandonavam a militância. Fernando Pinto de Sousa, presidente da concelhia social-democrata, nem queria acreditar.

25 de Novembro em Coimbra

Pouco depois da ruptura com o PSD, José Sócrates saiu da Covilhã para ir estudar para Coimbra. Com 17 anos, o rapaz pouco conhecia do mundo. Costumava ir duas vezes por ano (na Páscoa e no Verão) em peregrinação familiar a Vilar de Maçada, Trás-os Montes, a terra paterna, de onde Sócrates também é natural, segundo a informação do seu BI (de facto, o líder socialista nasceu no Porto, a 6 de Setembro de 1957, mas o pai fez questão de o registar na sua aldeia transmontana). Para além da Serra da Estrela, das serras de Trás-os-Montes e do que havia pelo meio, José Sócrates pouco tinha visto quando fez as malas e se meteu no Fiat 127 de Luís Patrão, para iniciar o bacharelato em Engenharia Civil.

Foi no dia 25 de Novembro de 1975 que Sócrates fez as quatro horas de viagem até Coimbra. Mal chegaram à cidade, mergulharam na efervescência do PREC. "Quando chegámos a Coimbra, fomos logo para uma manifestação de apoio ao 25 de Novembro, que nem sabíamos bem o que era", conta Luís Patrão, que já era, por essa altura, dirigente da Associação Académica.

Estabilizada a situação e passado o frenesim do PREC, Sócrates dedicou-se mais aos estudos que às políticas. Estava divorciado do PSD e ainda longe de se enamorar do PS, apesar das investidas dos irmãos Jorge e Luís Patrão, ambos já militantes socialistas.

A passagem de José Sócrates por Coimbra tem pouca história. Sócrates não sabia o que queria ser, nem pensava muito nisso, e engenharia civil parecia-lhe um curso tão bom como outro qualquer. A opção teve mais a ver com a influência do pai do que com a tendência do filho e os três anos de bacharelato cumpriram-se com eficácia, mas sem particular brilho.

Sócrates era um bom aluno desde a escola primária, embora pouco dedicado. "Era muito distraído e irrequieto", conta o pai. "Nunca o via a estudar, em casa nunca abria um livro da escola, e fazia sempre o mínimo indispensável. Preferia jogar bilhar com os amigos. Mas ele assimilava a matéria toda e tinha sempre bons resultados, por isso" Jorge Patrão confirma que o amigo "foi sempre um bom aluno, mas nunca foi marrão". Continuou a ser assim em Coimbra.

O ás do engate

Joaquim Valente, um dos amigos que Sócrates fez na sua turma do ISEC (Instituto Superior de Engenharia de Coimbra), conta que "o puto não era marrão, quase não precisava de estudar, mas era o mais inteligente da turma".

À semelhança da generalidade dos colegas, Sócrates era pouco praticante das primeiras aulas da manhã - essas horas eram preciosas para recuperar sono, caso na noite anterior tivesse ido com os amigos a uma boîte. A discoteca da moda era o Etc, o bar era o Triana e Sócrates por lá andava, com o seu grupo de amigos.

A saída de Sócrates junto do público feminino era considerável. O rapaz, que era um apaixonado por poesia, declamava-lhes poemas e "levava-as com a conversa", conta outro companheiro desses tempos, que pediu para não ser identificado. "Quando chegávamos a um bar, nós íamos beber e ele ia engatar", recorda o mesmo amigo. "Era um sucesso!"

José Sócrates nunca foi homem de excessos, nem quando tinha idade para isso. Bebia com moderação, ficava até às tantas à conversa com os amigos à volta dos copos de cerveja e uísque, mas passava para a água ou Coca-Cola quando os outros ainda estavam a aquecer a garganta. "Era moderado nos hábitos, mas experimentou o que tinha que experimentar", conta um colega de aventuras. Não morre ignorante, isso é certo. Aos 20 anos fez as primeiras férias no estrangeiro (três semanas na vindima em França) e, nas viagens seguintes, conforme já contou em entrevistas, não deixou de visitar os coffee-shops de Amesterdão. Foi um jovem do seu tempo, como costuma dizer.

Quando voltou à Covilhã, em 1981, Sócrates já tinha complementado o bacharelato com a licenciatura, em Lisboa. Entrou para os quadros da câmara municipal e filiou-se na Juventude Socialista e no PS pela mão do amigo Jorge Patrão. Seguia com entusiasmo a guerra entre o soaristas e o ex-Secretariado, torcendo pelo lado de António Guterres, homem com origens no Fundão, concelho vizinho da Covilhã.

Em 1983, quando acontece o congresso da federação de Castelo Branco, Sócrates quer ser delegado, mas um desentendimento com os "representantes oficiais" do ex-Secretariado na Covilhã leva-o a promover, com Jorge Patrão, uma lista autónoma, apoiada na JS local. A mobilização dos "jotas" deu frutos foi a lista mais votada.

Protegido de Guterres

Com 21 delegados, a Covilhã era o concelho com mais peso no congresso da federação e Guterres viu aí o seu cavalo de Tróia para conquistar a distrital de Castelo Branco. Só faltava ter um candidato. Guterres nunca tinha visto Sócrates mais gordo, mas apostou nele.

O primeiro passo para a vitória foi conseguir o pleno na sua terra. Para isso, Sócrates puxou pela tradicional rivalidade com Castelo Branco e convenceu os delegados afectos à ala soarista que já era tempo da federação ser dirigida por alguém da Covilhã. Com 21 votos garantidos, Guterres pegou em Sócrates pela mão e apresentou-o a tutti quanti pelas secções de Castelo Branco. Venceram o congresso por dois votos. Nesse dia, Sócrates foi admitido no famoso sótão onde Guterres e companhia conspiravam contra Soares.

Edite Estrela, guterrista incondicional, conheceu-o por essa altura. A fama precedia-o "Lembro-me de me terem falado nele por causa do resultado de Castelo Branco. O que mais me impressionou foi o seu carácter determinado, lutador. Tinha uma grande força anímica e uma formação política sólida." Edite, que com os anos se tornou uma das melhores amigas de Sócrates, não hesita em considerá-lo "um dos nossos políticos mais cultos".

Os primeiros embates eleitorais de Sócrates como líder federativo, as legislativas e as autárquicas de 1985, foram uma hecatombe, já se escreveu. Mas os tempos eram outros, e os partidos eram menos adeptos das chicotadas psicológicas. Com duas enormes derrotas em cima, José Sócrates não se demitiu da distrital de Castelo Branco, nem foi demitido. Sabia o que queria e para o conseguir só precisava de aguentar. Dez anos depois, o PS já tinha triplicado os votos em Castelo Branco, distrito onde continua a ser, de longe, o partido mais votado.

Sócrates não esqueceu na política do que aprendeu a esquiar não desanimar com os primeiros trambolhões. Ele nunca desanimou, garante o homem que o ensinou a aguentar-se em cima dos esquis no início dos anos 80. Foi José Hermínio, dono duma loja de artigos desportivos no centro da Covilhã, quem pela primeira vez levou "o Zé" para a Serra Nevada, onde confirmou a têmpera do amigo: "Ele caía e levantava-se logo. Ele continuou, continuou, até começar a tomar o jeito. O Zé sempre teve muita força de vontade e capacidade para aprender".

Hoje o esqui é um dos desportos de eleição de Sócrates e um dos seus escapes favoritos. Mas, de todos os desportos que praticou ao longo da vida, a esgrima terá sido o mais útil a Sócrates. Nem o fôlego da natação, nem o músculo da maratona, nem a vertigem do esqui, nem a visão de jogo do bilhar o prepararam tão bem para a política como os treinos com o florete. Na Federação de Esgrima da Associação Académica de Coimbra, na segunda metade dos anos 70, o jovem Zé aprendeu bem a lição que hoje lhe pode ser útil na política a subtileza dos movimentos, a frieza da espera, a rapidez de reflexos, a força do ataque, a acuidade dos sentidos.
Reviravolta de 180 graus

O estágio de Sócrates para a política de primeira divisão foi feito no Parlamento, onde chegou em 1987. Apesar de não se ter distinguido por uma oratória reluzente ou por invulgares capacidades de trabalho parlamentar, Sócrates tem no currículo, nesses anos, algumas intervenções importantes, que não se cansa de referir quando fala do seu passado. Foi ele o primeiro deputado a levar ao hemiciclo a questão da sida. Foi também ele, com o amigo Armando Vara, quem apresentou o projecto de lei que permitiu a divulgação de sondagens durante as campanhas eleitorais.

Esse trabalho discreto, aliado a uma boa relação com os jornalistas e um sentido agudo da agenda mediática e dos temas emergentes permitiram-lhe alguns brilharetes. Em 1988, o Expresso elegeu-o "deputado-revelação". Sócrates tinha 30 anos, movia-se bem no aparelho do PS, era simpático e bem parecido mas continuava a ser visto em São Bento como um produto do aparelho socialista.

Enquanto a carreira política de Sócrates se ia solidificando, a sua vida pessoal foi marcada por dois acontecimentos. Em 1988 morreu num acidente a sua irmã mais velha, Ana Maria. A tragédia marcou-o para sempre. "Fez diminuir o meu interesse pela vida", confessou mais tarde o líder do PS. Em 1993, casou-se, apadrinhado pelos amigos Laurentino Dias e Edite Estrela. Desse casamento, que entretanto acabou, Sócrates tem dois filhos José Miguel e Eduardo.

É nesses primeiros anos da década de 90 que o pai lhe diagnostica "uma reviravolta de 180 graus no seu comportamento ele era terrivelmente desorganizado, sem tempo para cumprir os seus deveres do dia-a-dia, mas passou a ser metódico e organizado. Foi uma mudança radical e inesperada, para meu espanto e grande alegria."

Apesar do esforço de organização e método, Sócrates evitou passos em falso, como o negócio em que entrou com o amigo Vara numa empresa de distribuição de combustíveis. Em 1990 os dois deputados do PS tornaram-se sócios da Sovenco - Sociedade de Venda de Combustíveis, com outros três parceiros, um dos quais, anos depois, havia de dar pano para mangas nos jornais Virgílio de Sousa, condenado a prisão por um processo de corrupção no centro de exames de condução de Tábua. A aventura empresarial de Sócrates foi curta (menos de um ano) e literalmente para esquecer: no ano passado, quando a revista Focus desenterrou esse episódio, o socialista jurou que estava a ouvir falar dessa empresa "pela primeira vez". Só após algum esforço de memória se lembrou que tinha sido sócio.

Quase ministro...

José Sócrates levou muitos anos a livrar-se do preconceito de ser um "Guterres boy". Quando Guterres ganhou as eleições, em 1995, e o levou para o Governo, a escolha foi entendida como um prémio de bom comportamento para um dos seus fiéis. Quando fez o balanço do primeiro ano do governo de Guterres, o Expresso, o mesmo jornal que uns anos antes tinha escolhido Sócrates como "deputado-revelação", não escondia a surpresa com o desempenho do político da Covilhã "Jovem quadro socialista, que ninguém levava muito a sério, [Sócrates] foi premiado com a Secretaria de Estado do Ambiente, pelo apoio incondicional a Guterres, assumindo aos poucos uma visibilidade que rivaliza com a da ministra."

O primeiro ano de Sócrates no Governo conseguiu uma notável unanimidade na imprensa. Escrevia o DN "Ter empenhamento, ideias e capacidade, além de muita experiência política, foram precisamente os trunfos de José Sócrates, neste momento a figura emblemática do ministério [do Ambiente]". E o Público "Só José Sócrates, aquele de quem menos se esperava, surpreendeu pela positiva [no Ministério do Ambiente]".

Foi ainda durante a liderança de Jorge Sampaio que Sócrates tomou conta da área do Ambiente no PS. O partido não tinha porta-voz para esse sector e Guterres, que então era o patrão da estrutura socialista, sugeriu que o seu amigo da Covilhã podia dar conta do recado. Sócrates pouco sabia do assunto, mas não deixou escapar a oportunidade - percebeu que era uma área de futuro, uma preocupação emergente na sociedade e que lhe podia dar projecção, tal como tinha acontecido com Carlos Pimenta, do PSD. Assumiu o encargo, estudou dossiês, falou com quem sabia do assunto. Quando Guterres promoveu os Estados Gerais, para o ataque final ao cavaquismo, Sócrates tinha o trabalho feito o PS apresentava uma política de Ambiente avalizada por algumas sumidades do sector.

Até seria natural se fosse Sócrates o escolhido para ministro do sector. Depois da vitória eleitoral, Guterres conversou com o seu amigo e ambos concordaram que o Ambiente devia ser entregue a alguém com outro currículo, talvez mesmo de fora do partido. Por enquanto, Sócrates seria apenas secretário de Estado, tal como António Costa, Armando Vara ou António José Seguro, todos "compagnons de route" da sua geração. Assim, quando Elisa Ferreira foi convidada para ministra do Ambiente, Guterres comunicou-lhe que a aceitação do cargo implicava a aceitação de Sócrates como secretário de Estado.

Elisa era uma outsider, que mal conhecia o primeiro-ministro e não tinha experiência política. O seu número dois, pelo contrário, tinha acesso directo a Guterres, de quem era amigo pessoal, e na biografia já contava muito anos de política. Os desentendimentos entre a ministra e o secretário de Estado começaram logo na delegação de competências e as desconfianças mútuas nunca foram superadas enquanto Elisa e Sócrates coabitaram no ministério da Rua do Século. Dez anos depois, a ex-ministra desvaloriza os incidentes, à luz do "excelente trabalho" que ambos fizeram. "Nunca houve um conflito factual, que se possa chamar assim", diz. Mas reconhece que "era natural que [Sócrates] tivesse a ambição de ascender ao lugar que eu ocupava, como, aliás, acabou por acontecer. É nesse enquadramento que eu entendo as notícias que saíam sobre alegados conflitos."

Curiosamente, na recente disputa interna pela liderança do PS, o texto mais duro sobre Sócrates foi escrito por Fernando Freire de Sousa, marido de Elisa Ferreira e, também ele, secretário de Estado no primeiro Governo de Guterres. Chamou a Sócrates "o único ministro entertainer da nossa história", "um produto programado e tenso" que, "com toda a sua ambição, não regateia o uso do inacreditável para lhe servir os fins".

Como secretário de Estado do Ambiente, José Sócrates demonstrou que era mais do que um fiel de Guterres alcandorado pela máquina partidária. Destacou-se pela determinação com que enfrentou lobis e tomou decisões emblemáticas, sobretudo na área da defesa do consumidor, território quase inexplorado que o governante agarrou com as duas mãos. Obrigou a poderosa Portugal Telecom a aceitar a facturação detalhada, impôs a actualização automática dos prémios do seguro automóvel, obrigou à devolução das cauções dos telefones e da electricidade e introduziu os autocolantes "Publicidade? Não obrigado", contra a propaganda não endereçada nas caixas de correio. Na área dos resíduos, ditou o fim das lixeiras e impulsionou políticas de reciclagem.

... e mesmo ministro

Em 1997, quando Guterres o convidou para ministro adjunto do primeiro-ministro, Sócrates tinha acumulado um capital político impensável apenas dois anos antes. O inesperado abandono do governo por parte de António Vitorino obrigou o primeiro-ministro a dar pastas ministeriais a dois dos quadros socialistas que tinham ficado na segunda linha na formação do Executivo António Costa e José Sócrates. O primeiro ficou com os Assuntos Parlamentares, o segundo mudou-se para São Bento, como adjunto de Guterres.

No primeiro andar da residência oficial de São Bento, o primeiro-ministro e o ministro-adjunto trabalhavam porta com porta. Nunca estiveram tão próximos como nesses dois anos em que Sócrates se tornou um dos principais conselheiros de Guterres. É claro que Vitorino, mesmo fora do governo, continuava a ser ouvido; Jorge Coelho também, mas as suas novas tarefas de ministro da Administração Interna davam-lhe menos vagar para a política pura. No rol dos conselheiros mis próximos de Guterres incluíam-se ainda Guilherme d'Oliveira Martins e Pina Moura, mas nenhum estava na porta ao lado. Para falar com Sócrates, bastava a Guterres entrar-lhe no gabinete ou chamá-lo e era comum fazer tanto uma coisa como outra.

Estavam tão próximos que Guterres sabia sempre quando a vida corria mal ao seu ministro era sempre que este levantava a voz com os seus colaboradores. José Sócrates sempre ferveu em pouca água e ai de quem não esteja à altura das suas expectativas ou o contrarie sem que este lhe reconheça razão. Solta-se então o "animal feroz" de que falou na sua célebre entrevista ao Expresso.

"Ele é superfrontal e nunca terá uma úlcera, porque diz tudo o que pensa", afirma Maria Rui, sua assessora de imprensa e confidente há oito anos. Esta ex-jornalista, que conhece Sócrates como poucas pessoas, assegura que o chefe não tem mau feitio. A questão é outra, diz "Quando ele berra tem sempre razão".

O próprio já reconheceu numa entrevista que é "um osso duro de roer". Mas assegura que aprendeu as vantagens da temperança com o seu amigo primeiro-ministro. "Algumas vezes vim a verificar que uma atitude mais prudente de Guterres se tinha mostrado mais adequada do que uma certa impulsividade minha", confessou ao DNA.

Luís Patrão admite que o amigo "é absolutamente cioso das suas opiniões e da necessidade de as executar", e Edite Estrela reconhece que o candidato a primeiro-ministro "é transmontano no sentido de antes quebrar que torcer. Não contemporiza e é pouco flexível". Mas quase todos os seus amigos sublinham que Sócrates não é teimoso, é antes "determinado". Quase todos, menos um, Jorge Patrão, que aponta a "teimosia desmesurada" como o seu maior defeito.

Sócrates gosta pouco de ser apenas um homem de bastidores. Em São Bento, para além das tarefas de coordenação do Governo, fez questão de manter algumas áreas sectoriais continuou com a pasta da defesa do consumidor, a que acrescentou a juventude, o desporto e a política de combate à droga. Foi nestes dois pelouros que Sócrates mais se distinguiu. No desporto, entre vários brilharetes, lançou a candidatura de Portugal à organização do Euro 2004. A ideia, que a princípio parecia megalómana, provou ter pernas para andar, muito à conta do empenhamento pessoal do ministro. "Não tenho a menor dúvida de que, sem ele, dificilmente Portugal teria ganho. Para a decisão da UEFA contou muito o empenhamento do Governo português através do ministro José Sócrates", testemunha Pedro Silva Pereira, actual braço-direito do líder socialista, que o acompanha desde os tempos da Secretaria de Estado do Ambiente.

Na área do combate à droga, Sócrates lançou algo de inédito no País uma política integrada para a toxicodependência, que aposta- va na redução de riscos (nomeadamente através da vulgarização da substituição por metadona e do alargamento da troca de seringas) e na despenalização do consumo.

Apesar do trabalho feito nestes sectores, o activo político de que Sócrates mais se orgulha hoje é na área do Ambiente, à qual voltou depois das eleições de 1999, já como ministro. Aprovou o Programa Polis de recuperação urbana, completou a Rede Natura, deixou pronto o Plano Nacional das Bacias, o Plano de Ordenamento da Orla Costeira e o Plano Nacional da Água e travou a construção de um grande empreendimento turístico no Meco. Mas não conseguiu impor a co-incineração, uma batalha em que não torceu, mas também não levou a sua adiante.

"Quero, posso e mando"

A decisão de co-incinerar resíduos industriais perigosos nas cimenteiras de Souselas e Maceira era, à partida, polémica, mas o estilo buldozer com que Sócrates a quis impor comprometeu qualquer hipótese de sucesso. Contra ele, teve as populações dos concelhos escolhidos, claro, mas também os ambientalistas, que em tempos se tinham encantado com ele, e até os socialistas de Coimbra, capitaneados pelo tonitruante Manuel Alegre. Do deputado socialista, ficaram palavras duras acusou-o de "prepotência política" e até comparou o seu estilo "quero, posso e mando" com o autoritarismo de Cavaco.

Do lado dos ambientalistas, o embate também deixou mossa. A Quercus chegou a romper relações com o ministro do Ambiente, depois duma reunião em que Sócrates mal começou a ser contrariado, aumentou o volume de voz. Os jornalistas que estavam na sala ao lado da reunião lembram-se ainda hoje do tom exaltado com que Sócrates respondia às objecções dos ambientalistas. Ficou o caldo entornado. "O ministro queria mostrar que era muito determinado, tinha pressa de tomar decisões e tornou-se intransigente", recorda Francisco Ferreira, da Quercus. Longe iam os tempos em que Sócrates era um solícito secretário de Estado do Ambiente. "Nessa fase, ele pegou em dossiês decisivos e conseguiu marcar a diferença com uma postura de grande abertura. Ouvia e tinha em conta as diferentes opiniões. Quando passou a ministro, mudou, deixou de ouvir quem estava em desacordo".

Não é bem assim, diz quem trabalha com Sócrates. Segundo Pedro Silva Pereira, o líder socialista ouve muito quando está a formar opinião. "Ele é um político com convicções, mas que é capaz de as testar no confronto com outras opiniões. Ouve muita gente com pontos de vista diferentes, mas quando toma uma decisão, é determinado na execução." O porta-voz do PS assegura que Sócrates só decide quando está seguro da argumentação. "Ele é muito exigente consigo próprio, prepara-se bastante antes de decidir e antes de falar, acha que isso é condição para o exercício competente da política."

Que Sócrates se prepara antes de falar, ficou claro nos debates semanal com Pedro Santana Lopes, aos domingos, na RTP. Uns anos antes tinha-se estreado como político-comentador na SIC, a convite dos amigos Emídio Rangel e Margarida Marante. Nessa primeira experiência, tinha como interlocutores Paulo Portas e Daniel Proença de Carvalho. O advogado guarda desse convívio semanal na SIC uma boa impressão do socialista "Aparecia muito bem preparado sobre todos os temas, levava sempre um dossiêzinho e muitos apontamentos, nunca se deixava apanhar desprevenido. Não era um improvisador, mas também não ficava em dificuldades se surgisse algo inesperado".

Homem de sorte

Quando Rangel se transferiu para a RTP, convidou Sócrates para fazer frente a Santana. O PSD já estava no Governo, Santana era presidente da Câmara de Lisboa e Sócrates era deputado da oposição.

O socialista não deixou escapar a oportunidade com o PS debilitado, podia mostrar-se ao país. O Ambiente tinha-lhe dado alguma notoriedade e, sobretudo, uma preciosa rede de cumplicidades entre os autarcas e as estruturas locais do PS, mas a televisão é que o faria entrar em casa do povo. Ao longo da semana, ia tomando notas e ouvindo recomendações de amigos e, ao domingo, passava a manhã a preparar o argumentário para defrontar Santana.

Deu-se bem com a experiência. Passou a ser um dos rostos mais conhecidos do PS e, dentro do partido, que se ia afundando no processo Casa Pia, uma mão cheia de entusiastas ia passando a mensagem de que "o Sócrates" é que era o homem certo para suceder a Ferro Rodrigues. Enquanto Fernando Serrasqueiro, Mota Andrade, Ascenso Simões, Laurentino Dias, tudo gente influente nas bases, iam fazendo passar a boa-nova, enquanto José Lello, Jaime Gama e Pina Moura iam dando fôlego à alternativa, Sócrates mantinha uma prudente distância. Ia percorrendo estruturas locais do PS, na qualidade de membro da direcção de Ferro e em nome da unidade socialista. Quando Ferro caiu, tudo estava preparado e só a resistência de Manuel Alegre impediu que Sócrates percorresse uma passadeira vermelha.

Jorge Sampaio obrigou-o a medir forças com Santana Lopes mais cedo do que esperava. E hoje é José Sócrates quem recusa alimentar o gosto do seu oponente por frente-a-frentes televisivos. O socialista, como é seu hábito, estudou bem a lição - vem nos livros que quem está em vantagem não se coloca no mesmo plano do adversário nem lhe dá a mão. O erro, a existir, foi de Santana, mas não por falta de bons conselhos. Antes de começarem os debates dominicais com Sócrates, Einhart da Paz, o brasileiro que trata da imagem do líder do PSD, tentou demovê-lo. "Você está criando um monstro", alertou o publicitário. Santana não lhe deu ouvidos.

quarta-feira, março 12, 2008

Vítor Constâncio e a engorda criminosa dos Bancos

Notícias RTP - 11/3/2008

Em declarações aos jornalistas no Fórum do Diário Económico sobre Banca e Mercados de Capitais, em Lisboa, Vítor Constâncio disse que "o custo de financiamento para os bancos vai aumentar".

"Até agora, os bancos não reflectiram isso concretamente, mas a continuação desta situação, se não houver uma normalização nos mercados internacionais, terá reflexos no preço a que os bancos oferecem os serviços aos seus clientes", acrescentou o governador.

Estas declarações de Constâncio surgem depois de vários presidentes de bancos portugueses erem dito hoje também que os empréstimos vão ficar mais caros, ao mesmo tempo que os depósitos também vão ser a sua remuneração subir.

Os clientes da banca comercial, em média, "estão melhores do que o que estavam [antes da crise], porque estão a receber mais pelos seus depósitos e a pagar menos juros", afirmou o presidente executivo do BPI, Fernando Ulrich.

"O custo está inteiramente a ser suportado pelos bancos que estão sozinhos a absorver todo o impacto", sublinhou Ulrich.

Em declarações aos jornalistas, o presidente do BCP também comentou o custo do crédito: com o aumento da volatilidade dos mercados financeiros e a subida do custo do risco para os bancos, o custo de financiamento a médio e longo prazo das instituições aumentou "de forma considerável".



Fernando Madrinha (Jornal Expresso - 1/9/2007)

[...] Não obstante, os bancos continuarão a engordar escandalosamente porque, afinal, todo o país, pessoas e empresas, trabalham para eles.

[...] Remetem-nos para uma sociedade cada vez mais vulnerável e sob ameaça de desestrutruração, indicam-nos que os poderes do Estado cedem cada vez mais espaço a poderes ocultos ou, em qualquer caso, não sujeitos ao escrutínio eleitoral.

E dizem-nos que o poder do dinheiro concentrado nas mãos de uns poucos é cada vez mais absoluto e opressor. A ponto de os próprios partidos políticos e os governos que deles emergem se tornarem suspeitos de agir, não em obediência ao interesse comum, mas a soldo de quem lhes paga as campanhas eleitorais.



Comentário:

Dado que o ministro das finanças, Teixeira dos Santos, é demasiado tímido na sua interacção com o mundo esconso da banca, não teremos nós, os cidadãos que pagam com os seus impostos os 25.000 euros e restantes mordomias que o governador do Banco de Portugal empocha mensalmente, o dever e a obrigação de pegar no Constâncio pelos colarinhos e exigir-lhe que nos explique detalhadamente porque continuam os bancos a engordar escandalosamente?

Porque será, como afirma Madrinha, que todo o país, pessoas e empresas, trabalham quase só para os bancos? Porque há-de o Fernando Ulrich, presidente do BPI, correr o risco de ficar engasgado com overdoses de lucros escandalosos, trimestre após trimestre?


domingo, março 09, 2008

O riso boçal do cronista do Expresso, João Pereira Coutinho

Expresso - 8/3/2008

Texto de João Pereira Coutinho

"É impossível não verter uma lágrima por Misha Defonseca. Aqui há uns anos, mergulhado na literatura do Holocausto, o livro da senhora veio parar-me às mãos. E então li, entre gargalhadas mil, a história de como uma criança judia, órfã de pai e mãe (exterminados pelos nazis), se vê subitamente sozinha no mundo e condenada a errar pelas florestas da Europa."

"Mas o melhor do livro veio a seguir: perdida entre o arvoredo, a pequena Misha é finalmente resgatada por lobos (sic), que a alimentam e criam com muito amor e carinho. Não sei se, lá pelo meio, aparecia o Tio Patinhas."

"A minha memória já não é o que era. Uma coisa, porém, recordo sem esforço: o livro apresentava-se como «história verídica» da sra. Defonseca, o que não deixa de ser uma audácia."

"Na verdade, não viria mal ao mundo se Misha assumisse a ficção do exercício (de John Hersey e William Styron, exemplos não faltam). Mas Misha, a menina criada por lobos, comparava-se a Elie Wiesel e a Primo Levi, uma megalomania que ninguém se deu ao trabalho de desmascarar e, mais, foi levada à letra por aí: segundo leio, fez-se uma ópera da vida de Misha (em Itália); e, no passado mês, estreou filme respectivo (em França, claro). Sem falar nas múltiplas traduções que apresentaram ao mundo a incrível história de uma sobrevivente salva por animais."

"Escusado será dizer que, depois da aldrabice, incongruências recorrentes exigiram de Misha uma explicação."

"Ou, melhor, várias. Para começar, Misha não é Misha; é Monique De Wael. Depois, não é judia; é católica."

"E, finalmente, não foi criada por lobos (a sério?), mas pelos avós. O único pedaço de verdade está na morte dos pais, membros da resistência belga que os nazis deportaram e mataram. Explicações para a loucura? Eu não sou psiquiatra. Mas sempre digo que, entre um neonazi assumido e uma «sobrevivente» que factura com a inominável tragédia judaica, talvez um neonazi seja mais honesto. Na sua boçalidade explícita, um neonazi não engana."



Comentário:

João Pereira Coutinho tece injustificadamente uma crítica feroz a Misha Defonseca, por esta ter tido a ousadia de "se comparar a Elie Wiesel e a Primo Levi (considerados os expoentes da literatura sobre o Holocausto), uma megalomania que ninguém se deu ao trabalho de desmascarar" (excepto, evidentemente, o próprio Coutinho, "entre gargalhadas mil").

Mas se o talentoso Coutinho atentasse melhor nas obras de Primo Levi e de Elie Wiesel, constataria que a veracidade das histórias destes sacerdotes do Holocausto em nada desmerecem as narrativas da senhora Micha.

Primo Levi é o autor do livro «Se isto é um homem» (Se questo è un uomo), livro autobiográfico da sua experiência de dez meses como prisioneiro em Auschwitz, publicado em 1947 (dois anos após o final da guerra).

Nesse livro, Levi afirma, na página 19, que foi só depois da guerra acabar é que soube do gaseamento de judeus em Auschwitz-Birkenau.



Quanto a Elie Wiesel, no livro autobiográfico «Noite», em que descreve a sua experiência de dez meses como prisioneiro em Auschwitz, o autor não menciona em parte alguma as câmaras de gás. Wiesel diz, realmente, que os Alemães executaram Judeus, mas... com fogo; atirando-os vivos para as chamas incandescentes, perante muitos olhos de deportados!


Donde, João Pereira Coutinho não pode, em absloluto, desdenhar a literatura de Misha Defonseca. Pois se, tanto Primo Levi como Elie Wiesel, considerados as duas mais famosas testemunhas do Holocausto, afirmam nas suas obras autobiográficas que nunca ouviram falar de câmaras de gás e gaseamentos nos dez meses em que foram prisioneiros em Auschwitz, então, a menina Misha, tem todo o direito de afirmar que foi "resgatada por lobos" quando "errava órfã pelas florestas da Europa".

Misha Defonseca, Primo Levi e Elie Wiesel partilham o mesmo grau de autenticidade nos seus escritos. Ou o Pereira Coutinho dá "gargalhadas mil" com os três autores ou não dá "gargalhadas mil" com nenhum. Marialvismos boçais é que não!

quarta-feira, março 05, 2008

Belmiro de Azevedo - TGV para quê?


Agência Financeira - 26/02/2008

O «chairman» da Sonae, Belmiro de Azevedo, criticou esta terça-feira o projecto do comboio de alta velocidade (TGV), assumindo que o mesmo não é uma necessidade estrutural para o País e implica um investimento gerador de «desestabilização orçamental».

«Para quê passar a ir de Lisboa a Madrid em quatro horas se já o posso fazer em 50 minutos? A aposta devia ser era nas (companhias aéreas) low-cost», disse o empresário, que acompanhou o I Encontro PME Inovação Cotec, que decorreu em Lisboa.


Que importância tem que o TGV constitua para o país um investimento gerador de «desestabilização orçamental»? Sócrates não está lá para isso mesmo?

Não foi Sócrates o principal impulsionador de um «investimento» de centenas de milhões de contos em estádios de futebol que «estão às moscas»? E que tem o descaramento de afirmar que a construção dos dez estádios é um bem necessário ao país. Que "estamos perante um grande sucesso económico."

Os empresários de obras públicas e os banqueiros já afiam os dentes:


Dinheiro Digital - 05-03-2008

Dois consórcios constituem-se para concurso do TGV

Empresas portuguesas estão a constituir dois agrupamentos para participar no projecto da Alta Velocidade (TGV), que começará a dar os primeiros passados no último semestre deste ano, destaca o Jornal de Negócios esta quarta-feira. Um dos agrupamentos «será co-liderado pela Brisa e pela Soares da Costa, enquanto o outro integrará a Somague, Teixeira Duarte e Mota-Engil», detalha o jornal.


Miguel Sousa Tavares - Expresso 07/01/2006

«Todos vimos nas faustosas cerimónias de apresentação dos projectos [Ota e TGV], [...] os empresários de obras públicas e os banqueiros que irão cobrar um terço dos custos em juros dos empréstimos. Vai chegar para todos e vai custar caro, muito caro, aos restantes portugueses. O grande dinheiro agradece e aproveita

«Lá dentro, no «inner circle» do poder - político, económico, financeiro, há grandes jogadas feitas na sombra, como nas salas reservadas dos casinos. Se olharmos com atenção, veremos que são mais ou menos os mesmos de sempre.»
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segunda-feira, março 03, 2008

Qual o lugar próprio para o principal impulsionador de um «projecto» que lesou o país em centenas de milhões de contos


Em 1995, José Sócrates tornou-se membro do Primeiro Governo de António Guterres, ocupando o cargo de secretário de Estado-adjunto do Ministro do Ambiente. Dois anos depois, tornou-se ministro-adjunto do primeiro-ministro, com a tutela do Desporto. Foi, nessa qualidade, que Sócrates se tornou no principal impulsionador da realização, em Portugal, do EURO 2004. Por ter sido um dos governantes com a tutela do Euro 2004 - quando foi ministro-adjunto do primeiro-ministro, durante o I Governo de António Guterres -, Sócrates foi condecorado com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique.

Público (4/2/2005) - A 12 de Fevereiro de 2005 António José Seguro lembrou as responsabilidades de Sócrates na realização do Euro-2004: "Hoje, como no Euro-2004, houve um homem que lançou a semente, a semente de uma força que ninguém pode parar. Esse homem chama-se José Sócrates, futuro primeiro-ministro de Portugal", acentuou.


Despesismo desportivo, desígnio nacional - No blogue Anti-Tuga

Carta do cidadão Fernando Conceição publicada pelo PÚBLICO de 7 Novembro 2005

"Já lá vai um ano depois do que se profetizava ser um desígnio nacional para mostrar ao mundo a modernidade de Portugal - o Euro 2004. Desde então é inequívoco, em jogos normais da SuperLiga e amigáveis, que muitos dos lugares ficam por preencher e não terão a mínima rendibilidade no futuro. De todos os estádios, só os de Lisboa e Porto apresentam níveis minimamente satisfatórios.

O estádio de Leiria custou 80 milhões de euros, mas os próximos 20 anos serão marcados por uma dívida de 600 mil euros, a que acresce um milhão de euros só em custos de manutenção anuais. Mesmo junto ao estádio existe uma pequeníssima escola que, pelo excesso de alunos, tem de ter dois turnos, e muitas aldeias, circundantes ainda não sabem o que é saneamento básico.

O estádio de Aveiro, cujo clube está na divisão de honra, recebe semanalmente três mil pessoas, quando muitas famílias vivem ainda no limiar da pobreza.

Em Guimarães, o antigo presidente da câmara utilizava o estádio em cartazes de campanha eleitoral - o estádio, em si, só tem utilidade para um único clube, com 16 mil espectadores de média.

Em Coimbra, também o estádio será pago nos próximos20 anos, em tranches nada suaves de dois milhões de euros.

O estádio de Braga, com um custo real 100 por cento acima do incialmente previsto, só tem capacidade para futebol e o clube apenas paga mil euros de renda, enquanto abunda a poluição no rio da cidade.

Como é do conhecimento geral, o estádio do Algarve é o exemplo geral mais destrambelhado de todos: custou 66 milhões, com duas equipas do escalão mais baixo do futebol a jogar e 600 mil euros anuais de dívida à banca. Para além de se encontrar no meio de um descampado, só encheu cinco vezes (Euro incluído), enquanto as populações do Algarve esperam por um hospital central.

Depois de um nacionalismo fingido (alguém viu mais alguma bandeira hasteada após o torneio?), criaram-se verdadeiros buracos negros na economia nacional. E a verosímil candidatura de Portugal à realização dos Olímpicos de 2016 roça o escandaloso, porque à excepção dos estádios de Leiria e Coimbra, nenhum dos outros dispõe de pista junto ao relvado.

O mesmo José Sócrates que agora pede sacrifícios e garante que "o pior ainda não passou", foi o mesmo que impulsionou esta candidatura ao Euro, que se torna ainda mais incompreensível quando se sabe que quatro estádios seriam suficientes. Onde está o estádio municipal de Lisboa e do Porto? Foram as rivalidades que ditaram estádios diferentes ou a teimosia e o despesismo terceiro-mundistas? Porquê tanta falta de planeamento?

E convém lembrar que foram José Sócrates, Gilberto Madaíl, Carlos Cruz, entre outros, que contribuíram para esta cruz pesada que carregaremos até 2025. Certo é que suaremos mais que Sócrates numa qualquer maratona, mas podemos sempre pedir asilo, fugir pelo aeroporto da Ota ou por uma estação de TGV, porque quando chegarmos podemos sempre anunciar uma candidatura autárquica na esquadra mais próxima."


Miguel Sousa Tavares (Público - 09 Dez 2005)

"Por que é que a Holanda e a Bélgica, bem mais prósperos que Portugal, organizaram em conjunto o Euro 2000 e apenas precisaram de sete estádios, dos quais dois novos, e nós, organizando sozinhos, precisámos de dez estádios, dos quais oito novos?"


Com efeito, O Euro 2000, o anterior Campeonato Europeu de Futebol, realizado no ano de 2000, teve como anfitriões a Bélgica e a Holanda, responsabilidade esta que foi, pela primeira vez, partilhada por duas nações. O campeonato foi disputado em 8 cidades diferentes, 4 na Holanda e 4 na Bélgica.

E quanto ao Euro 2008, o futuro Campeonato Europeu de Futebol, a realizar no ano de 2008, os organizadores, Áustria e Suíça, anunciaram que o torneio será disputado em apenas sete estádios, três na Suíça e quatro na Áustria.

Por que é que a Holanda e a Bélgica, bem mais prósperos que Portugal, organizaram em conjunto o Euro 2000 e apenas precisaram de sete estádios, dos quais dois novos, e Portugal, organizando sozinho o Euro 2004, precisou de dez estádios, dos quais oito novos? E porque é que a Áustria e Suíça, igualmente bem mais prósperos que Portugal, vão organizar também em conjunto o Euro 2008, aproveitando estádios existentes?


No Diário de Notícias e no Correio da Manhã:

- Mais de mil milhões de euros de investimento público total (no Euro 2004).

- Tribunal de Contas (TC) questiona se o elevado montante de apoios públicos ao campeonato organizado por Portugal no Verão de 2004 não poderia ter tido uma utilização mais eficiente noutras áreas de relevante interesse e carência pública.

- Tribunal de Contas refere que os novos estádios do Euro 2004 estão sobredimensionados, o que pode ser constatado pelas baixas taxas de ocupação, da ordem dos 20 a 35%.

- O dinheiro investido neste espectáculo de grande escala não teve grande retorno. Quase seis meses depois do Euro 2004, alguns estádios onde foram investidos milhões de euros para receber a prova estão «às moscas». Dos recintos do Euro2004, só os dos «três grandes» tiveram sucesso comercial.

- Numa auditoria desenvolvida pelo Tribunal de Contas junto dos estádios de Guimarães, Braga, Leiria, Coimbra, Aveiro, Loulé e Faro, ficou claro que as autarquias se endividaram para os próximos 20 anos.

- As sete autarquias que receberam jogos do Euro 2004 contraíram empréstimos bancários no valor global de 290 milhões de euros para financiar obras relacionadas com o campeonato.

- Na sequência destes empréstimos, as câmaras terão que pagar juros no montante de 69,1 milhões de euros, nos próximos 20 anos, refere o relatório de auditoria do Tribunal de Contas.



Excertos de uma entrevista a Sócrates pelo Acção Socialista (19/5/2004):

Sócrates - "O Governo aprendeu. Começou por ter as maiores dúvidas e reservas quanto ao Euro 2004, a fazer-lhe críticas muito pueris, próprias de quem não percebeu nada do que estava em causa. O Euro 2004 não é um torneio de futebol, é muito mais do que isso. É um grande acontecimento que projecta internacionalmente o nosso país".

Sócrates - "Nós definimos como orientação que Portugal devia ser um país capaz de realizar grandes eventos desportivos internacionais".

Sócrates - "Pois, mas a construção dos dez estádios não um odioso, é bem necessário ao país. Portugal tinha que fazer este trabalho. É também uma das críticas mais infantis que tenho visto, a ideia de que se Portugal não tivesse o Euro não tinha gasto dinheiro nos estádios. Isso é uma argumentação própria de quem é ignorante.

Sócrates - "Ouvi recentemente responsáveis pelo Euro dizerem que é já claro, em relação ao que o Estado gastou e ao que recebeu, que estamos perante um grande sucesso económico."


Comentário:

Será aceitável que num país, dos mais pobres da Europa, se invistam centenas de milhões de contos e se endividem câmaras por dezenas de anos em estádios de futebol que «estão às moscas», quando existe tanta pobreza, tanto desemprego, tanta precariedade entre a juventude e tanta falta de infra-estruturas ao nível mais básico?

Países consideravelmente mais ricos que o nosso unem-se para organizar campeonatos conjuntos e limitam-se a fazer obras de remodelação em estádios existentes. Portugal, bastante mais pobre, constrói de raiz oito estádios de futebol e organiza sozinho um europeu de futebol.

Não há ninguém que mereça responder em tribunal por este crime terrívelmente lesivo do Estado? Não há ninguém que deva ser preso?
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